Cai interesse por pediatria entre recém-formados

São Paulo Profissionais da saúde já constataram: os jovens formados em Medicina estão desistindo de ser pediatras. É um fenômeno novo, pouquíssimo estudado, mas de efeitos devastadores se nada for feito para reverter o quadro. Se hoje sobram vagas para a especialização em pediatria, num futuro próximo vão faltar médicos que cuidem das crianças e dos adolescentes. Nos hospitais e postos de atendimento das periferias, esse tipo de profissional começa a rarear. Quem pode, opta por trabalhar em clínicas particulares, mal remunerado pelos planos de saúde. E quem não tem escolha enfrenta nos plantões a ira de pais desesperados por seus filhos. Em outras palavras: a situação tende a piorar.

A pediatria só é a ponta mais visível da distorção do exercício da medicina no Brasil. Baixos salários, muito trabalho, má distribuição deles pelo País, desestímulo para se especializarem. A soma de fatores ajuda a entender os números por trás desse fenômeno. No ranking nacional dos últimos cinco anos, foram oferecidas 5.518 residências médicas de primeiro ano em pediatria, mas preenchidas 4.034. A taxa de ocupação geral foi de 72,8% em clínica médica, o índice foi de 92,1%, e de cirurgia plástica, 88%.

Quando um universitário se forma em Medicina, ele tem alguns caminhos a seguir. Um dos mais almejados é a residência médica. Num período de dois a cinco anos, ele se especializa em áreas como pediatria, oncologia, oftalmologia, neurocirurgia e obstetrícia, entre outras. Nessa fase, mais que um estágio intensivo, o jovem trabalha num hospital e lida com casos práticos que vão lapidar sua formação. Sem isso, ele não passa de um generalista, que aprendeu tudo nos livros da faculdade e treinou nos bonecos plásticos ou nos cadáveres doados para experimentação.

Das prováveis causas que têm afugentado os jovens médicos da pediatria, nenhuma parece reversível num curto prazo. A principal é a baixa remuneração. Um pediatra, depois de estudar seis anos e ter no mínimo 5 mil horas de treinamento, ganha pouco mais de R$ 2 mil. Então ele entra numa sala de parto e descobre, estupefato, que recebe R$ 20 por cirurgia ante os R$ 110 de um obstetra. E se sente menos médico que outros médicos.

Há um paradoxo: o estudante demonstra muito interesse por pediatria nas faculdades, mas na hora de decidir a especialização opta por outras áreas, comenta Maria do Patrocínio Tenório Nunes, da USP e representante da Associação Brasileira de Escolas Médicas na Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A médica arrisca dizer que os jovens estão preferindo as carreiras com maior potencial de salário, ou seja, aqueles que prevêem procedimentos nas consultas. Seriam endocrinologia, dermatologia e cirurgia plástica, entre outros modismos da profissão. Eles estão de olho na vida futura.

Até os anos 90, pediatria figurou algumas vezes entre a mais cobiçada das especialidades médicas. E havia uma prevalência de homens. Com o aumento expressivo de mulheres estudando Medicina, a área pediátrica sofreu uma feminização. Paralelamente, o mercado saturou-se de profissionais. Hoje são 36 mil no Brasil. E assim veio o declínio da especialidade. Só restam os devotados.

Fonte: Folha de Londrina