Dúvidas sobre Inibidores SGLT2?

Hoje vamos discorrer sobre uma classe de medicação que tem se destacado nos últimos anos como uma das maiores surpresas nos campos da cardiologia-endocrinologia-nefrologia: os inibidores da SGLT2.

Uma classe de medicação que bloqueia a reabsorção da glicose no segmento S1 do túbulo proximal – SGLT2. Quem diria que uma classe de medicação atuando com esse mecanismo de ação pudesse chegar a ter uma importância tão grande na cardiologia.

Mas vamos ao começo de tudo.

E para ajudar nesse entendimento a maior lenda da cardiologia atual veio nos iluminar com um excelente artigo publicado no JACC 2020.

Eugene Braunwald:

Tudo começou em 1835 com a descoberta da primeira substância não seletiva do co-transportador de sódio-glicose e 50 anos mais tarde a descoberta de sua principal ação (glicosúria).

Vejamos os principais efeitos metabólicos desse interessante fármaco:

  • Redução da HBA1C: 0,5-1,0%
  • Redução da pressão arterial de 3-5 mmhg.
  • Redução de peso de 2-3 kg.

Ou seja, a teoria glicocêntrica de que os efeitos benéficos das medicações se devem basicamente a sua potência de redução da glicemia, mais uma vez, parece perder força.

Mas todo fármaco precisa de validação científica para fortalecer a sua indicação e embasar a sua utilização de forma disseminada. Eis que em 2015 deu início a essa caminhada.

Publicado no NEJM – 2015 o esperado EMPA-REG OUTCOME TRIAL, e olhem a surpresa.

O primeiro estudo a reduzir de forma significativa, em paciente com diabetes mellitus em prevenção secundária, os principais desfechos cardiovasculares:

Empaglifozina saiu na frente, porém não tardaria para ser apresentado estudos com os demais fármacos dessa classe.

Vejamos abaixo os principais achados dos estudos CANVAS (canaglifozina) e declare (dapaglifozina):

Observou-se ainda redução de infarto tipo I e tipo II.

Porém esses estudos apesar da orientação comum apresentaram diferenças que devem ser pontuadas:

EMPA-REG (prevenção secundária )

CANVAS e DECLARE (pacientes em prevenção primária e secundária) – sendo CANVAS com predomínio de prevenção secundária e o estudo declare com o predomínio de prevenção primária.

Dois dados surpreenderam os pesquisadores. A significativa proteção renal e proteção cardiovascular.

Vamos discutir o importante estudos com a canaglifozina que veio dar maior suporte a proteção renal dada pelos inibidores da SGLT2.

Pacientes com diabetes tipo II + proteinúria + disfunção renal: redução de mace, morte cardiovascular e hospitalização, e trouxe um dado importante não demonstrando o aumento de amputações e fraturas que o estudo CANVAS tinha mostrado previamente apenas com a canaglifozina. A real segurança dessa medicação que tinha sido colocada em dúvidas com esses achados prévios.

E a insuficiência cardíaca, quais são os dados que temos de proteção cardiovascular?

Há redução da internação hospitalar por IC tanto em paciente com IC de fração de ejeção preservada como em IC de fração ejeção reduzida, porém com redução de morte cardiovascular apenas nesta última. Esse foi um interessante efeito de classe.

E esse benefício é maior quanto maior o risco do paciente?

Porém esses estudos não foram realizados para avaliar pacientes com insuficiência cardíaca e precisávamos de trabalhos dirigidos para esses pacientes para mudar as diretrizes vigentes. E não tardou a aparecer.

Inicialmente com o DEFINE-HF e com grande expectativa em 2019 chegou o DAPA-HF.

Pacientes com IC, com terapia médica otimizada segundo a boa prática clínica. Olhem os resultados:

E o que mais impactou nos resultados foram os benefícios que aconteceram tanto em pacientes com diabetes como em pacientes sem diabetes. Algo inédito!

Para explicar tal capacidade de redução de morte cardiovascular que já se observa com 3 meses de tratamento (algo inesperado e que não aconteceu nem com os fármacos específicos para esse tratamento – como IECA e BB) temos que entender essa classe com uma ação em múltiplos fatores de risco cardiovascular e inflamatório.

Com isso a sua utilização e indicação terapêutica inicial se abrange a mais terapias que a inicialmente pensada.

Veja os fármacos atualmente disponíveis para uso no mundo:

Devemos lembrar sempre ao prescrever uma medicação dos fatores a favor e contra a mesma, ainda que ele seja um excelente fármaco.

Maior risco de infecção genital, sem aumento do risco de infecção urinária (inclusive pielonefrite).

Maior risco de cetoacidose em pacientes com diabetes tipo I.

Maior risco de amputação demonstrada no estudo CANVAS (canaglifozina) não evidenciada nos demais estudos. Algo ainda a se investigar (efeito isolado da canaglifozina).

Tendo a agência europeia recentemente aprovado o uso dos inibidores de SGLT2 para tratamento conjunto com insulina.

Quais os estudos futuros que vão nos esclarecer ainda mais outros benefícios dessas medicações? Podendo fortalecer ainda mais o seu uso como medicação de primeira escolha (antes do uso da própria metformina). O que já é descrito pela Diretriz Americana porém ainda com baixo nível de evidência.

Vejam que após essa extensa revisão realizada pelo professor Dr. Braunwald, o futuro dessa classe parece mais promissor do que nunca.

Dr. Halsted Gomes

  • Médido da UCO e de Unidade pós operatório
  • Especialista em Ecocardiografia Básica, Avançada e Ecocardiografia Transesofágica
  • Especialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.