A Medicina e a revolução do processo de ensino – aprendizagem

Parece haver um sentimento de falência do método tradicional de ensino nas escolas de Medicina, Brasil afora, configurado ao se perceber que, desde cedo, existe uma tendência a uma especialização e que, com seis anos de curso, os meninos não viram médicos. Eles próprios se dizem incapazes de resolver até mesmo os problemas mais simples que lhes são apresentados no cotidiano.

O Programa de Saúde da Família – PSF – acaba sendo um dos caminhos possíveis para aqueles, que por falta de vagas suficientes, não passam na prova de residência médica e, enquanto a próxima seleção de especialização não acontece, precisam entrar no mercado de trabalho. Infelizmente, é no exercício profissional, que estes meninos, dão-se conta que sua formação básica foi insuficiente.

E agora? Será possível existir uma maneira das escolas prepararem os novos médicos com um mínimo de bagagem para que eles percebam o seu paciente como uma unidade, dentro dos princípios éticos e humanísticos e com uma visão biopsicosocial e, por conseguinte, aptos a atender e resolver as suas demandas, mesmo que eles ainda não tenham feito a residência médica?

Tem-se notícias de uma metodologia de ensino-aprendizagem para alunos de Medicina que surgiu no Canadá, nos anos 60, na McMaster University, e que bebeu de uma fonte de inspiração bem brasileira, as teorias do educador pernambucano Paulo Freire, associadas às bases psicológicas do aprendizado de Piaget e Vygotsky. Este modelo curricular tem como eixo central a aprendizagem baseada em problemas ou PBL, a sigla com a qual é mundialmente conhecido Problem Based Learning.

O primeiro elemento fundamental desta nova metodologia diz respeito à necessidade de organizar um currículo baseado nos problemas sócio-sanitários da comunidade local onde se insere o curso. O estudante de Medicina precisa conhecer a realidade social como elemento de fortalecimento com o seu futuro compromisso com a população.

Neste método, que já aportou no Brasil e não é mais novidade, a proposta é ensinar o aluno a aprender, permitindo que ele busque o conhecimento. Eles serão encorajados a definir seus próprios objetivos de aprendizagem e se responsabilizar pelo seu aprendizado e até avaliar o seu desempenho.

Tudo isto é diferente e distante do ensino tradicional, onde o professor, detentor de um saber, dá todas as informações mastigadas aos alunos, que por sua vez, se submetem a memorizá-las, sem questionar e sem, necessariamente, compreender os mecanismos daquele fenômeno ou conceito, sob pena de não conseguirem ser aprovados nos testes de memória que irão habilitá-los ao próximo semestre letivo.

Muitos dos meus leitores reconhecerão, no que tentarei articular neste artigo sobre o PBL, o método construtivista e lembrarão que, entre nós, a Escola Parque de Sergipe, fundada pela educadora e poeta de rara sensibilidade, Ione Pais, foi a precursora desta metodologia de ensino-aprendizagem, em Aracaju.

No método PBL as pesquisas apontam que os alunos, comparados com aqueles que freqüentaram escolas tradicionais, são mais motivados; resolvem problemas/argumentos clínicos com mais facilidade; auto-direcionam o aprendizado, ou seja, são eles que determinam a partir de um mínimo desejável até onde querem avançar e muitos deles superam os conhecimentos dos seus próprios tutores; são mais capazes de aprender e reter conhecimentos no contexto de problemas, favorecendo o resgate e uso deles em situações semelhantes; e são mais capazes de integrar conhecimentos básicos científicos com as soluções dos problemas clínicos.

