Telemedicina: Confira a Diretriz da SBC sobre o tema

Publicação dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia de 2019

Apresentação

Em boa hora, decidiu a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) fazer uma diretriz em telemedicina aplicada à cardiologia, também designada telecardiologia. A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) definem Telemedicina como “a prestação de serviços de saúde remotos na promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação pelos profissionais de saúde que utilizam as tecnologias de informação e comunicação, que lhes permitem trocar dados, com o objetivo de facilitar o acesso e a oportunidade na prestação de serviços à população que tem limitações de fornecimento, e acesso a serviços, ou ambos, em sua área geográfica”. Tal definição, aparentemente simples e altruísta à partida, traz consigo um conjunto vasto de potenciais implicações aos mais diversos níveis, desde o ponto de vista ético, mas também com potencial impacto na prática clínica e nos seus resultados. Daí a importância de a comunidade médica, através das sociedades científicas, organizar diretrizes que ajudem todos os intervenientes no processo a terem uma referência, que deverá ser alicerçada na opinião de peritos, tanto quanto possível, baseada na evidência científica ao momento, bem como no respeito pelos valores da ética e deontologia médicas.
Considerando que as doenças cardiovasculares constituem atualmente, em pleno século 21, a maior causa de mortalidade e morbilidade em nível global, incluindo o Brasil, a possibilidade de utilizar instrumentos que permitam uma atuação mais eficaz na sua prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento abre perspectivas muito relevantes, com o intuito de prestar melhores cuidados às populações e comunidades que servimos. Ao mesmo tempo, não podem nunca ser negligenciados os aspectos e consequências de natureza bioética que, por si só, podem (e devem) pôr em causa programas que, travestidos de uma índole médica, não cumprem esses requisitos éticos básicos. É, pois, fundamental a existência de modelos de funcionamento que sejam regulados e balizados em diretrizes organizadas por quem tem, no terreno, a autoridade científica-médica para encontrar esses equilíbrios.
A introdução e implementação de novas tecnologias digitais tem permitido o desenvolvimento de novas metodologias, muitas delas ainda em fase de experimentação, com o intuito de melhorar a capacidade de intervenção no paciente individual, de forma a permitir uma atuação mais personalizada. Estamos a viver aquilo que Eric Topol1 no seu muito recente livro, “Deep Medicine: How Artificial Intelligence can Make Healthcare Human Again”, apelidada de Quarta Era ou Revolução Industrial, onde se inclui a inteligência artificial (IA), robótica e big data, a qual terá um impacto maior na forma como vivemos e até na forma como nos vemos como humanos. Se tal é, à primeira vista, algo de muito positivo, também é verdade que não é algo isento de riscos, nomeadamente na forma como abordamos ou passaremos a abordar o indivíduo doente. Importa, pois, não esquecer o princípio hipocrático de que “é mais importante saber que tipo de pessoa tem a doença do que saber que tipo de doença a pessoa tem”. De fato, todos queremos, quando doentes, ter o nosso médico a cuidar de nós, a dar-nos aquela palavra de conforto e confiança, e não propriamente um computador.
Temos, pois, de ser inteligentes ao pensar em como podemos utilizar em benefício do ser humano toda essa panóplia de elementos que hoje nos abrem fronteiras insondáveis há poucos anos. A telemedicina ou telecardiologia pode, de fato, desempenhar um papel muito importante, nomeadamente em certas circunstâncias em que pode ser o único recurso disponível. Mas é fundamental que a sua utilização seja devidamente balizada a fim de impedir abusos e uso indevido. É neste sentido que o presente documento e a diretriz aqui contida foram desenhados. Trata-se de um documento muito completo, em que se faz uma revisão detalhada da regulação da telemedicina no Brasil, se define o que é área geograficamente remota, bem como se descrevem os seus fundamentos      e as bases seguras para a sua transmissão.
O documento contém, ainda, informação muito atualizada sobre as evidências atuais e as aplicações da chamada teleconsultoria, bem como do telediagnóstico e telemonitoramento, fazendo uma reflexão sobre como a telemedicina pode prestar serviços médicos baseados na tecnologia, tendo aqui a IA um grande papel. Completam o documento uma avaliação econômica e o impacto orçamentário da incorporação da telemedicina na cardiologia no Brasil e da telemedicina na saúde suplementar, e um dos capítulos mais importantes, sobre aspectos éticos e legais. Finalmente, um conjunto de recomendações que se pretendem práticas e adaptáveis  à realidade brasileira.
Assim, temos como resultado uma diretriz perfeitamente alinhada com as orientações da OMS no que se refere ao princípio de que a implementação da telemedicina deve ser um processo devidamente planejado e que preveja um conjunto de situações que incluem: viabilidade da cobertura da rede para acesso da tecnologia a lugares remotos, a construção da base legal e jurídica para sua efetivação, o impacto orçamentário e a avaliação de custo-efetividade de execução de cada etapa do projeto, e a elaboração de indicadores do continuum clínico da aplicabilidade para segurança dos usuários. É neste sentido que, como Presidente Eleito da World Heart Federation, vejo este documento como algo exemplar, quer na forma como foi planejado e efetivado, quer nos seus conteúdos, refletindo o que é a evidência atual e a perspectiva dos principais atores científicos nesta área. Como tal, penso que será, desde já, um documento histórico, um milestone na introdução responsável da telemedicina-telecardiologia na prática clínica, neste caso aplicada ao Brasil, mas que pode servir de exemplo para outras latitudes, globalmente, contribuindo para a redução do peso das doenças cardiovasculares no mundo em que vivemos.

Introdução

Há mais de 26 anos, a SBC, com a publicação do Consenso sobre Cardiopatia Grave 1993,2 edita regularmente diretrizes sobre os mais diversos temas da especialidade que norteiam a prática da cardiologia no Brasil. Em 1999, o Conselho Federal de Medicina (CFM),3 em conjunto com a Associação Médica Brasileira (AMB), com o objetivo de auxiliar na decisão médica e, consequentemente, otimizar o cuidado aos pacientes, desencadearam um processo junto às Sociedades de Especialidade para a elaboração de Diretrizes Médicas baseadas nas evidências científicas disponíveis na atualidade. Portanto, o compromisso da SBC antecede a iniciativa da própria AMB, constituindo um dos objetivos societários, inclusive expresso em seu estatuto social.
O CFM, por  intermédio  da Resolução  CFM  nº 1.642/2002,4 à guisa de preservar a autonomia dos médicos, definiu que as empresas de seguro-saúde, de Medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares devem, em seu relacionamento com médicos e usuários, adotar diretrizes ou protocolos médicos somente quando estes forem elaborados pelas sociedades brasileiras de especialidades, em conjunto com a AMB. Nesse  contexto,5   em  2018,  iniciaram-se  as  discussões  sobre a atualização da regulamentação da Telemedicina pelo CFM.
A Telemedicina pode ser contextualizada como o emprego de tecnologias de informação e comunicação (TIC) na saúde com o objetivo de ofertar serviços relacionados com a saúde em sua concepção ampla, desde a atenção primária às cirurgias robóticas, passando pela educação, através da ampliação da atenção da cobertura, em áreas remotas de um país continental.
A OPAS e a OMS definiram a Telemedicina como “a prestação de serviços de saúde remotos nos componentes de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, pelos profissionais de saúde que utilizam as tecnologias de informação e comunicação, que lhes permitem trocar dados com o objetivo de facilitar o acesso e a oportunidade na prestação de serviços à população que tem limitações de fornecimento e acesso a serviços, ou ambos, em sua área geográfica”. A OPAS estimou que um terço da população das américas não tem acesso a cuidados de saúde e que seriam necessários 800 mil profissionais de saúde adicionais para atender às necessidades dos sistemas de saúde na região.6 A Telemedicina, se aplicada em seu contexto amplo, poderia permitir o acesso e reduzir a iniquidade para essas populações, ofertando serviços de qualidade com suposto custo-efetividade, especialmente pelo aumento da prevalência e da mortalidade das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) nos países de baixa e média renda, dentre os quais o Brasil está situado. Acrescenta-se ainda, nesse contexto, o envelhecimento e adoecimento da população brasileira, o que transforma a Telemedicina em uma ferramenta importante que permitiria o enfrentamento dos desafios contemporâneos dos sistemas de saúde universais.
Para além das grandes possibilidades e aplicações da telemedicina, é necessário que avaliações rigorosas de projetos de telemedicina sejam realizadas não só porque todos os sistemas de saúde enfrentam desafios de sustentabilidade financeira que não se restringem somente aos investimentos nas intervenções de saúde, mas também pela pouca evidência clínica disponível, especialmente nos ditames atuais da medicina baseada em valor.
Esse tema se reveste de grande importância sendo motivo de várias publicações da OMS. Como exemplo, o Digital Health Atlas,8 um repositório global virtual para apoiar os governos no monitoramento e coordenação de investimentos digitais, o “BeHe@lthy, BeMobile” (BHBM)9, para prevenção e controle das DCNT, o mHealth Assessment and Planning for Scale (MAPS), manual para Monitoramento e Avaliação da Saúde Digital10 cujo objetivo é fortalecer a pesquisa e implementação da saúde digital, entre outros. Esses documentos culminaram na publicação, em 17 de abril de 2019, da primeira diretriz sobre intervenções de saúde digital da OMS.
Esta diretriz de Telemedicina aplicável à cardiologia tem como principal objetivo, além de atualizar a diretriz publicada sobre o tema em 2015, responder às seguintes questões: Existe suporte legal e ético para o emprego da Telemedicina no Brasil? Existem condições técnicas para o emprego da Telemedicina no País? Qual a prioridade para sua incorporação no sistema de saúde? Para quais modalidades de emprego há evidência científica de qualidade para suportar sua prática? Nas modalidades onde existem evidências mais robustas para sustentar à prática, o custo-efetividade justifica seu emprego? Qual seria o impacto orçamentário? A rede assistencial no Brasil tem capacidade de prover o atendimento de forma integral?
Essa diretriz, em consonância com as orientações da OMS,11 preconiza que a implementação da Telemedicina deve ser um processo planejado que preveja: a viabilidade da cobertura da rede para acesso a lugares remotos, a construção do arcabouço legal e jurídico para sua efetivação, o impacto orçamentário e a avaliação de custo-efetividade de execução de cada etapa do projeto, além da elaboração de indicadores do continuum clínico da  aplicabilidade  para  segurança  dos  usuários.  A Telemedicina pode representar uma ferramenta potencial para melhorar a prestação de serviços de saúde, embora não seja isenta de riscos e desafios para sua execução e avalição do impacto real de seus benefícios.
Desse modo, os autores apresentam uma súmula das recomendações no capítulo final, que foram baseadas nas evidências atuais, procurando nortear as discussões que certamente irão permear a democratização dos serviços de saúde integrais, especialmente das ações de Telemedicina como ferramenta para ampliar a universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), recomendações também extensivas à saúde suplementar.

