Panorama geral da Diretriz de Avalição Cardiovascular Perioperatória da SBC

Um assunto muito importante devido ao aumento progressivo do número de cirurgias, das comorbidades dos pacientes, do aumento da expectativa de vida.
O objetivo é reduzir eventos cardiovasculares (IAM apresenta-se como uma das principais causas de morte peri-operatórias, além das inerentes a cirurgia) através da otimização terapêutica prévia a cirurgia, adiando o procedimento caso necessário, monitorização de UTI no PO imediato.
O Objetivo não se trata de “liberar para cirurgia”, e sim reduzir eventos cardiovasculares por intermédio de estabelecer o risco do paciente e do risco próprio da cirurgia.
Lembremos antes as classes de Recomendação e os níveis de Evidência.

Avaliação Pré-operatória Geral

A)  História clínica: fundamental. Coletar informações do próprio paciente/familiares (Os algoritmos/índices de avaliação utilizam dados da história) => A diretriz faz questão de colocar CLASSE III não realizar anamnese/exame físico!

  • Idade /sexo
  • Cirurgia /doença de base
  • Anestesia/ tempo cirúrgico estimado/ necessidade de transfusão conforme cirurgião assistente
  • Alergias
  • Capacidade funcional! Dado comum no pré-operatório, de enorme valor considerando as complicações peri-operatórias.
  • Baixa capacidade funcional < 4 METs! (MET: equivalente metabólico)
  • Caminhar uma quadra no plano 2,75 METs – Subir um lance de escada 5,5METs (velocidade normal) – correr distância curta 8METs!

A seguir a tabela disponibilizada na diretriz para considerar diferentes atividades e o gasto energético equivalente.

Diversas patologias, condições pré-existentes, grau de fragilidade do paciente, são discutidos nesta diretriz e o impacto na avaliação peri-operatória.

Responder a todas as dúvidas do paciente e dos familiares, não somente referente ao ato cirúrgico, peri-operatório e aos riscos, senão também ao pós-operatório tardio, necessidade de acompanhamento.

A)  EXAME FÍSICO

Muita atenção a:

  • Ausculta Cardíaca – Presença de B3 => mau prognóstico (Edema agudo-IAM-morte);
  • Palpação de pulsos periféricos, sopros carotídeos => doença aterosclerótica sistêmica;
  • Turgência Jugular => Pressão Venosa Elevada (PVC) => Edema agudo pós-operatório;
  • Edema membros inferiores + Turgência jugular => sugestivo de cardiopatia/Hipertensão pulmonar VS outras causas de edema de membros e PVC normal (renal, hepatopatia);
  • Sopros Cardíacos: diferenciar funcional vs patológicos.

• Como comentado anteriormente sobre definir a capacidade funcional e o número de pacientes > 65 anos ser cada vez maior, a avaliação da fragilidade é importante. Um Método simples é o Timed UP and GO Test).

EXAMES SUBSIDIARIOS
O Kit ECG-Rx Tórax e Laboratório a despeito de comum não está relacionado a redução nem predição das complicações peri-operatórias, representando alto custo.

ELETROCARDIOGRAMA
Importante na avaliação de pacientes com alto risco cirúrgico e cirurgias de grande porte/vasculares onde tem papel preditor de eventos.
O eletrocardiograma basal nestes pacientes é fundamental para avaliação e comparação de eventos perioperatórios.

O ECG proporciona a detecção:

  • Arritmias;
  • Distúrbios de condução;
  • IAM prévio, isquemia;
  • Sobrecargas ventriculares;
  • Alterações secundaras distúrbios eletrolíticos ou de efeitos de medicamentos.

A quem devo solicitar?

  • 40 anos, obesos, diabéticos, exame físico ou história de doença cardiovascular, cirurgias de moderado a grande porte, alto riso nos algoritmos.

RX TORAX
A solicitação da Rx Tórax é mais limitada em comparação ao ECG.

A quem devo solicitar?
Acima de 40 anos, histórico ou exame físico sugestivo de doença cardiorrespiratória e cirurgias de moderado a grande porte.

EXAMES LABORATORIAIS
A solicitação de exames laboratoriais segue o princípio do ecg/rx tórax.
História clínica (anemia, distúrbio de coagulação, uso de anticoagulantes, doença renal, hepática, diabetes, hipertensão) são indicações para solicitar hemograma, (COAGULOGRAMA!!=> TAP-TTPA não é indicação de rotina), creatinina sérica.

  • Observação: A idade > 40 anos, assim como cirurgia de moderado a grande porte, são indicações para ecg/rx/laboratório independente de alteração no exame físico ou história clínica.
  • As demais solicitações obedecem principalmente ao histórico do paciente/alteração no exame físico (doença renal, anemia, coagulopatia, etc).

ALGORITMOS DE AVALIAÇÃO PERIOPERATÓRIA
A Utilização de fluxos/algoritmos, tem a função de ajudar a diminuir os riscos de eventos cardiovasculares.

