Doze Casos clínicos: Como colocar a Diretriz de Medicina Nuclear em prática?

Hoje discutiremos um capítulo muito interessante da Diretriz de Medicina Nuclear: CASOS CLÍNICOS! Complementando o conteúdo desta Diretriz já publicado anteriormente.
ADENDO: Poderia ser uma opção para as próximas Diretrizes da SBC devido ao seu conteúdo didático e prático.
Acreditamos que pode ser muito útil, já que vocês poderão se enfrentar a casos semelhantes.
Fica aqui a ressalva para as condutas que devem ser sempre consideradas de acordo a realidade local, ou seja, disponibilidade dos exames aqui citados.
O objetivo aqui é tanto diagnosticar como estabelecer o prognóstico da doença arterial coronariana (DAC). Para isso, devemos estabelecer uma sequência na solicitação dos exames utilizando o raciocínio clínico associado ao melhor custo benefício. Avaliar as lesões tanto do ponto de vista anatômico como a repercussão fisiológica das mesmas.

Devemos responder as seguintes preguntas:
a.  Quem é o paciente? ANAMNESSE FUNDAMENTAL!! EXAME FÍSICO!!
b.  Qual informação você procura?
c.  Qual é o teste mais adequado para esse paciente e que possa responder a dúvida clínica gerada?

Os testes têm vantagens e desvantagens, é claro.

Devemos então integrar as informações que eles nos brindam.

Uma linha de raciocínio a seguir.

•  Hipótese Diagnóstica.
•  Testes Básicos (Eletrocardiograma ECG, Ecocardiograma ECO, Escore de Cálcio EC).
•  Testes não invasivos avançados: Angiotomografia de coronárias AngioTC, Cintilografia de Perfusão Miocárdica CPM, Ressonância Nuclear Magnética Cardíaca (RMC).
•  Finalizar após esse filtro prévio com a CINECORONARIOGRAFIA, caso indicado.

RESUMO ANTES DE COMEÇAR COM OS CASOS.

A)  TESTE ERGOMÉTRICO (TE).

ESCORE DE DUKE.

ALTO RISCO: <= – 11 Estudo Invasivo/quantificação área isquêmica.

INTERMEDIARIO RISCO: >-11 e < +5 Complementar método para reclassificar.

BAIXO RISCO: >=5 Prevenção.

B)  CINTILOGRAFIA DE PERFUSÃO MIOCÁRDICA (CPM).

0 = normal;
1 = tênue ou discreta hipocaptação do radiofármaco;
2 = moderada hipocaptação;
3 = acentuada hipocaptação;
4 = ausência de captação do radiofármaco.
•  Pequena – Moderada- Grande extensão.
•  Carga Isquêmica: Pequena <9% – Moderada >=10% -<20% – Grande > 20%.

SINAIS DE ALTO E BAIXO RISCO DO TE E DA CPM.

C)  ANGIOTOMOGRAFIA DE CORONÁRIAS (AngioTC).

Exemplo: Percentil 96% representa que 96% dos indivíduos da mesma idade, sexo e raça TEM MENOR!! índice de calcificação das coronárias que o caso descrito.
CRITÉRIOS DE ALTO RISCO:
•  Lesão de tronco da coronária esquerda,
•  Lesões triarteriais incluindo comprometimento proximal da DA.

PERFIL DOS PACIENTES DOS CASOS ILUSTRATIVOS.

Índice dos casos

1.  Risco Intermediário como proceder: TE ANORMAL – CPM Normal.


a.  HC: mulher 50 anos, HAS, DLP sintomas atípicos.
b.  TE Duke +1/-3 conforme os sintomas sejam considerados -Intermediário, 8,5 minutos Bruce, Infradesnível Segmento ST ascendente lento/horizontal 1-1,5mm em múltiplas derivações. Desconforto mandibular/cervical (Independente de considerarmos angina, temos aqui risco intermediário).
c.  CPM: Excelente opção para TE intermediário. Captação Normal (aqui já temos probabilidade de morte <1%)
d.  COMENTARIO: CPM finalizou a investigação. Tratamento aqui dos fatores de risco.
i.  Caso infradesnivel fosse maior (Duke alto) mas boa capacidade funcional, jovem, => probabilidade alta de ser falso + (TE superestima) antes de prosseguir para cinecoronariografia considerar Sempre CPM ou AngioTC pelo alto valor preditivo negativo – VPN- para descartar DAC importante.