1. Fundamentos da Telemedicina: Conceitos, Aspectos Bioéticos, Legislação e Regulamentação, Aplicabilidade no Brasil, e Inteligência Artificial

1.1 Fundamentos de Telemedicina

Em maio de 2005, ministros de Saúde dos 192 países- membros da OMS aprovaram a resolução sobre Cibersalud12, na qual, pela primeira vez, reconhecia-se a importância do emprego das tecnologias da informação e comunicação (TIC) na saúde, a saúde digital ou e-Saúde “reforça os direitos humanos fundamentais, aumentando e melhorando a equidade, a solidariedade, a qualidade de vida e qualidade de atendimento”.
O Ministério da Saúde define os seguintes campos de atuação da telessaúde:
Inovação em saúde digital e telessaúde
A Inovação em Saúde Digital é  transversal às  iniciativas  de Telessaúde e busca, nas TIC, explorar novas ideias para a resolução de problemas crônicos, de difícil solução pelos métodos usuais e devem partir de necessidades em saúde da população.
Teleconcultoria
Consultoria registrada e realizada entre os trabalhadores, profissionais e gestores da área de saúde por meio de instrumentos de telecomunicação bidirecional com o fim de esclarecer dúvidas sobre os procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho em saúde, podendo ser em tempo real ou por meio de mensagens offline.
Telediagnóstico
Consiste em serviço autônomo que utiliza as TIC para a realização de serviços de Apoio ao Diagnóstico, como a avaliação de exames a distância, facilitando o acesso a serviços especializados. Busca reduzir o tempo de diagnóstico possibilitando tratamento para complicações previsíveis por meio do diagnóstico precoce.
Telemonitoramento
Monitoramento a distância de parâmetros de saúde e/ou doença de pacientes por meio das TIC. O monitoramento pode incluir a coleta de dados clínicos, a transmissão, o processamento e o manejo por um profissional de saúde utilizando sistema eletrônico.
Telerregulação
Conjunto de ações em sistemas de regulação com intuito de equacionar respostas adequadas às demandas existentes, promovendo acesso e equidade aos serviços, possibilitando o acesso à saúde. Inclui também a avaliação e o planejamento de ações, fornecendo à gestão uma inteligência reguladora operarional. A telerregulação visa fortalecer o atendimento na
Atenção Primária em Saúde, permitindo qualificar e reduzir as filas de espera no atendimento especializado.
Teleducação
Disponibilização de objetos de de aprendizagem interativos sobre temas relacionados à saúde, ministrados a distância por meio de TIC, com foco na aprendizagem no trabalho, que, por sua vez, ocorre transversalmente em seus campos de atuação.

1.2 Tipos de Intervenção em Telessaúde

Videoconferência síncrona: modalidade de interação  por conferência ao vivo entre o atendimento primário e serviços médicos especializados a distância.
Videoconferência assíncrona (Store and forward): utiliza o sistema de armazenamento e envio de imagens diagnósticas, sinais vitais e/ou vídeo clipes em  conjunto com os dados do paciente para uma revisão posterior por especialista. Fornece suporte ao sistema de atendimento primário no diagnóstico e tratamento.
Monitoramento remoto: utiliza equipamentos para coletar dados do paciente remotamente e enviar ao hospital ou centro de monitoramento para interpretação. Esses dispositivos (weareables) monitoram desde um sinal vital específico (frequência cardíaca, pressão arterial – PA e aferição dos níveis glicêmicos) até uma variedade de indicadores para o paciente a distância.
Mobile health (mHealth):  definida  como  prática  médica e de saúde pública apoiada por dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento, assistentes digitais pessoais (PDA) e outros dispositivos sem fio.
Entre os objetivos da Telemedicina que podemos listar:

  • Assistência remota: teleconsultoria, telediagnóstico ou telemonitoramento para diagnóstico, acompanhamento e/ou tratamento a distância do paciente;
  • Gestão administrativa dos cuidados aos pacientes: solicitações de exames, prescrição médica e aspectos relativos ao reembolso pela prestação de serviços;
  • Qualificação de recursos humanos a distância para facilitar programas de educação continuada;
  • Pesquisa clínica colaborativa em rede: utilizar as TIC para compartilhar e difundir boas práticas e gerar conhecimento.

1.3 Bases Seguras para Transmissão de Dados

A segurança da informação é fundamental para a transmissão de dados, e dois efeitos imediatos devem ser considerados: a) compreensão da criticidade da guarda  e  uso da informação; b) possíveis implicações decorrentes da violação dos padrões de segurança e conformidade para indivíduos e organizações.
A legislação europeia (GDPR) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) brasileira impõem pesadas multas e sanções em caso de acesso indevido às informações sob  sua guarda.
Nas seções seguintes, elencamos os requisitos principais para o estabelecimento de políticas adequadas de segurança.

1.4 Proteção e Confidencialidade de Dados

Para proteção adequada das informações, é necessário garantir a segurança dos sistemas, reduzindo eventuais vulnerabilidades, para evitar o acesso indevido e a quebra de confidencialidade. Deve haver determinação clara das autorizações e níveis hierárquicos para o acesso às informações.
A política de acesso e confidencialidade da informação deve constar de documento assinado pelos usuários, definindo-se:
a) escopo dos dados que podem ser acessados; b) implicações legais e sanções que serão eventualmente aplicáveis aos usuários em caso de violação das normas acordadas.
O uso indevido das instalações tecnológicas está inversamente relacionado à segurança dos ambientes sob a responsabilidade das equipes de TIC. Devem ser adotadas políticas rígidas acerca do acesso às instalações físicas, às redes de dados, aos sistemas operacionais, às bases de dados e suas aplicações. Um quadro valioso para a compreensão do controle desses ambientes pode ser encontrado no documento “Access Control Example Policy” (Health and Social Care Information Centre, 2017).
O padrão recomendado para transmissão de dados no Brasil segue o conjunto de normas  da Lei de Portabilidade e Responsabilidade de Seguro Saúde (Health Insurance Portability and Accountability Act, HIPAA). Esse conjunto normativo se mostrou robusto o suficiente para garantir a segurança dos dados transportados, e sua utilização  como um balizador de práticas para o transporte de dados é recomendável. A Resolução 2.227/20185 do CFM, embora revogada, preconizava o padrão que atenderia requisitos desejáveis: “Deve ser utilizado um Sistema de Registro Eletrônico/Digital de informação, proprietário ou de código aberto, que capture, armazene, apresente, transmita ou imprima informação digital e identificada em saúde, e que atenda integralmente aos requisitos do Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2) e o padrão ICP-Brasil.”
Segundo essas normas, há a necessidade de que os dados armazenados (“at rest”) (“in transit”) estejam criptografados para a transmissão. Uma das práticas essenciais para a segurança dos dados é a manutenção em ambientes distintos das ferramentas necessárias para criptografar e descriptografar informações em ambientes diferentes dos locais de armazenamento originais.
As normas HIPAA para a criptografia e transporte de dados, além de garantirem a segurança das informações, possuem farta documentação disponível, facilitando o trabalho das equipes de desenvolvimento, porém os dados públicos nacionais não podem ser depositados em nuvens hospedadas fora do país.

1.5 Aspectos Bioéticos

As iniciativas de ofertar assistência médica a distância, por meio de Telemedicina, remontam o século 19. A cardiologia  é pioneira, visto que, em 1906, Einthoven descreveu a transmissão transtelefônica do eletrocardiograma do hospital acadêmico até o laboratório de  fisiologia  na  Universidade de Leiden, alguns quilômetros de distância. O grande impulso no desenvolvimento da telemetria foi dado pela Agência Espacial Americana (NASA),  para  monitoramento  de seus astronautas.
No entanto, a incorporação da Telemedicina, na concepção atual, representa uma contemporaneidade. Articula-se à tradicional noção que a preservação do valor social da Medicina está na dependência de um fluir de conteúdo. Qualquer modalidade de telecomunicação carrega potencialidades construtivas e destrutivas, e elas despertam contradições em relação aos valores e regras do código moral da prática médica à beira do leito. Ambivalências  são bem-vindas na Medicina, que, segundo Osler (1849- 1919), é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade. A Telemedicina não está imune aos movimentos pendulares da pluralidade de métodos na atenção às necessidades de saúde.
À beira do leito, convive-se com dilemas próprios da diversidade da condição humana. Médicos e pacientes enfrentam desafios externos e/ou internos que não permitem única solução. Qualquer opção cogitada precisa ser judiciosamente exposta, esclarecida e ajustada a fim de ganhar validade, quer para o contexto coletivo conceitual, quer para o individual da circunstância clínica.
A tecnologia aplicada adquiriu um sentido de real progresso para a Medicina. O destaque contemporâneo das tecnologias de informação e comunicação na área da saúde exige observatórios críticos da sociedade. A Bioética tem as competências necessárias para avaliar efeitos da Telemedicina sobre a integração entre ciências da saúde, profissional da saúde, paciente/familiar, instituição de saúde e sistema de saúde.
O benefício da Telemedicina deve ser considerado mais na função de complementação não presencial do cuidado habitual do que uma substituição do cuidado presencial. Deve ser praticada com segurança e por período pertinente à circunstância clínica (prazos de validade proporcionais aos legítimos interesses envolvidos).
Aspecto ético adicional é que certas perspectivas inevitáveis de abuso de uma técnica não devem prejudicar o uso beneficente. Por isso, qualquer consideração de ordem ética  e legal a respeito da ainda jovem Telemedicina, especialmente para aplicação a um Brasil continental, pluriétnico e multicultural não pode deixar de reconhecer que é difícil para o profissional da saúde definir com abrangência e profundidade o conjunto de suas responsabilidades. Isso tendo em vista que o alcance da Telemedicina mobiliza uma gama A-Z de exigências, decisões  e providências que se entrelaçam acerca de:

