Um exame de sangue para a apneia

No mundo ideal dos médicos e pacientes, toda doença seria apontada e monitorada pelo sangue. Bastaria uma picadinha no braço para colher e dosar moléculas relacionadas a um problema – os biomarcadores. No caso da apneia do sono, aquela sinfonia noturna acompanhada por interrupções temporárias da passagem de ar pela garganta, esse recurso está mais próximo da realidade. Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo e do Instituto do Sono, na capital paulista, descobriram uma substância com potencial para flagrar o distúrbio, indicar sua intensidade e apurar se o tratamento está surtindo efeito.

O dedo-duro se chama cisteína e abre a perspectiva de um teste simples e de baixo custo. O achado não foi imediato. Na verdade, os especialistas se debruçavam sobre outra molécula, a homocisteína, um marcador de risco cardiovascular. “Mas, ao dosarmos seus niveis em pessoas com e sem apneia, notamos que eles eram semelhantes?h, conta a cardiologista Fatima Cintra, uma das autoras do estudo que analisou o sangue de 150 pessoas, metade delas apneicas. No entanto, ao voltarmos os olhos para a cisteina, observamos uma diferenca significativa.?h A turma que roncava apresentou, em media, uma taxa de 490 ƒÊmol/l de sangue ante 439 dos individuos livres do problema. ?gQuanto mais grave o disturbio, maiores os indices da substancia?h, diz a medica do sono Dalva Poyares, que tambem participa das investigacoes.

Como a apneia costuma ser acompanhada pela obesidade, os cientistas também apuraram se os quilos excedentes interferiam nos resultados. Mas, depois de comparar roncadores magros e obesos, verificou-se que em ambos os níveis estavam elevados. Por fim, restava saber: se o transtorno é controlado, o que acontece com a cisteína? “Após seis meses de terapia com CPAP – um aparelho conectado às vias aéreas que normaliza o fluxo de oxigênio à noite -, as taxas caíram, em média, para 399”, relata Fátima.

Todos esses dados foram publicados na revista científica americana Chest com considerável repercussão. A cisteína ainda passará por novos estudos para ser legitimada. O teste sanguíneo, contudo, não pretende detectar mais cedo a apneia nem substituir a polissonografia, exame crucial ao diagnóstico, em que a pessoa fica uma noite com sensores dispostos sobre o corpo. “Por enquanto, o marcador indicaria mais a resposta ao tratamento”, avalia Dalva. “É uma forma de monitorar o paciente sem grandes custos adicionais”, completa Fátima.

Para o otorrinolaringologista especializado em sono Lucas Lemes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a ferramenta é bem-vinda justamente por mensurar o alcance da intervenção prescrita. “Nem todo mundo usa o CPAP direito e há até quem largue a máscara do aparelho no meio da noite”, diz. Assim, além dos roncos, é o sangue que irá denunciar o sucesso ou o fracasso da terapia.