2.  Quando pensar em falso negativo no exame: TE normal e CPM ANORMAL.


a.  HC: Homem 36 anos DM, insulina dependente, obeso, hipertenso, SINTOMAS ATÍPICOS-fadiga aos esforços (não é assintomático-diabético).
b.  ECG: BDASE, TE Bruce 10 minutos sem clínica/alteração eletrocardiográfica.
c.  CPM: hipocaptação transitória de grande extensão e intensidade moderada a acentuada, isquemia inferolateral, lateral, anterior e anterosseptal, até ápice. Dilatação do VE, queda de FEVE de 55% para 45% (Marcadores de ALTO RISCO: múltiplos vasos-dilatação VE- queda da FEVE).
d.  COMENTÁRIO: Nem sempre TE negativo => deve ser considerado aqui este pós-teste “Baixo Risco”.
i.  HF + DAC precoce + DM  + Alto Risco Framingham / BDASE repouso!!
ii.  CPM indicada para reestratificar (falso -/ dificuldade de interpretação devido a ECG base) => Marcadores de Alto Risco => Cinecoronariografia.

3.  Métodos de Imagem na avaliação de pre-óp Cirurgia não Cardíaca: CPM ANORMAL discreta, EC ELEVADO.


a.  HC: homem 65 anos, HAS, Obeso (IMC 45), AVCI há 05 anos, assintomático, pre-óp de cirurgia bariátrica – colecistectomia – bariátrica.
b.  ECG interpretável mas sem condições de exercício.
c.  CPM com dipiridamol. ECG sem alteração, Defeito de perfusão discreto (pequena extensão) inferior-inferolateral/lateral (possível artefato de atenuação-obesidade) e no ápice do VE (transitório). FEVE preservada.
d.  AngioTC complementar (EC: 1621 Ag- Pc 96%) – lesões não obstrutivas (<30%).
e.  COMENTARIO: DAC pequenos vasos, necessidade AngioTC devido a alterações discretas/possibilidade artefato da CPM=> Tratamento clínico agressivo sem necessidade de cinecoronariografia/revascularização consequentemente.

4.  Estratificação por EC de pacientes DM assintomáticos: EC ELEVADO, CPM e TE normais.


a.  HC: homem 52 anos, assintomático, DM, HAS, DLP.
b.  Escore de Cálcio: índice de Agatston = 1.143, com percentil de 99%.
c.  TE: Bruce, 10 minutos 94% FC máxima, sem alterações clinicas/ecg/hemodinâmica – COM: captação homogênea-FEVE preservada.
d.  COMENTÁRIO: Escore de Cálcio: Excelente para Estratificação de pacientes assintomáticos (DM + Escore de Framingham intermediário 11% eventos – 10 anos).
i.  Aterosclerose não necessariamente significa isquemia (EC + / CPM-).
ii.  Tratamento agressivo dos fatores de risco.
iii.  Escore de Cálcio pode reestratificar paciente com TE – Duke Baixo Risco (Pensar na probabilidade pré-teste e o pó teste como falso -).

5.  Estratificar Risco Intermediário – Assintomático: Escore Cálcio ELEVADO e CPM ANORMAL.


a.  HC: mulher 68 anos, assintomática, escore de Framingham intermediário => AngioTC estratificar risco.
b.  Escore de Cálcio: Ag = 1.282, com percentil de 99%!
c.  CPM-TE: 7,5 minutos de Bruce. Duke intermediário – 7, infradesnível segmento ST descendente até 3mm em múltiplas derivações, assintomática => hipocaptação transitória médio-distal anterosseptal, anterior e ápice: acentuada e média extensão => território DA + ALTO RISCO: dilatação de cavidade VE + captação VD.
d.  COMENTÁRIO: Escore de Cálcio: Excelente para Estratificação de pacientes assintomáticos (Escore de Framingham intermediário 11% eventos – 10 anos).
i.  EC 400-999 => defeito perfusão 29%.
ii.  EC > 1000 => defeito perfusão 39%.
iii.  Necessidade posterior de complementação com avaliação funcional (sinais de isquemia média extensão + ALTO RISCO).