a. envolvimento com fundamentos da ética vigente, a prudência e o zelo em relação a temas complexos, como assistência ao idoso, comodidade ao vulnerável, redução de hospitalizações e presteza de orientação;
b. imparcialidade de juízos sobre a cobertura das reais necessidades do paciente e contenção para acenos de ganhos secundários e conflitos de interesse, passando pelo potencial de (mau) uso político e do poder;
c. sentido de beneficência;
d. evitação da maleficência;
e. compromisso com a segurança biológica do paciente;
f. respeito à equidade;
g. definição sobre a função de complementaridade do presencial ou de seu substituto;
h. conscientização sobre consequências do não presencial sobre o raciocínio clínico;
i. clareza sobre a gama de variações de uso;
j. treinamento sobre papéis, responsabilidades e habilidades no manejo da aparelhagem em reentrantes aperfeiçoamentos;
k. desenvolvimento de conexões amigáveis com o prontuário do paciente;
l. respeito ao direito à autonomia pelo paciente expresso por meio do consentimento livre, esclarecido, renovável e revogável;
m. apreço imperioso pelos valores humanos;
n. apreciação crítica sobre custo-efetividade;
o. apreciação sobre o valor da precedência da conexão on-line por uma relação face a face em algum momento imediato ou remoto;
p. clima de confiança apesar da distância;
q. alertas conceituais e provocados por acontecimentos sobre limitações do não presencial;
r. avaliação individual do nível de competência do momento para o cuidado requerido;
s. avaliação do grau de completude das informações devidas;
t. preocupação com a continuidade do cuidado prestado;
u. promoção da aderência à conduta recomendada;
v. respeito ao sigilo profissional;
w. “ajustes de passaporte” sobre a limitação geográfica estadual da inscrição do médico no conselho de Medicina;
x. continuidade de pesquisas em busca de evidências confiáveis sobre vantagens e desvantagens;
y. interface com o consumerismo no cuidado com a saúde, incluindo expectativas devidas e indevidas quanto a possibilidades de haver atendimento imediato;
z. valorização da contribuição da Bioética para a harmonização entre o clássico, a inovação e a novidade.
Portanto, diante das bases ético-normativas existentes, da legislação em vigor e dos princípios bioéticos que norteiam a relação entre o médico e o paciente, podemos estabelecer as seguintes diretrizes para o uso da Telemedicina em cardiologia:
1. O médico cardiologista deve ter a cautela de, previamente à utilização da Telemedicina aplicada à cardiologia ou, simplesmente, telecardiologia, manter uma relação profícua com seu paciente, pautada pelas bases estabelecidas no Código de Ética Médica.
2. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é o documento que obtém, do paciente, a autorização para a utilização da telecardiologia quando se vislumbra a alternativa de teleconsultoria direta.
3. Procedimentos de monitoramento de sinais vitais a distância deve ser previamente consentidos pelo paciente, com a devida orientação e treinamento quanto à sua utilização.
4. As empresas médicas que prestarem serviço na área de telecardiologia deverão possuir inscrição junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM), com um responsável técnico, médico cardiologista, que será o responsável ético pela fiscalização dos procedimentos realizados, em especial quanto às ferramentas tecnológicas disponibilizadas ao quadro de profissionais.
5. O respeito à autonomia de vontade do paciente e à proteção da sua intimidade no que se relaciona com os dados de saúde são a base da Telemedicina aplicada à cardiologia.

1.6 Legislação e Regulamentação no Brasil

O Marco Civil da Internet (Lei Federal nº12.965, de 23 de abril de 2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei Federal nº13.709, de 14 de agosto de 2018) são os principais instrumentos normativos, com repercussão direta sobre a Telemedicina no Brasil, ainda que não sejam específicos. As principais autoridades regulatórias são: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e o CFM.

1.6.1.  Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet (Decreto 8.771 de 11/05/2016)34 estabelece princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da rede mundial de computadores no Brasil.
O Marco Civil da Internet reconheceu as relações jurídicas no mundo virtual e seus efeitos no ordenamento brasileiro. Além do estabelecimento da neutralidade da rede, destacou- se igualmente na salvaguarda da liberdade de expressão e   da proteção à privacidade. Não contemplou, entretanto, importantes aspectos relativos aos dados pessoais, ensejando o advento da LGPD.

1.6.2.  Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

A Lei Federal 13.70935 de 14 de agosto de 2018 (LGPD), dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
Importante contribuição da LGPD35 é a clara enunciação do conceito de dados:
I. Dado pessoal – informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
II. Dado anonimizado – dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;
III. Dado pessoal sensível – origem racial ou étnica; convicção religiosa; opinião política; filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político; dado referente à saúde ou à vida sexual; e dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.
A legislação define que o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e que devem ser assegurada aos usuários a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e das comunicações ali realizadas.
As medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a segredos empresariais.
Em relação à Telemedicina, a necessidade de tratamento de grandes volumes de dados  sensíveis  (dados  cadastrais  de pacientes, queixas  de  saúde,  antecedentes,  histórico de doenças, solicitações e resultados de exames, hipóteses diagnósticas, plano terapêutico, evolução clínica e pareceres, dentre outros) torna a LGPD objeto de denotado interesse. O Ministério da Saúde instituiu em 2007 o Programa Nacional de Telessaúde, expandindo-se com o objetivo de aperfeiçoar a qualidade do atendimento da Atenção Primária do SUS por meio do suporte à Estratégia de Saúde da Família. Na Portaria 2.546 de outubro de 2011, o programa foi ampliado e redefinido, passando a ser denominado Programa Nacional Telessaúde Brasil Rede, o qual disciplina os serviços de Teleconsultoria síncrona ou assíncrona; Telediagnóstico; Segunda Opinião Formativa e Tele-educação em Saúde.

1.6.3 Regulamentação do Conselho Federal de Medicina sobre Telemedicina

Conforme  a Resolução  1.643/200237  do CFM, a Telemedicina é o exercício da Medicina mediante o emprego de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde. Além destes, cumpre destacar os seguintes aspectos relevantes:
• Os serviços prestados deverão contar com infraestrutura tecnológica apropriada, assim como acatar as normas técnicas do CFM pertinentes a guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional.
• A responsabilidade profissional do atendimento cabe ao médico assistente do paciente. Os demais envolvidos responderão solidariamente na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo.
• As pessoas jurídicas que prestarem serviços de Telemedicina deverão inscrever-se no Cadastro de Pessoa Jurídica do Conselho Regional de Medicina do Estado onde residem, com a respectiva responsabilidade técnica de um médico regularmente inscrito no Conselho  e a apresentação da relação dos médicos que compõem seus quadros funcionais.
Desde então, inovações tecnológicas e a democratização do acesso à rede mundial de computadores permitiu diversas inovações as quais ainda carecem de regulamentação adequada, tais como:
• novos meios de relacionamento médico-paciente;
• existência de agentes e provedores de dados e serviços;
• discussão de novo formato para o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sob rígidas normas de segurança capazes de garantir a confidencialidade e integridade das informações.
Nesse cenário, surgiu a necessidade de atualizar a regulamentação da prática da Telemedicina no Brasil. O CFM, nesse sentido, editou a Resolução 2.227/2018, posteriormente revogada. No entanto, urge uma atualização dessa Resolução, com a finalidade de oferecer segurança jurídica dentro de uma perspectiva, em que a Telemedicina se apresenta como vetor de transformação da saúde. Nessa diretriz, adotaremos a denominação dos serviços ofertados no âmbito da Telemedicina conforme a portaria 2.546 do Ministério da Saúde, de outubro de 2011, e regulação do CFM em vigor.

1.7 Aplicabilidade no Brasil

A Telemedicina em um país continental como o Brasil representa uma perspectiva de assegurar a consecução de políticas públicas concebidas à época da concepção do SUS, as quais não foram plenamente satisfeitas em virtude da existência de áreas desassistidas ou remotas com exiguidade de profissionais de saúde, entre outras razões. Assim, torna-se imperativa a existência de condições de infraestrutura capazes de fazer chegar na ponta os recursos disponíveis para emprego de TIC voltadas à saúde. Discutir conceitos de áreas remotas e conhecer a demografia médica interessa para compreender a aplicabilidade da Telemedicina no Brasil.

