O mal do século XXI: Fibrilação Atrial não valvar

Vamos tratar hoje de um tema de suma importância na prática clínica – Fibrilação atrial não valvar, definida por alguns como o mal do século 21 (devido ao progressivo envelhecimento populacional).

De longa data é conhecido que a FA é a arritmia sustentada mais frequente na prática clínica e sua prevalência na população geral foi estimada entre 0,5 e 1%.

Nos Estados unidos (onde temos dados epidemiológicos mais acurados) foi estimado uma prevalência que pode chegar a  > 12 milhões de pessoas acometidas ( Ano – 2030).

Mas quais são os riscos?

•  Risco de Morte: 2x > que na população geral.

•  Risco de IAM: 3x > que na população geral.

•  Risco de AVE: 5x > que na população geral.

Estudos mais recentes, entretanto, demonstram que a prevalência é quase o dobro da observada na década passada, variando de 1,9%, na Itália, a 2,9%, na Suécia. Além disso, possivelmente esses números ainda estão subestimados, uma vez que muitos casos (10 a 25%) não provocam sintomas.

Mas o foco de hoje não é sobre epidemiologia, e sim sobre a FA e o risco de AVEi.

Para isso tivemos agora em dezembro de 2019 a publicação de um excelente artigo sobre o assunto.

Mohamad fez uma revisão da evolução da avaliação e estimativa de risco de evento isquêmico associado a fibrilação atrial, começando com a descrição do primeiro escore de amplo uso para o mesmo – o CHADS2.

Vamos a sua origem:

Juntando dados desses dois trabalhos tivemos o tão esperado escore CHADS2 (Gage et al. JAMA 2001).

Porém apesar da facilidade do uso, haviam problemas:

Imaginem um paciente com Pontuação 0 de risco apresentar quase 2% de risco de evento isquêmico ao ano (~ 20% em 10 anos).

Então precisávamos de um novo escore que conseguisse estratificar com melhor acurácia os pacientes de baixo risco. Eis que em 2010 Lip. Et al. Publicaram na Revista CHEST.

Será que esse novo escore realmente conseguia discriminar os pacientes de baixo risco?

Parece que sim não é. E olhem no que deu:

De longe virou o escore mais utilizado e recomendado pelos Guidelines.

Porém nem tudo são Flores. E novamente com o uso disseminado houveram questionamentos.

E com isso surgiram novos escores de Risco de eventos isquêmicos que demonstraram melhor acurácia que o escore CHA2DS2VASC.

Mas, quais os problemas do CHA2DS2VASC e de muitos desses escores de risco?

• Utilizam apenas dados clínicos;

• Utilizar fatores de risco que por si só aumentam o risco de AVE;

• Apesar de todas essas limitações o Escore CHA2DS2VASC é ainda o escore mais utilizado mundialmente, sendo a referência na prática clínica e nos Grandes TRAILs.

Mas como podemos melhorar a avaliação do risco de eventos isquêmicos dessa população? É ai que entra alguns preditores importantes descritos no artigo.

OUTROS FATORES DE RISCOS

Eis que surge um tema de crescente interesse – a Carga de Fibrilação atrial (“Burden of AF and STROKE”).

Mas antes de irmos para a carga de FA, vamos relembrar a definição dos tipos de FA.

Então quer dizer que quanto maior o tempo em Fibrilação atrial, pior o prognóstico do paciente e maior o risco de eventos? Exato meu caro colega leitor!

E olhem que os dados vieram de uma grande meta-análise (PAF – Firbilação atrial paroxística / NPFA – Fibrilação atrial persistente ou permanente) para dar mais força em sua afirmação.

Mas será que existe um tempo de fibrilação atrial mantida a partir do qual esse risco é aumentado (sempre é bom ter um cut-off não é)? Ainda não há certeza sobre esse dado.

E existem outras perguntas que ainda necessitam de respostas. Vejam só:

Mas e o átrio esquerdo, qual a sua importância?

Em relação a avaliação funcional as novas tecnologias tem despontado como bons indicadores adicionais de risco.

E não menos importante, temos o Apêndice atrial esquerdo, que desde a descoberta de que este é o local da origem dos trombos em 9 de cada 10 pessoas com FA não valvar, gerou em crescente interesse em sua investigação, com estudos e dados já consolidados.

Não é apenas o tamanho e a função do apêndice atrial esquerdo que importa, mas a forma em si também é de suma importância da predição de risco de eventos.

Os biomarcadores também estão nessa conta com maior evidência até a presente data para os seguintes marcadores:

•  Troponina I

•  Troponina T

•  NT-proBNP

•  Como sempre a Proteína-C reativa está em todas.

Isso evidencia que a fibrilação atrial é realmente uma doença inflamatória crônico em evolução.

E nada melhor que voltarmos sempre para o clássico eletrocardiograma do Mestre Willem Einthovem para acharmos indicadores valiosos (No caso de fibrilação atrial paroxística) – baseados em algoritmos eletrocardiográficos pré-estabelecidos (Machine Learning vem forte por aí).

Vocês realmente viram hoje que os escores clínicos usados de forma isolada, apesar de importantes, realmente falham na análise do risco global de AVEi em paciente com fibrilação atrial em seus diversos espectros. Este artigo veio como presente de Natal para nos lembrarmos disso.

Vejam como deveria ser a investigação dos seus pacientes com Fibrilação atrial em relação ao real risco de AVE.

Isso nos faz entender as múltiplas faces dessa arritmia tão complexa.

Dr. Halsted Gomes

  • Médido da UCO e de Unidade pós operatório
  • Especialista em Ecocardiografia Básica, Avançada e Ecocardiografia Transesofágica
  • Especialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.