6.  Risco Intermediário – Integração dos exames: Paciente com TE ANORMAL, CPM e AngioTC de coronárias normais.


a.  HC: Homem de 33 anos com dor torácica atípica, DM, HAS, HF + DAC precoce.
b.  TE Duke + 3 (Intermediário), 11 METS, 9 minutos Ellestad, Infradesnível Segmento ST descendente de até 1,5mm na etapa da recuperação (5° minutos) em múltiplas derivações.
c.  CPM Captação Normal e homogênea => persiste os sintomas (aqui já temos probabilidade de morte <1%) => AngioTC: sem lesões -Escore Cálcio zero!! (Risco de IAM zero em 5 anos aproximadamente).
d.  COMENTÁRIO: Probabilidade Intermediária – Possibilidade de complementar com CPM ou AngioTC (esta opção inicial pode acarretar maior revascularização/cinecoronariografia por ser avaliação anatômica, complementar com avaliação funcional senão há presença de sinais ALTO RISCO).
*  Se paciente probabilidade pré-teste intermediária/baixa ou TE intermediário/baixo => AngioTC (alto valor preditivo negativo VPN).
*  Se paciente alta probabilidade pré-teste / fibrilação alta resposta ventricular (FAARV) => CPM já que AngioTC têm baixo valor preditivo positivo VPP).

7.  Marcapasso…+ Valor incremental AngioTC: CPM ANORMAL + AngioTC normal.


a.  HC:  Mulher 49 anos, Doença de Chagas, Marcapasso, dor aos esforços, DM II.
b.  CPM: Dipiridamol (Marcapasso MP– provável DDD:  espicula atrial sem visualizar comando ventricular). Defeito de perfusão moderado e média extensão: inferior médiobasal – inferolateral, e ápice (isquemia). => AngioTC: sem sinais de aterosclerose / imagem prejudicada por eletrodos.
c.  COMENTÁRIO: Mulher + DM + FR => Risco intermediário => DAC obstrutiva/doença microvascular-isquemia silenciosa e nesta paciente ainda:  Angina no contexto de cardiopatia Chagásica/ Alteração perfusional por MP/artefato => Aqui o valor incremental da AngioTC.
i.  Estudo ICNC 2017: somente 24% com CPM discreta tem DAC obstrutiva na AngioTC.

8.  Teste Anatômico POSITIVO: Necessidade de avaliação funcional AngioTC ANORMAL e CPM normal.


a.  HC:  homem 51 anos, sintomas atípicos, ativo, HF + DAC.
b.  AngioTC: EC 1.445 – Pc 99% placa na DA, redução importante distal > 70% + oclusão do 1° Diagonal – DAC não obstrutiva CD-CX.
c.  CPM-TE: 18 METS, ótimo desempenho, sem alterações eletrocardiográficas, clínicas, hemodinâmicas. Captação Normal FEVE preservada.
d.  COMENTÁRIO: AngiTC avaliação inicial para descartar DAC Obstrutiva =>, porém risco de cinecoronariografia/revascularização não apresentando os sinais de alto risco (triarterial com DA proximal/ lesão de TCE). Aqui o valor incremental da avaliação funcional.
i.  Neste contexto => fundamental Análise funcional: CPM => tratamento funcional.