1. 7.1 Conceito de Território Urbano, Rural e Área Remota

A definição de território ultrapassa o limite do espaço físico, pois geralmente mantém forte relação com o contexto sociocultural em que se insere. A divisão entre o espaço urbano e rural não ocorre de forma abrupta, apresentando limites flexíveis e com características similares. É evidente que, em muitas regiões, a ocupação territorial é desigual, assim como o acesso aos bens e serviços ofertados nas diferentes formas de assentamentos humanos. Em geral, os meios de transporte e a acessibilidade às áreas urbanas e rurais são distintos de uma localidade para outra, retornando assim a importância da classificação entre urbano e rural.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) classifica os espaços de acordo com densidade populacional, proporção de população vivendo em grandes centros e acessibilidade, sendo esta última definida pelo tempo de deslocamento entre os centros urbanos e as áreas rurais. Assim, a OCDE classifica uma área rural em remota quando 50% da população local necessita de pelo menos 45 a 60 minutos de viagem em veículo automotor para atingir um centro populacional com pelo menos 50 mil habitantes.
No Brasil, a classificação dos espaços ocupados, rural ou urbano, foi estabelecida em 1938 por força do Decreto n. 311/1938. O Manual da Base Territorial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, de 2014 considera o  acesso por malha rodoviária ou hidroviária nacional das áreas rurais aos centros urbanos, o que permite sua classificação quanto ao seu grau de proximidade e acesso aos grandes centros  urbanos,  criando  uma  noção  de  isolamento. A partir do Mapa de Logística de Transporte de 2014, os municípios foram classificados em adjacente e remotos, respectivamente, se o tempo de deslocamento da sede do município a um centro de influência fosse maior ou menor que a média nacional.
A tabela 1.1 apresenta a distribuição dos municípios no território nacional a partir  da  classificação  de  isolamento do IBGE

Mais de 65% dos municípios considerados remotos estão nas regiões Norte e Centro-oeste do país. Essas duas regiões concentram 5 milhões de habitantes, ou 72% dos residentes em municípios remotos do país (quase 7 milhões de pessoas vivem em áreas consideradas remotas pelo IBGE).
Nas mesmas regiões Norte e Centro-oeste, a população em municípios remotos representa 20% e 12% da população, respectivamente. A figura 1.1 apresenta a proporção da população urbana nos municípios brasileiros.

1.7.2  Demografia Médica

A razão de médicos por habitante no Brasil é significativamente mais baixa (2,1 médicos por mil habitantes) que a média dos países da OCDE (3,4 médicos por mil habitantes). Além da  escassez  absoluta  de  profissionais, o país também tem escassez relativa devido às grandes desigualdades regionais na distribuição da força de trabalho médico existente. Estudos recentes apontam para a grande concentração de profissionais  de  Medicina nas regiões  Sul e Sudeste, com a proporção de especialistas seguindo essa tendência. A tabela 1.2 mostra a distribuição de médicos  por região do país, desagregados segundo sua especialização em generalistas, com alguma especialidade (especialistas) e   a proporção médico por mil habitantes, e a distribuição dos cardiologistas por regiões e por habitante.
Nas regiões Norte e Nordeste, observa-se que em algumas unidades da federação, a razão médico/habitante é inferior a 1,00, como nos casos do Pará e Maranhão com 0,97 e 0,87, respectivamente. O recente relatório  Demografia  Médica  no Brasil (2018) apontou, ainda,  importante  desigualdade  na oferta de médicos entre municípios predominantemente urbanos e rurais, com elevada concentração da força de trabalho médica nos grandes centros urbanos.
Os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), disponibilizado pelo Ministério da Saúde, mostra a mesma tendência de concentração de médicos nas regiões Sul e Sudeste, no mês de fevereiro de 2019, como pode ser visto na figura 1.2.

1.7.3  A Estratégia E-saúde

A União Internacional das Telecomunicações (UIT), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), vem trabalhando em colaboração com a OMS, para criação de um ambiente global para a implementação da estratégia e-saúde, especialmente em Telemedicina.
A estratégia e-saúde é particularmente importante para o controle de agravos crônicos não transmissíveis, como hipertensão arterial, diabetes, cardiopatias e doenças ligadas ao envelhecimento. Nos últimos anos, tem-se observado grande avanço na aplicação de e-saúde e Telemedicina, porém um estudo de revisão sistemática recente, sobre relação do custo-efetividade da aplicação de e-saúde, não encontrou muitos estudos que possibilitassem analisar o impacto da estratégia sobre os sistemas de saúde ou aspectos sociais, apesar de a maioria dos estudos demonstrarem eficácia e custo-efetividade.

1.7.4.  Infraestrutura de Telecomunicações e Dados

Estima-se que até 95% da população mundial tenha acesso à telefonia móvel, sendo que no Brasil esses números podem passar de 98% de cobertura. A evolução do acesso aos serviços de telefonia móvel no Brasil é marcante e observa-se aumento na utilização equipamentos de telefonia móvel celular por habitante de 2009 a  2019,50,51  seguido  por  uma  tendência de queda na utilização de telefones móveis a partir de então (Figura 1.3). Na figura 1.4, podemos observar a distribuição de celulares/100 habitantes e a relação entre os cardiologistas e celulares por 1000 habitantes no Brasil no ano de 2018.
Em relação à cobertura de fibra ótica, também existe uma maior concentração nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A figura 1.5 demostra a distribuição de backhaul em fibra ótica nos municípios brasileiros. Backhaul é a porção de uma rede hierárquica, como a de comunicação por telefonia móvel celular, responsável pela conexão da rede principal e as sub-redes. Nota-se, pelo mapa da figura 1.5, que há menor concentração de redes ligadas por fibras óticas em municípios da região Norte, que também concentra a maior proporção de municípios isolados.
Pelos dados apresentados nas figuras 1.4 e 1.5, observa-se tendência de concentração de médicos cardiologistas onde há maior concentração de aparelhos de celular habilitados. O coeficiente de correlação dessa relação é de 0,67, o que indica que a oferta de médicos cardiologistas é altamente correlacionada ao acesso a telefones móveis. Estes dados indicam um maior desafio à implantação da Telemedicina em áreas remotas, uma vez que a falta de médicos segue  a mesma distribuição da deficiência de infraestrutura de telecomunicações no Brasil. Uma análise detalhada dos custos e benefícios dessa expansão deveria guiar os incentivos nesta área.

1.8 Inteligência Artificial

A IA engloba um complexo arcabouço de sofisticados modelos matemático-computacionais que permitem a construção de algoritmos utilizados para emular a realização de diversas tarefas humanas. Envolve um número crescente de subáreas que se traduzem em diferentes metodologias e abordagens, que podem atuar de forma combinada ou complementar. Alguns exemplos dessas ferramentas são: redes neurais artificiais (em particular, os modelos de “deep learning” e redes “convolucionais”), máquinas de vetores- suporte, algoritmos evolucionários e o processamento de linguagem natural. A elaboração de algoritmos analíticos derivados de grandes bancos de dados permite interpretar e apreender de forma interativa, reconhecer padrões ocultos de combinação das informações que não são obtidas com os métodos estatísticos tradicionais, e auxiliar na tomada de decisão com maior precisão.

A disponibilidade desta  enorme quantidade de dados e de novas técnicas analíticas – o big data analytics – abre novas possibilidades científicas e alternativas de IA, como machine learning e data mining, que já têm ampla aplicação na telecardiologia para diagnóstico de combinações de múltiplas modalidades de imagens, biobancos, coortes eletrônicas, sensores clínicos presenciais e a distância para monitoração, registros eletrônicos de saúde, genomas e outras técnicas moleculares, entre outros. A transposição dessas aplicações para a  prática  clínica  em cardiologia tem crescido exponencialmente, com características prognósticas, como na utilização de algoritmo derivado da ressonância nuclear magnética baseado em padrões tridimensionais da função sistólica ventricular direita para avaliação de desfechos na hipertensão arterial pulmonar com acurácia elevada, identificação de padrões fenotípicos para a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada com prognóstico desfavorável confirmados por padrões heterogêneos da repolarização ventricular no eletrocardiograma, predição de risco cardiovascular em grandes coortes, predição de revascularização urgente em pacientes com dor torácica na emergência, entre outros.