  • Índice de Riscos: a despeito de não apresentar elevada acurácia, são melhores que ao acaso.

1)  Índice de Risco Cardíaco Revisado (RCRI) de Lee
Desfecho: IAM, Edema agudo pulmonar, BAV total e parada cardiorrespiratória.

Menor acurácia nas cirurgias vasculares de aorta e revascularização periférica. Nesses casos pode ser optado para realizar: Vascular Study Group of New England Cardiac Risk Index (VSG-CRI). O antecedente de Revascularização miocárdica ou Angioplastia é fator protetor.

2)  American College of Physicians (ACP)
Desfecho: IAM e óbito cardiovascularOu seja —> Ic crônica – Menos receptores adrenérgicos – menos receptores para noradrenalina e mibg – maior washout (“lavagem” dos mesmos).

3)  Estudo Multicêntrico de Avaliação Perioperatória (EMAPO):
Interessante que foi realizada baseado na população brasileira.

Estes índices ajudam a melhorar a acurácia e predizer eventos como dito anteriormente. Porém não devem substituir a opinião/experiência pessoal. Existem aplicativos que facilitam a realização desses índices, e a utilização em conjunto oferece a vantagem de reestratificar o paciente, considerando o índice de maior risco, uma vez que um único índice pode subestimar o risco do paciente.

Associado a esses índices devemos ter em consideração outros aspectos inerentes a cirurgia e ao paciente antes de utilizar os mesmos.

  • Diferenciar urgência/emergência de cirurgia eletiva;
  • Condições graves prévias;
  • Risco Intrínseco da Cirurgia;
  • Capacidade funcional (avaliado na anamnese – teste ergométrico) Cuidado nos pacientes com BAIXA CAPACIDADE FUNCIONAL que podem apresentar testes falsos negativos ou sintomas subestimados devido a limitação.

Operações de Emergência/Urgência – Eletiva
A primeira pergunta no fluxograma a ser respondida é se a cirurgia é de emergência (realizada nas próximas 6hs) /de urgência (24hs). No contexto da EMERGÊNCIA o trabalho é focado na tentativa de reduzir risco no intra e pós-operatório.
Na URGÊNCIA podemos otimizar terapêutica, podendo solicitar de exames como ecocardiograma se indicado, porém provas funcionais não devem ser solicitadas, devido a que revascularização/angioplastia adiaria 6 semanas a cirurgia indicada, impossível neste cenário.

Condições clinicas graves previas
A segunda pergunta, considerando que estamos diante a uma cirurgia ELETIVA, é se existem condições clínicas cardiovasculares graves que colocariam em risco muito alto o paciente no perioperatório. Aqui devemos protelar a cirurgia, realizar os procedimentos necessários (otimização clínica, revascularização, troca valvar) para posteriormente reconsiderar a cirurgia.

Risco intrínseco do procedimento.
Responde ao risco inerente da cirurgia, independente do paciente. Leva em consideração tempo cirúrgico, necessidade de transfusão, estresse hemodinâmico. A classificação a seguir foi baseada nos riscos de eventos (morte/IAM não fatal) => <1% – 1/5% – >5%.

Definido esses fatores seguimos o fluxograma a seguir associando:

  • Diferenciar inicialmente tipo de cirurgia (emergência/urgência/eletiva) +
  • Complicações graves previas +
  • Utilização dos índices de Risco – Risco Intrínseco Cirúrgico +

AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA SUPLEMENTAR

AVALIAÇÃO FUNÇÃO VENTRICULAR REPOUSO: ECOCARDIOGRAMA

Não é um exame de rotina, já que não há evidências de aumento de sobrevida e inclusive pode aumentar o tempo de permanência hospitalar. Mas pode fornecer informações importantes (disfunção ventricular, alteração segmentar, disfunção valvar) com valor incremental ante um exame físico, ecg, rx negativa.
Utilizado como avaliação de sucesso terapêutico por IC Aguda após otimização terapêutica, ou nas doenças valvares moderadas/graves (estenose/insuficiência), próteses para conduta pre-operatória ou profilaxia/tratamento para endocardite.

TESTE NÃO INVASIVOS PARA DETECÇÃO DE ISQUEMIA
50% do IAM peri-operatório é devido a ruptura de placa (similar ao IAM espontâneo) e 50% decorrente de alterações intra-pos-operatórias (diminuição oferta: anemia, baixo fluxo, aumento demanda: taquicardia, hipertensão).

TESTE ERGOMÉTRICO


O teste é importante devido a produzir isquemia esforço induzida (desbalanço oferta demanda).
Apresenta importante valor preditivo negativo, valores >4-5 METS apresentam um bom prognóstico peri-operatório.
O valor preditivo positivo é baixo. Aumenta o risco de eventos ante a presença de isquemia em baixa carga, pacientes de alto risco e fatores de risco associados. Considerar a prevalência da doença coronária (baixa prevalência – risco de falso positivo). Não é indicado então em pacientes submetidos a cirurgia de baixo risco, ou pacientes de baixo risco e cirurgias de risco intermediário.