9.  História familiar + Dor atípica: o que pode devemos ter presente:  AngioTC ANORMAL e CPM ANORMAL.


a.  HC: homem 51 anos, dor torácica atípica, DLP, DAC precoce (óbito familiar).
b.  AngioTC: EC 12 – Pc 67% discreta aterosclerose no TCE, e placa na DA, redução moderada a importante 60-70%.
c.  CPM-TE: 11 minutos Bruce sem alteração clínica/ecg – COM hipocaptação discreta transitória anterosseptal, septal, ápice.
d.  COMENTÁRIO: Probabilidade Intermediária + Dor Atípica => poderia ter sido realizado inicialmente o TE, mas devido a HF+ DAC => AngioTC pode afastar DAC obstrutiva (alto VPN) => Conforme o estudo CONFIRM (23% sintomáticos /probabilidade intermediaria tem DAC Obstrutiva).
i.  CPM baixa carga isquêmica: importante para avaliação funcional e evitar revascularização (COURGAE – Tratamento clinico).

10.  Informação do TE além do segmento ST – CPM falso negativo?? Paciente com TE ANORMAL, CPM normal, AngioTC anormal.


a.  HC: mulher de 67 anos com fadiga aos esforços, HAS, ex-tabagista  DM recente.
b.  TE: DUKE – 6 Intermediário:  9 minutos Bruce, 89% FC máxima, arritmia ao esforço (EV-ESV-TVNS) Infradesnível Segmento descendente ST de até 3mm em múltiplas derivações.
c.  CPM: ausência de sinais de isquemia. => AngioTC devido a infradesnível, TVNS) EC 829 – PC 97%  lesões não obstrutivas (<30%).
d.  COMENTÁRIO: A despeito da CPM (normal => logo baixo risco de mortalidade a curto prazo e improvável DAC grave / falso -??) => A presença de TVNS (não considerada no Escore de Duke, porém se presente poderia reestratificar >30% dos pacientes) gerou necessidade da AngioTC => alterações do TE não isquêmicas. Tratamento clínico agressivo.

11.  Mulher – Doença Isquêmica – Microcirculação: CPM ANORMAL, AngioTC ANORMAL – DAC não obstrutiva.


a.  HC: mulher 68 anos, DM há 8 anos, obesa, hipertensa, TE ineficaz.
b.  TE: 6 minutos do protocolo de Bruce, 75% da FC máxima-ineficaz, suspenso por fadiga, dor panturrilhas, incompetência cronotrópica.
c.  CPM Dipiridamol infradesnível do segmento ST 1mm, em duas derivações, Hipocaptação transitória anterior, anterolateral médio distal moderada e médias extensão (Carga isquêmica discreta a moderada). FEVE preservada => AngioTC (EC zero!!, Lesões discretas <30%).
d. COMENTÁRIO: Importância do conhecimento atual da DAC na mulher, paciente sintomática + Fatores de Risco => disfunção endotelial +microcirculação (Tempo atrás tivesse sido cinecoronariografia diretamente).
i.  Mulher sintomática < DAC obstrutiva que homem com = sintomas.
ii.  Mulher maior risco de doença microvascular, erosão de placa, trombo.
iii.  Significa: Controle Agressivos dos FR => eventos CV sempre presentes!
iv.  DICA: AngioTC para excluir DAC obstrutiva caso Risco Intermediário + TE ineficaz.

12.  TE ANORMAL – risco INTERMEDIARIO e CPM ANORMAL com indicadores de ALTO RISCO: Valor incremental da CPM.

  • HC: homem de 69 anos, com dor precordial aos grandes esforços há 4 meses. Hipertenso, ex-tabagista.
  • TE Duke <5, Infradesnível Segmento ST descendente de duração prolongada (durante a recuperação – na imagem observamos que estamos no 5° minuto da recuperação, supradesnível do segmento ST em v1 – Avr).
  • CPM hipocaptação septo ápice + hipo persistente – acinesia apical e septal acentuada território DA – carga isquêmica moderada (>=10% <20%), CPM SINAIS DE ALTO RISCO: HipoTransitoria associada a Persistente – Dilatação da Cavidade ventricular esquerda (MIBI- TC99) + Captação paredes VD.
  • COMENTARIO: Carga isquêmica associado aos sinais de alto riso do paciente => Reestratificação para alto risco, possibilidade de revascularização.

Dr. Horacio Eduardo Veronesi

  • Formado em Medicina pela Universidad Nacional de Rosario (Arg)
  • Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (SP)
  • Residência em Ecocardiografia pelo Instituto Nacional de Cardiologia (RJ).