Porém, os estudos sobre IA geralmente se utilizam de dados observacionais, a partir de bases de  dados  administrativas ou de prontuários clínicos, com potencial de ocorrência de diferentes tipos de vieses e fatores de confundimento.
São promissoras, mas ainda muito restritas, as aplicações desenvolvidas de IA em Telemedicina. No campo do telediagnóstico, os esforços para classificação e diagnóstico automatizado no eletrocardiograma e das imagens cardiovasculares são promissores, mas ainda incipientes. Quanto às intervenções cardiovasculares, uma revisão recente encontrou oito estudos  que  incorporam  a  aprendizagem  de máquina em um cenário de pesquisa da vida real, dos quais apenas três foram avaliados em um estudo controlado randomizado. Das 8 intervenções, 6 (75%) mostraram significância estatística (no nível p = 0,05)  em  desfechos  de saúde. Algumas dessas intervenções são diretamente relacionadas à telecardiologia, avaliando intervenções para perda de peso, controle do estresse, cessação do tabagismo  e nutrição personalizada com base na resposta glicêmica. Os estudos são, em geral, com amostras reduzidas e curta duração, mostrando a necessidade de investimentos e novos estudos explorando as potencialidades da área.
Em recente revisão, Topol salientou as premissas que nortearão a futuro da IA na Medicina: o paciente deve ser considerado o centro para a implementação de qualquer nova tecnologia, a incorporação dessas novas tecnologias para diagnóstico e tratamento devem ocorrer quando houver uma robusta validação de sua eficácia clínica, o emprego de ferramentas digitais e algoritmos de decisão pelos pacientes deve ser  mais uma opção  para  os  que se sentirem habilitados, o treinamento interdisciplinar precisará ser realizado envolvendo profissionais de saúde, engenheiros, cientistas da computação, e bioinformáticos. Essas condições mínimas pressupõem etapas para sua transposição para a prática clínica que irão minimizar as dificuldades de sua implementação.
Entretanto, inúmeros aspectos da prática em saúde ainda continuarão a depender de outras dimensões, como a política, a econômica e a cultural, e da habilidade dos profissionais de saúde para interagirem com os pacientes e com a comunidade para que a IA possa de fato beneficiar os pacientes, dado que a questão da desigualdade de acesso à saúde ainda é crítica no Brasil, e exigirá desde grandes investimentos até a melhoria da organização do sistema de saúde.
Dessa forma, as potenciais estratégias de incorporação, planejamento de implantação e adoção devem estar alinhadas com a possibilidade e os desafios de oferecermos uma cardiologia centrada no paciente e no valor final agregado à linha de cuidado em cardiologia. É necessário identificar a melhor tecnologia a ser incorporada, bem como definir em que parte do processo de trabalho médico tal tecnologia pode agregar valor ao processo e à saúde do paciente. Além disso, faz-se necessário planejar a incorporação e desenhar a jornada de transformação digital do serviço de cardiologia, buscando garantir um nível elevado de adoção da tecnologia.
A incorporação dessas tecnologias na prática clínica deve envolver, a priori, rigorosa avaliação de desempenho e o valor final para o paciente. Essa avaliação deve respeitar e seguir o processo vigente de avaliação  de  incorporação  de novas tecnologias em saúde liderado pelo Ministério da  Saúde, considerando todos os seus aspectos, normas e regulamentações. A incorporação deve ser baseada na evidência científica da geração de valor final para a saúde do paciente, na perspectiva do indivíduo exposto à tecnologia.
Deve-se ter claro que a ferramenta de IA, uma vez incorporada, atua aumentando as capacidades do profissional, nunca o substituindo, e que as responsabilidades civis, criminais e em relação ao paciente e seu problema de saúde, permanecem com o médico assistente.
Recomenda-se que essa capacitação seja multiprofissional e interdisciplinar, voltada para a construção de serviços devotados à geração de valor final para o paciente. Sugere-  se que os currículos médicos de cardiologia contemplem a inserção de conteúdos relacionados ao conhecimento técnico, desenvolvimento de competência e técnicas de utilização de IA, e que os serviços de cardiologia estruturem um programa contínuo de capacitação profissional e formação de recursos humanos para gestão de incorporação, treinamento e adoção de novas tecnologias digitais em saúde.
No atual momento, não há uma regulação específica sobre o uso da IA na área da saúde, porém alguns países como o Canadá, o Reino Unido e os Estados Unidos iniciaram as primeiras fases para planejar e implementar a regulamentação da IA na saúde. A União Europeia publicou um documento sobre seus aspectos éticos. A acelerada transformação digital tem gerado reflexões sobre como equilibrar a adoção da tecnologia e dos sistemas digitais emergentes com valores éticos, morais, emocionais, sociais e, particularmente, ligados à segurança do paciente.

2. Usos e Aplicação da Telemedicina em Cardiologia

2.1 Telemedicina no Brasil  

Desde o advento da Sociedade da Informação no final do século 20, fruto da globalização e da utilização em larga escala de TIC, tornou-se premente o surgimento de inovações organizacionais, sociais, políticas e econômicas da sociedade, que requerem nova forma de aprender, ensinar e exercer as profissões. O mundo passou a se preocupar com os princípios da igualdade de oportunidades, participação e integração para que todos pudessem ter acesso e se beneficiar das aplicações da sociedade da informação. Na saúde, a Telemedicina teve importante avanço em todo o mundo, pois é vista classicamente como um conjunto de ações com enorme potencial para melhorar o acesso aos serviços de saúde, a qualidade do cuidado e sua efetividade, com menor custo.
Como uma marca do novo milênio, evidenciamos o envelhecimento da população, o aumento das DCNT e a consequente necessidade de prover serviços de saúde por  um tempo maior, com aumento do custo da saúde. Torna-se, portanto, fundamental a incorporação de soluções inovadoras, eficientes e eficazes como a Telemedicina e biotecnologia para promover a universalidade e integralidade do cuidado.
As diversas ações de Telemedicina estão atualmente presentes em todos os continentes e, para seu sucesso, devem ser planejadas de acordo com a necessidade local. De acordo com Bashshur et al., o sucesso dessas ações depende de três pilares: acesso, qualidade e custo. Nos países desenvolvidos, representa uma alternativa aos métodos tradicionais, estando já presente como opção na saúde suplementar ou para resolver lacunas do sistema de saúde, mas sempre visando à integralidade do cuidado. Nos países em desenvolvimento, o acesso é o principal pilar, pois muitas vezes a Telemedicina pode ser a única opção em regiões onde não está disponível  o cuidado especializado tradicional.
No Brasil, o desenvolvimento da Telemedicina e telessaúde no sistema público de saúde iniciou sistematicamente a partir de 2006, com investimentos do Ministério da Saúde, Secretarias de Estado  da  Saúde  e  Secretarias  Municipais  de Saúde. O principal objetivo era o fortalecimento da Atenção Primária, em especial a Estratégia Saúde da Família de municípios remotos, por meio de teleconsultorias, telediagnóstico e teleducação. Se utilizados em larga escala, poderiam reduzir o encaminhamento de pacientes aos grandes centros, com consequente melhoria no acesso da população aos cuidados especializados e redução dos custos com a saúde.67 Portanto, desde o início, a Telemedicina pública brasileira está ancorada nos princípios  básicos  do SUS de universalidade, equidade e integralidade. Pela universalidade, a saúde é um direito de  todo  e cabe ao Estado assegurá-lo. A equidade pretende diminuir desigualdade ou investir mais onde a carência é maior. A integralidade considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades.
A telecardiologia, um dos ramos mais desenvolvidos da Telemedicina, por meio de suas múltiplas ações na promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação, com impacto na melhora da qualidade de vida, pode ser considerada  uma  importante  aliada  do  sistema  de saúde, seja ele público, suplementar ou privado, para promover atenção à saúde integral e com qualidade.

2.2 Na Atenção Primária

A Atenção Primária à Saúde (APS) envolve cuidados integrados e multidisciplinares e é a base para alcançar a saúde universal, de acordo com a OPAS, que também defende outros determinantes da saúde como a educação, alimentação, moradia, proteção financeira,  água  potável e ambientes seguros. Para alcançar a saúde universal, é necessário transformar os sistemas de saúde, principalmente tornando a APS eficiente, integrada, organizada, com o paciente no centro do sistema. Ainda de acordo com a OPAS, estima-se que na região das Américas cerca de um terço da população não tem acesso a cuidados de saúde e que seriam
necessários 800 mil profissionais de saúde adicionais para atender às necessidades na Região.
A Telemedicina tem importante papel na qualificação da APS, com benefícios clínicos, humanos, organizacionais, educacionais, administrativos, técnicos e sociais. A utilização da Telemedicina em apoio à APS traz benefícios à população atendida, como: (i) melhoria de acesso a serviços especializados, (ii) aumento da resolutividade do nível básico,
(iii) diminuição do número de encaminhamentos de pacientes a outros municípios para atendimento especializado, (iv) encaminhamentos mais qualificados e decisões mais rápidas por hospitalizações, (v) profissionais de saúde locais mais capacitados, com consequente atendimento clínico mais qualificado, (vi) redução de tempo para o diagnóstico, com diminuição do risco de complicações, (vii) doenças diagnosticadas em estágios mais precoces, (viii) economia de gastos e tempo para o paciente, (ix) melhoria da qualidade de vida, (x) redução de internações e utilização de unidades de urgência, (xi) melhoria na continuidade dos cuidados clínicos, (xii) redução de fatores de risco e complicações de doenças crônicas e (xiii) economia para o sistema de saúde.

2.2.1. Aplicações de Promoção e Prevenção à Saúde

Em cardiologia, ações de promoção da saúde e prevenção primária e secundária de doenças cardiovasculares representam significativa redução de custos pela diminuição de consultas ao especialista, internações por complicações clínicas e entradas nas unidades de urgência. A Telemedicina pode ser útil: no controle dos fatores de risco para doença arterial coronariana, na melhora do controle da PA, na redução da glicohemoglobina em pacientes diabéticos; na melhora do perfil lipídico; na redução do peso, índice de massa corporal (IMC) ou circunferência da cintura em obesos, e no aumento do sucesso de programas de cessação do tabagismo.
Várias modalidades de Telemedicina podem ser aplicadas nesse sentido, como sistemas de envio de mensagens de texto/áudio em celulares, com resultados positivos na adesão à medicação, mudança de hábitos  alimentares  e  aumento da atividade física em pacientes com hipertensão, diabetes, obesidade ou pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM).86,88  Sistemas de monitoramento 24 horas em celular ou serviços com centrais de monitoramento tornam-se mais frequentes pelo desenvolvimento de equipamentos especializados com comunicação direta com sistemas de Telemedicina, como estetoscópio, balança, termômetro digital, equipamentos para aferir PA, monitoramento remoto de sinais vitais e dispositivos eletrônicos implantáveis.89,90 Simples relógios foram transformados em sistemas de monitoramento com tecnologia para informar a frequência cardíaca, nível de estresse (umidade e temperatura da pele), PA óptica e atividade física, entre outros parâmetros.91,92 Há diversos aplicativos disponíveis para orientação da equipe de saúde e/ou pacientes, ou mesmo para autocuidado.