CINTILOGRAFIA

Valor incremental associado ao teste ergométrico ou no caso de limitação física ou eletrocardiograma não interpretável, utilizando estresse farmacológico.
Demonstrou boa acurácia e bom valor prognóstico.

ECOCARDIOGRAMA DE ESTRESSE COM DOBUTAMINA

Exame preditor de eventos cardíacos, com valor prognóstico semelhante a cintilografia.
Elevado valor preditivo negativo (VPN) 93-100% para eventos cardíacos em cirurgia não cardíaca. Objetivo novamente reduzir riscos, considerando o contexto de DAC, se revascularização necessária pode ser realizada após a cirurgia eletiva ou deve ser antes.

Estes exames tem suas indicações precisas: pacientes de moderado – alto risco, cirurgia vascular, não sendo indicados em cirurgias de baixo risco, ou pacientes de baixo risco e cirurgias de baixo-intermediário risco e baixa capacidade funcional (incapacidade de realizar teste ergométrico).

CINEROCONARIOGRAFIA

As indicações são iguais as relacionadas fora do contexto de avaliação perioperatória.

Não deve ser solicitada como exame alternativo no caso de indisponibilidade de testes não invasivos. Não é um exame inócuo, e pode retrasar a cirurgia.

ANGIOTOMOGRAFIAS DE CORONARIAS (Angio-TC)

Não há recomendação formal para solicitação deste exame/escore de cálcio no contexto do perioperaotório.
Ahn et al, na análise retrospectiva demonstraram uma possibilidade de reestratificar pacientes em relação ao Escore de Lee e cirurgia de risco intermediário.

ÍNDICE TORNOZELO BRAQUIAL

Fácil realização, baixo custo.
DAOP Doença Arterial Oclusiva Periférica caso Valores < 0,9 => Risco de Amputação DAC e Doença Cerebrovascular. Apresenta com diversos estudos OR de 2 até 10 na ocorrência de complicações tanto em cirurgias vasculares como não cardíacas, não vasculares. No momento não é recomendado como ferramenta para estimativa de risco rotineira, porém devido a sua praticidade, fornece informações importantes quando alterado.

HOLTER
Utilização rotineira pré-operatório não é recomendada e as indicações obedecem às mesmas relacionadas a investigação fora do cenário de cirurgia.
No período pré-operatório (intra e pós principalmente) pode oferecer informações devido a eventos isquêmicos nestes períodos.

BIOMARCADORES.

TROPONINA:
A utilização atual da troponina ultrassensível (US) acrescenta maior acurácia e rapidez no diagnóstico de IAM, como também o número de falsos positivos.
No contexto de pré-operatório nem todas as troponinas foram estudadas neste cenário. A troponina T alta sensibilidade faz parte da recomendação da diretriz.
No contexto do pós operatório foram avaliadas convencionais e sensíveis.

Alguns dados interessantes:

  • Limite de detecção: mínimo valor que é detectado pelo método.
  • Valor de referência: o percentil 99, que é obtido realizando-se o exame em uma população normal e significa que 99% dos indivíduos normais apresentam valores abaixo deste cut-off.
  • Os kits de troponina podem ser classificados em baixa (convencionais), média (contemporâneos ou sensíveis) ou alta sensibilidade. Esta classificação é baseada na porcentagem de indivíduos saudáveis em que a troponina pode ser detectada.

Solicitar Troponina T US pré-operatório no contexto de cirurgia vascular e pacientes com risco moderado/alto em cirurgias não vasculares.

PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS (BNP)

Liberados na circulação sanguínea devido a estresse miocárdico do VE (Aumento volume –pressão) / isquemia.  O pro BNP é clivado => peptídeo natriurético tipo-B (BNP-ativo) e o N-terminal pró-peptídeo natriurético tipo-B (NT-próBNP-inativo).

Níveis elevados pré-operatórios de Peptídeo Natriurético Tipo B (BNP- ativo) ou NT-pro BNP-inativa) após clivagem do proBNP são preditores de complicações cardiovasculares perioperatorias, seja no contexto de cirurgias vasculares (IIa) ou não vasculares (neste contexto pacientes com idade > 55 anos + 1 FR: diabetes, hipertensão, dislipidemia, tabagismo, história familiar (IIa).

Discutiremos em breve sobre Doenças e Condições com Aspectos Específicos no Perioperatório.


Dr. Horacio Eduardo Veronesi

  • Formado em Medicina pela Universidad Nacional de Rosario (Arg)
  • Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (SP)
  • Residência em Ecocardiografia pelo Instituto Nacional de Cardiologia (RJ)