Pesquisas em psicologia cognitiva apontam os fundamentos deste método: inicialmente o conhecimento deve ser estruturado de sorte que os conteúdos das ciências básicas e clínicas possam ser integrados e aplicados no contexto clínico; desenvolver um processo eficaz de raciocínio clínico para as habilidades de resolver problemas, tal qual em um projeto de pesquisa: formular hipóteses, levantamento de questões de aprendizagem, busca de informações, análise e discussão dos dados do problema e tomada de decisões;

Também está nesta lista, a capacidade do estudante de reconhecer as suas próprias necessidades de aprendizagem para tamponar as lacunas do seu conhecimento e aprender a pesquisar e localizar fontes seguras de informações. O que oferece grande impacto de longa duração na habilidade auto-direcionada do aprendizado, necessária para a educação continuada, uma vez que o médico precisa estudar a vida inteira (self-directed learning). Outra vantagem, é aumentar a motivação para aprendizagem por conta de um ambiente de estudo mais estimulante e mais humano do que nas escolas tradicionais.

Em um método PBL, o grupo será formado por oito a dez alunos e a contribuição do tutor deve ser a da facilitação e estímulo da discussão e nunca irá trazer explicações de fenômenos e conceitos. Isto estimulará o trabalho em equipe e fará com que o grupo tenha a noção dos limites do seu conhecimento e estará apto para definir os objetivos de aprendizagem.

O PBL é absolutamente centrado no aluno. A aquisição de um determinado conhecimento dentro de um contexto favorece para que este seja subseqüentemente usado. Se, ao ser apresentado a um novo problema, o aluno acionar o seu gatilho de memória e resgatar os seus conhecimentos prévios (condição básica), estará, inquestionavelmente, preparando um terreno fértil para a aquisição de novas informações.

O domínio dos conceitos pode favorecer a transferência de conhecimentos para situações quando reconhecidas como similares, pois, afinal, existem muitas formas de se resolver um problema e o mais difícil e que leva mais tempo é fazer um raciocínio a partir de princípios básicos. É muito mais fácil, mais eficaz e com menos inclinação ao erro, reconhecer que já resolveu aquele problema antes e lembrar qual a solução, baseado no reconhecimento de uma situação análoga.

Foram realizadas pesquisas sobre estas questões cognitivas cujos resultados apontaram que estudantes do método PBL, em comparação com os do método tradicional, em alguns testes (não em todos), se saiam mal, porque tinham se dedicado e estudado tópicos que não eram esperados ou cobrados pelo professor.

Entretanto, entre seis meses e quatro anos depois, lembravam cinco vezes mais conceitos do que os alunos de um ensino convencional, ou seja, mesmo que a eles seja atribuído que aprendem menos no inicio, inegavelmente, processam e retém informações e conceitos por mais tempo e tornam-se muito mais aptos a integrar seus conhecimentos e resolver problemas de forma mais eficaz. Estudantes do PBL, inclusive, pedem mais livros emprestados à biblioteca do que alunos convencionais: 67 livros/estudante/ano contra apenas 43 do ensino tradicional. Ou seja, alunos desenvolvem mais o hábito da leitura e da pesquisa.

Este é um currículo de Medicina não só centrando no estudante, mas, essencialmente, voltado para a comunidade, onde o aluno, desde o primeiro ano, tem contato com o paciente em uma abordagem integrada dos problemas de saúde, nas suas dimensões biológica, psicológica e social. Conclui-se que seja um método que prepara melhor o médico para atender a população e responder às suas necessidades e demandas, resolvendo os problemas que lhe são apresentados, por ter uma formação mais generalista e humanista, sem o viés das especialidades precoces do ensino tradicional, que deixa os médicos jovens tão assustados com o seu próprio despreparo quando se vêem inseridos, precocemente, no mercado de trabalho, geralmente no PSF, algumas vezes por falta de escolha.

Existem saídas, portanto. Mudar as regras do jogo certamente é difícil, o que implica em muitas resistências, principalmente por parte do professor. Cabe-nos, neste momento, ao menos, uma reflexão. Se aos alunos são apresentados precocemente de forma ética e humana, os problemas dos sistemas públicos, será mais fácil a construção de um sistema de atenção integral à saúde com ações que envolvem médicos implicados e comprometidos com a sua promoção, reabilitação, prevenção e ações curativas.

Fonte: Cinform