2.2.2  Sistemas de Suporte à Decisão

Os sistemas de suporte à decisão (SSD) clínica fornecem conhecimento e informações específicas de um paciente individual a médicos, a outros profissionais de saúde ou ao próprio paciente, a fim de melhorar a qualidade do cuidado   e os desfechos clínicos. São recomendados pela Community Preventive Services Task Force (CPSTF) na prevenção de doenças cardiovasculares, apesar de baseados em evidências de qualidade moderada a fraca.93 Entre as aplicações nas quais já se demonstrou benefício, inclui-se o aumento do rastreamento de fatores de risco cardiovasculares, a prescrição de Ácido Acetilsalicílico para prevenção primária e o aconselhamento acerca de dieta saudável, da atividade física e da cessação do tabagismo. Portanto, pode ter grande aplicabilidade na APS. Não há evidências de redução de atendimentos na emergência, hospitalizações e eventos cardiovasculares, mas estudos adicionais são necessários. Um estudo que avaliou estratégia educacional para profissionais de saúde associada a alertas de SSD observou taxa mais baixa de mortalidade em comparação à estratégia educacional isolada.
Os SSD foram avaliados em estudos-piloto em Unidades Básicas de Saúde (UBS) brasileiras em intervenção multifacetada. A ferramenta se mostrou factível para  a APS em pacientes com hipertensão, diabetes e para o manejo do risco cardiovascular, com boa satisfação dos profissionais e percepção de facilidade de uso, mas com baixo preenchimento dos campos pelos profissionais. Isso pode estar relacionado à implantação ainda incipiente do prontuário eletrônico em UBS, o que gera necessidade de duplicar trabalho, fator inversamente relacionado ao sucesso da implementação de SSD. Novas iniciativas estão em andamento e visam avaliar o impacto em desfechos clínicos, no controle de pacientes com hipertensão e  diabetes  no  Vale do Mucuri, Minas Gerais,  e  no  manejo  de  pacientes em uso de varfarina, anticoagulante ainda mais amplamente usado no SUS.

2.2.3. Teleconsultorias

As teleconsultorias têm grande aplicação na APS para apoio aos profissionais de saúde de áreas remotas, qualificando e reduzindo o tempo para o diagnóstico e tratamento. Como ferramenta com importante potencial para aumentar a resolubilidade da APS, deve estar incorporada ao fluxo de atendimento das unidades de saúde, sendo parte integrante do processo regulatório do município. Dessa forma, representa uma forma eficiente de reduzir as longas filas de espera para uma consulta presencial com um cardiologista. Embora a teleconsultoria tenha sido extensivamente estudada em nosso meio, existem  poucos  estudos  sobre o impacto da teleconsultoria nos resultados tradicionais de saúde da população, como risco e mortalidade. A revisão sistemática de Liddy et al., reportou que o sistema de teleconsultoria é altamente aceitável para pacientes e profissionais de saúde e melhora o acesso ao cuidado especializado. Foi realizado um estudo randomizado em cardiologia que avaliou efeitos adversos como morte, infarto do miocárdio, cateterismo e/ ou angioplastia de urgência/emergência e ida a  unidades de urgência, comparando pacientes que receberam teleconsultoria e os que tiveram um referenciamento tradicional. O grupo que recebeu a teleconsultoria foi mais propenso a ter uma consulta com o cardiologista e teve menos entradas nas unidades de urgência.

2.2.4. Telerregulação

A demanda para atenção especializada é crescente em todo o mundo, superando a oferta de serviços, com acesso limitado aos especialistas e longas filas de espera. Intervenções de telessaúde, particularmente envolvendo teleconsultoria para regulação, tem demonstrado grande impacto na redução desse tempo de espera, com qualificação do acesso ao especialista, evitando encaminhamentos desnecessários e com menor custo. Igualmente, no Brasil, a experiência de teleconsultoria para regulação (ou telerregulação) tem mostrado redução do tempo de espera para a consulta especializada, qualificando  o acesso e otimizando a utilização dos recursos, além de oferecer ao usuário atendimento com maior conforto e menor impacto no seu cotidiano. A telerregulação possibilita, ainda, a classificação de risco da demanda de atendimento especializado. São estabelecidos protocolos norteadores para o atendimento e a decisão final relativa ao encaminhamento é definida conjuntamente com o médico assistente e o médico teleconsultor. Além dos ganhos mencionados na perspectiva do usuário, há o processo de educação permanente e de qualificação do profissional, aumentando a resolubilidade na atenção primária.

2.2.5. Telediagnóstico

A tele-eletrocardiografia representa a atividade mais frequente na telecardiologia, por ser uma tecnologia simples, de baixo custo, para transmissão de um pequeno arquivo facilmente transmitido com pequena banda de Internet. Assim sendo, a tele-eletrocardiografia é facilmente incorporada à rotina da APS, por sua grande utilidade e por ser adequada à infraestrutura precária da APS de áreas pobres e remotas. Está difundida tanto no meio público como no privado, com diversas empresas brasileiras oferecendo serviços de laudos 24 horas. O Ministério da Saúde, em 2017, lançou o Projeto Oferta Nacional de  Telediagnóstico  (ONTD),  que  visa  ampliar o serviço de diagnóstico de exames realizados a distância nas áreas com maior necessidade do país. A tele-eletrocardiografia foi a primeira modalidade de telediagnóstico a ser ofertada em nível nacional por um núcleo de telessaúde com expertise em telecardiologia. Esse projeto representa uma inovação na gestão de um modelo nacional de projeto de Telemedicina em larga escala e os bons resultados comprovam a facilidade de utilização da tecnologia e sua adequação para áreas remotas. A aplicação de IA nos grandes bancos de dados dos exames agrega facilidades na realização dos laudos e aumenta a acurácia do exame. Ainda na telecardiologia, a tele-ecocardiografia tem se mostrado uma estratégia promissora para racionalização do acesso à propedêutica complementar, diagnóstico precoce, priorização de encaminhamentos e organização de listas de espera nos sistemas de saúde. As evidências iniciais sobre sua utilização derivam de estudos populacionais de rastreamento, como  o  realizado  em  áreas  rurais  da  Índia,  no  qual  mais de 1.000 ecocardiogramas foram realizados em cerca de 11 horas e enviados para sistema de computação em nuvem para análise por especialistas através de Telemedicina. A estratégia se mostrou factível – inclusive com boa concordância entre os diagnósticos preliminares em campo e os laudos de especialistas (k = 0,85) – e uma alarmante taxa de 16% de alterações significativas (dentre as quais 32,9% de alterações valvares) foi observada. Evidências sugerem também que, mesmo em regiões de alta renda como o Reino Unido, o rastreamento ecocardiográfico populacional na atenção primária realizado por não especialistas se mostrou uma estratégia atraente, tendo-se observado doença valvar clinicamente significativa (moderada a grave) em 6,4% da população assintomática com idade ≥ 65 anos, com prevalência associada a fatores socioeconômicos. A estratégia pode ser especialmente útil no Brasil, onde presumivelmente existe elevada carga de doença cardiovascular não diagnosticada e limitações na oferta de exames especializados, incluindo a ecocardiografia convencional.
A estratégia de tele-ecocardiografia foi inicialmente testada no país em um programa de rastreamento de cardiopatia reumática (estudo PROVAR: Programa de Rastreamento da VAlvopatia Reumática), no qual se estabeleceu, em nível de pesquisa, uma rotina de aquisição de protocolos de imagem simplificados com aparelhos portáteis e ultraportáteis por não médicos (enfermeiros e tecnólogos), com upload para sistema dedicado de computação  em  nuvem  para  armazenamento e interpretação a distância por especialistas. Além do diagnóstico remoto, a Telemedicina foi utilizada também  para treinamento dos profissionais de saúde sobre princípios básicos da ecocardiografia, por meio de módulos interativos on-line. Após o treinamento, os profissionais de saúde com diferentes formações foram capazes de diagnosticar com acurácia a cardiopatia reumática. Neste projeto, observou- se uma elevada prevalência de cardiopatia reumática subclínica (4,2%), um dado significativo considerando-se o impacto da doença ainda hoje na saúde pública.
Posteriormente, estratégia semelhante foi levada à atenção primária: profissionais de centros de saúde de regiões de baixa renda das regiões metropolitanas de Belo Horizonte e Montes Claros (médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem) receberam treinamento on-line e presencial para aquisição de protocolo ecocardiográfico simplificado com aparelhos ultraportáteis, com suporte da equipe de campo do projeto. Foi realizado rastreamento ecocardiográfico em indivíduos assintomáticos de três faixas etárias (17-20, 35-40 e 60-65 anos), além da avaliação de pacientes em fila de espera por um ecocardiograma ou com solicitação do exame pela equipe de saúde da família. Foi observado que: a) a estratégia é factível na realidade do Brasil, com potencial de expansão para outros cenários; b) a prevalência de alterações ecocardiográficas em populações assintomáticas foi elevada, em geral superior a 20%; c) entre pacientes em fila de espera por ecocardiogramas, mais de 50% não apresentavam alterações significativas ao eco de rastreamento; d) a correlação com o ecocardiograma convencional foi satisfatória. Adicionalmente, um escore de predição tem sido desenvolvido a partir desses achados, incorporando dados clínicos e variáveis do ecocardiograma simplificado. Desta forma, a tele-ecocardiografia pode ser uma estratégia para diagnóstico precoce, mas principalmente uma ferramenta para priorização e organização de listas de espera em sistemas de saúde com disponibilidade limitada de exames e consultas especializadas. Entretanto, a incorporação do modelo em políticas de saúde no Brasil depende de amplas discussões regulatórias envolvendo autoridades, conselhos profissionais e sociedades médicas – principalmente no que tange à aquisição das imagens simplificadas por não médicos. Existem potenciais vantagens da adoção do tele- ecocardiograma (Tabela 2.1) no atendimento a comunidades remotas desfavorecidas, porém  o  método  ainda  carece de validação científica robusta com estudos prospectivos controlados que confirmem os benefícios à saúde dos pacientes e sua custo-efetividade, entre outros desafios.

2.2.6. Teleducação

Atividades educacionais a distância em cardiologia para profissionais de saúde, com cursos, palestras e objetos de aprendizagem, tanto sobre temas clínicos como em gestão  do cuidado, têm como benefício a melhoria da qualidade do atendimento. Atividades educacionais com foco no paciente devem ser estimuladas para seu empoderamento em saúde.
Em municípios de áreas remotas com baixa população, muitas vezes a APS é o único nível de atenção à saúde local, e recebe pacientes com doenças cardiovasculares agudas em suas unidades de saúde. Dessa forma, a telecardiologia na APS deve não só qualificar o atendimento de doença crônicas, mas também atuar no suporte ao atendimento de urgência  às doenças isquêmicas e arritmias.
Pelas inúmeras aplicações de ferramentas simples de Telemedicina, a cardiologia pode ser considerada uma das especialidades mais sensíveis à utilização de TIC. A tríade teleconsultoria, telediagnóstico e teleducação, aplicada de forma integrada na APS  e  associada  a  ferramentas  como  os SSD, pode representar um diferencial na qualidade do atendimento às doenças cardiovasculares, em especial a hipertensão arterial, a FA, a insuficiência cardíaca e o IAM.

Finalmente, a telerregulação pode dar apoiar à APS na resolubilidade neste nível e na melhor qualificação do acesso à atenção especializada.

Na Atenção Especializada

2.7.1. Insuficiência Cardíaca

Há extensa literatura sobre o uso de estratégias de Telemedicina no acompanhamento de pacientes com insuficiência cardíaca, com o objetivo de reduzir as hospitalizações associadas ao aumento da morbidade, mortalidade e custos, além de aumentar a adesão e participação dos pacientes. As intervenções variam desde o uso de tecnologias tradicionais, como suporte telefônico estruturado, telemonitoramento por tecnologias inovadoras, com dispositivos implantáveis ou vestíveis, SSD e aprendizado de máquina para predizer complicações. Apesar de as evidências serem variáveis, em geral são de benefícios. Entretanto, a aplicação dessas estratégias na prática clínica ainda é muito limitada por questões regulatórias, logísticas e financeiras.
O telemonitoramento pode ser invasivo ou não invasivo. Os sensores são ferramentas capazes de detectar, registrar e responder a dados específicos provenientes, por exemplo, dos dados vitais de um paciente, e estão cada vez mais incorporados em smartphones e outros dispositivos móveis. O registro por meio de sensores pode gerar grandes conjuntos de dados, que podem ser transmitidos em tempo real para profissionais de saúde. Os programas de intervenção multiprofissional geralmente têm barreiras geográficas, econômicas e burocráticas, portanto o telemonitoramento pode ser uma solução para promover o cuidado de pacientes com insuficiência cardíaca.
As evidências acerca do suporte telefônico estruturado e telemonitoramento não invasivo em pacientes com insuficiência cardíaca foram sintetizadas em revisão sistemática Cochrane, que incluiu 41 estudos. O suporte telefônico estruturado reduziu a mortalidade por todas as causas (RR 0,87, IC 95% 0,77-0,98; n = 9.222) e hospitalizações relacionadas à insuficiência cardíaca (RR 0,85, IC 95% 0,77-0,93; n = 7.030), ambos com evidências de qualidade moderada. O telemonitoramento reduziu a mortalidade por todas as causas (RR 0,80, IC 95% 0,68-0,94; n = 3.740) e hospitalizações relacionadas à insuficiência cardíaca (RR 0,71, IC 95% 0,60-0,83; n = 2.148), ambos com evidências de qualidade moderada.
Em outra metanálise que avaliou 26 estudos, totalizando 2.506 pacientes seguidos por telemonitoramento, inclusive com transmissão de sinais vitais, concluiu-se que o efeito  é tempo-dependente. O acompanhamento por um prazo mais curto, até 180 dias, demonstrou melhores resultados em desfechos duros como mortalidade, que não foram atingidos com o seguimento por um período mais longo de um ano. No entanto, não reduziu hospitalização, independentemente do período de seguimento. O aumento de visitas à emergência identificado no grupo em telemonitoramento levanta o questionamento de como uma intervenção que não reduz hospitalização impacta na redução de mortalidade. Talvez a detecção precoce de sinais de descompensação incentive a procura por atendimento mais frequente, mas pode ser prontamente tratada com diurético e vasodilatadores, sem necessidade de terapia intensiva.
O Ministério da Saúde, na publicação de um de seus Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas sobre Insuficiência Cardíaca contemplou a análise dos benefícios do telemonitoramento baseado em seguimento telefônico, após analisar diversos estudos, e mostrou que os serviços de saúde devem considerar a realização de seguimento por suporte telefônico em pacientes com insuficiência cardíaca após alta hospitalar, classe funcional da New York Heart Association (NYHA) III a IV. A análise mostrou redução de 18% na mortalidade geral no grupo sob monitoramento remoto em comparação com os cuidados usuais (RR 0,82, IC 95% 0,73-0,93). O telemonitoramento também reduziu o risco de hospitalização por insuficiência cardíaca  em 23% (RR 0,77, IC 95% 0,68-0,88). É importante ressaltar  que a recomendação deve ser direcionada para os pacientes que potencialmente obteriam maior benefício. Não há um consenso sobre a intensidade e frequências das abordagens de monitoramento, mas devem ser desenvolvidas com foco em orientações clínicas e educacionais.
A evidência em relação ao tempo de permanência hospitalar é mais frágil e controversa: de sete estudos sobre suporte telefônico estruturado e nove sobre telemonitoramento, apenas um sobre cada tipo de intervenção reportou redução significativa no tempo de permanência hospitalar. Nove de 11 estudos de suporte telefônico estruturado e 5 de 11 estudos de telemonitoramento relataram melhorias significativas na qualidade de vida. Três de nove estudos de suporte telefônico estruturado e um de seis estudos de telemonitoramento que avaliaram custos observaram redução nos mesmos, enquanto dois estudos de telemonitoramento relataram aumentos no custo, devido ao custo da intervenção e ao aumento do gerenciamento médico. Sete dos nove estudos que  avaliaram  conhecimento  sobre  insuficiência  cardíaca  e comportamentos de autocuidado observaram melhorias significativas. Apesar de ter sido observada aceitação entre 76 e 97% dos participantes, a redução da adesão à intervenção com o tempo pode ser um desafio. Na revisão, foi reportada entre 55,1%-65,8% para suporte telefônico estruturado e 75-98,5% para telemonitoramento.
As técnicas de aprendizado de máquina podem ser potencialmente valiosas no monitoramento remoto de pacientes com insuficiência cardíaca de alto risco. As características individuais desses pacientes, obtidas a partir da análise de um grande número de prontuários eletrônicos, podem permitir a identificação dos que têm maior risco  de evolução desfavorável e que poderiam se beneficiar de tratamentos médicos individualizados. O Seattle Heart Failure Model (SHFM), por exemplo, é um framework baseado em aprendizado de máquina para calcular o risco de mortalidade na insuficiência cardíaca. Ele considera vários aspectos clínicos obtidos de prontuários eletrônicos para prever o prognóstico da doença e incorpora o impacto potencial das terapias nos desfechos dos pacientes. Esse sistema de apoio à decisão se mostrou potencialmente útil na identificação de pacientes com insuficiência cardíaca com maior risco de evolução desfavorável, mas apresentou barreiras à implementação: demorado, caro, exigia familiaridade do médico com computadores e  não  levava  em conta outras variáveis clínicas, não incluídas como parte dos dados coletados. As evidências do benefício do telemonitoramento na insuficiência cardíaca foram confirmadas recentemente pela publicação do estudo Telemedical Interventional Management in Heart Failure II (TIM-HF2). Trata-se de ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado, em que 1.571 pacientes com insuficiência cardíaca na classe II ou III da NYHA ou internados no hospital por insuficiência cardíaca no período de 12 meses antes da randomização e com fração de ejeção de 45% ou menor foram aleatoriamente designados para gerenciamento remoto ou apenas para o cuidado usual, com seguimento máximo de 393 dias.
O percentual de dias perdidos devido a internações hospitalares cardiovasculares não planejadas e morte por todas as causas foi de 4,88% no grupo de controle remoto de pacientes e 6,64% no grupo de cuidados habituais (p = 0,04). Os pacientes designados para o manejo remoto perderam uma média de 17,8 dias (por ano, em comparação com 24,2 dias por ano para pacientes designados para o tratamento usual. A taxa de mortalidade por todas as causas apresentou harzard  ratio  (HR)  0,70  (IC  95%  0,50-0,  96;  p = 0,0280) favorável no grupo da teleconsultoria. Porém, a mortalidade e cardiovascular não foi significativamente diferente entre os dois grupos (HR 0,671, IC 95% 0,45-1,01; p = 0,0560).
Novos dispositivos que monitoram as pressões intracardíacas dispõem das evidências mais convincentes para o uso de telemonitoramento e estão relacionados com o uso de tecnologias mais avançadas. O CardioMEMS é um dispositivo implantado via percutânea na artéria pulmonar que  transmite os valores pressóricos centrais para  uma  plataforma.  Quando os níveis de pressão na artéria pulmonar atingem valores acima de determinado limiar, o médico recebe um alerta e um demonstrativo de tendências indicando congestão ou baixo débito. Outros dispositivos para implante no ventrículo direito já estão em uso experimental. O estudo CardioMEMS Heart Sensor Allows Monitoring of Pressure to Improve Outcomes in NYHA Class III Heart Failure Patients (CHAMPION) avaliou pacientes com insuficiência cardíaca e em classe funcional III da NYHA em 64 centros americanos. Os pacientes foram randomizados através de um sistema centralizado para um grupo de monitoramento com CardioMEMS ou um grupo controle.
No grupo de monitoramento, os médicos utilizavam dados diários de aferições de pressão de artéria pulmonar para guiar o tratamento. No seguimento médio de 15 meses, observou- se redução de 37% na taxa de hospitalizações relacionadas com insuficiência cardíaca em comparação ao grupo controle. O seguimento de longo prazo do estudo CHAMPION com conversão do grupo controle para o monitoramento das pressões pulmonares demonstrou que estes resultados se mantiveram significativos e clinicamente relevantes no decorrer do tempo.

2.7.2. Na Hipertensão Arterial Sistêmica

As estratégias de telemonitoramento também podem ser aplicadas para controle da PA, mas confundem-se com a abordagem de automonitoramento pressórico. No TASMINH 4, 1.182 pacientes foram aleatoriamente alocados (1: 1: 1) para a titulação anti-hipertensiva com médico generalista usando leituras clínicas (grupo de cuidados habituais), realizando monitoramento sozinho (grupo  de  automonitoramento) ou usando automonitoramento com telemonitoramento (grupo de telemonitoramento). Foi verificado que o uso  do automonitoramento da PA para titular a terapia anti- hipertensiva em hipertensão mal controlada na atenção primária resulta em menor PA sistólica sem aumentar a carga de trabalho da equipe clínica. Após um ano,  os  pacientes cuja medicação foi ajustada usando automonitoramento,  com ou sem telemonitoramento, tiveram pressão arterial sistólica (PAS) significativamente menor do que aqueles que receberam tratamento ajustado usando a PA no consultório. A PA no grupo de telemonitoramento para titulação de medicação tornou-se mais baixa mais rapidamente (aos seis meses) do que apenas o automonitoramento, um efeito que provavelmente reduz ainda mais os eventos cardiovasculares e pode melhorar o controle de longo prazo.
Diversos estudos também demonstram que estratégias de telemonitoramento de hipertensão arterial sistêmica (HAS) com envolvimento de farmacêutico clínico reportaram impacto benéfico de curto e médio prazo no controle da pressão. Margolis et al. avaliaram a durabilidade do efeito desta intervenção após 54 meses de seguimento em estudo randomizado em clusters de 16 clínicas de cuidados primários, envolvendo 450 pacientes (228 em telemonitoramento e 222 em cuidados habituais). A intervenção intensiva baseada em telemonitoramento pode manter os efeitos por até 24 meses (12 meses após o término da intervenção), perdendo eficácia no longo prazo.
Um estudo de coorte observacional prospectivo monitorou o controle da PA antes e após uma intervenção educacional e introdução à monitoração residencial da PA (MRPA). No grupo de intervenção, 484 pacientes foram instruídos a rastrear sua PA usando um dispositivo de smartphone de três a sete vezes por semana. As taxas médias de controle da PA melhoraram para os pacientes que receberam MRPA  de 42% para 67%  em comparação com os pacientes controle pareados, que melhoraram de 59% para 67% (p < 0,01).
O estudo INTERACT foi um ensaio clínico randomizado em que 303 pacientes usando medicação hipotensora e/ ou hipolipemiante oral eram alocados para receber ou não mensagens via SMS. O grupo que recebeu mensagem de texto melhorou o uso de medicação prescrita aos seis meses em comparação com o grupo que não recebeu as mensagens. Houve melhoria geral na adesão à medicação de 16%.
Uma revisão sistemática na base de dados Cochrane buscou estabelecer a efetividade das intervenções realizadas por telefonia celular para melhorar a adesão aos medicamentos prescritos para a prevenção primária de doença cardiovascular em adultos. Os participantes foram recrutados de clínicas de atenção primária ou ambulatórios de base comunitária em países de renda alta (Canadá, Espanha) e países de renda média-alta (África do Sul, China), porém as intervenções recebidas variaram  amplamente. Um ensaio avaliou uma intervenção focada na adesão à medicação da PA, fornecida exclusivamente por meio de  SMS, e  uma  intervenção  envolveu a  monitoração da PA combinada com feedback fornecido via smartphone. Os autores julgaram o conjunto de evidências para o efeito de intervenções baseadas no telefone celular em desfechos objetivos (PA e colesterol) de baixa qualidade. Dos dois estudos que avaliaram a adesão à medicação juntamente com outras modificações no estilo de vida, um relatou um pequeno efeito benéfico na redução do colesterol de lipoproteína de baixa densidade e o outro não encontrou benefícios. Outro estudo (1.372 participantes) sobre intervenção baseada em mensagens de texto visando à adesão mostrou uma pequena redução na PAS para o grupo de intervenção que entregou mensagens de texto apenas informativas, mas evidência incerta de benefício para o segundo braço de intervenção que forneceu interatividade adicional. Um estudo examinou o  efeito  da  monitorização da PAS combinada com mensagens do smartphone e relatou benefícios moderados de intervenção na PAS e pressão arterial diastólica (PAD). Houve evidências conflitantes de ensaios que visam adesão à medicação com conselhos de estilo de vida por intervenções multicomponentes. Outro estudo, ainda, encontrou grandes benefícios sobre níveis pressóricos, enquanto outro estudo não demonstrou tal efeito. Os autores da Cochrane concluíram que há evidências de baixa qualidade relativas aos efeitos das intervenções realizadas por telefone celular para aumentar a adesão aos medicamentos prescritos para a prevenção primária. Com base nesta revisão, conclui-se que há atualmente incerteza em torno da eficácia dessas intervenções.

2.7.3. Serviços de Emergência

O Brasil tem um sistema de saúde geograficamente distribuído, onde as UBS, as unidades de pronto atendimento (UPA), os hospitais secundários e as ambulâncias estão espalhados por todo o país, muitas vezes em pontos remotos. Os centros especializados estão em unidades de atendimento avançadas, como hospitais terciários, localizados nas grandes cidades. Nesse contexto, ferramentas de Telemedicina podem melhorar o tratamento das emergências.
A Telemedicina tem diferentes  aplicações  nos  serviços  de urgência, que envolvem desde a transmissão do eletrocardiograma, associada ou não a teleconsultorias síncronas, para auxiliar no diagnóstico precoce e manejo dos casos de síndrome coronariana aguda (SCA), SSD clínica para auxílio no diagnóstico, manejo e predição de complicações cardíacas em pacientes com SCA, transmissão de imagem de ultrassonografia à beira do leito realizada no pré-hospitalar, e transmissão de imagem e suporte no diagnóstico e manejo de pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) agudo. O uso de SSD poderia aumentar a adesão às recomendações de diretrizes do manejo de pacientes com SCA, mas ainda faltam evidências acerca de seu impacto em desfechos clínicos nesse contexto.

2.7.4. Na Linha de Cuidado do Infarto Agudo do Miocárdio

As linhas de cuidado do infarto visam integrar, de forma organizada, serviço pré-hospitalar, hospitais e serviços de hemodinâmica que fazem parte do cuidado dos pacientes com IAM em determinada região, a fim de otimizar o manejo dos pacientes com suspeita clínica. Elas se propõem a delinear um fluxo de atendimento ao paciente, envolvendo o diagnóstico precoce, atendimento pré-hospitalar, tratamento inicial, uso de trombolíticos, encaminhamento para hospital especializado e acompanhamento pós-evento. Almejam um cuidado de alta qualidade, efetivo e seguro ao paciente com IAM otimizando recursos e reduzindo disparidades no acesso ao cuidado.
Serviços de Telemedicina podem desempenhar um papel crucial nas  linhas  de  cuidado  do  IAM,  pois  facilitam a  comunicação  do  médico  em  unidade  de  emergência ou hospital de baixa complexidade e atendimento pré- hospitalar com cardiologistas de um hub ou de hospital com centro de hemodinâmica que irá receber o paciente. Os cardiologistas podem auxiliar: (i) na análise e interpretação do eletrocardiograma,  para  obter  um  diagnóstico  preciso  e precoce de IAM com supradesnivelamento do segmento ST; (ii) na orientação da melhor conduta, incluindo indicação ou não de trombolítico e demais medicamentos, através de teleconsultorias síncronas, isto é, comunicação em tempo real entre o profissional que atende o paciente in locu e o especialista a distância, (iii) no acompanhamento do quadro clínico do paciente por meio do telemonitoramento, com transmissão síncrona de dados.
Dessa forma, a inserção de ferramentas de Telemedicina nas linhas de cuidado do IAM é uma tendência mundial. Uma metanálise recente que incluiu estudos na Europa (11), América do Norte (8), América do Sul (5), Ásia (9) e Austrália (2), com um total de 16.960 pacientes, observou evidências consistentes de moderada qualidade que estratégias de Telemedicina associadas ao cuidado usual nesse contexto reduzem em 37% a mortalidade hospitalar (RR 0,63, IC 95% 0,55-0,72), com número necessário para tratar (NNT) de 29 (IC 95% 23-40) quando comparadas ao cuidado usual, sem Telemedicina. Além disso, houve evidências de baixa qualidade que essa intervenção pode reduzir o tempo porta- balão (diferença média 28 (IC 95% -35, -20) minutos, e a mortalidade em 30 dias (RR 0,62, IC 95% 0,43-0,85) e no longo prazo (RR 0,61 IC 95% 0,40-0,92).
No Brasil, foram publicadas iniciativas em Belo Horizonte, Campinas, Salvador, São Paulo e na Região Norte de Minas Gerais, que engloba 89 municípios.137,139-143 Observou-se redução do tempo de atraso do sistema e aumento de taxas de reperfusão nos casos de IAM com supradesnivelamento do segmento ST, com evidências de redução da mortalidade hospitalar.
Um sistema de Telemedicina típico consiste em um centro especializado (hub) e várias unidades remotas de atendimento distribuídas em uma região geográfica (spoke centers) conectados bidirecionalmente com a ajuda de um canal de comunicação. O centro especializado pode  ser um hospital de referência em cardiologia, uma central de regulação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) ou uma central de Telemedicina. Algumas linhas de cuidado do IAM são compostas de mais de um centro especializado, cada um com determinadas unidades remotas, com abrangência regional. A Diretriz de Telecardiologia no Cuidado de Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda e Outras Doenças Cardíacas de 2015 detalha modelos de atendimento usando ferramentas de Telemedicina para o cuidado de pacientes com SCA.

2.7.5. No Controle do Uso de Anticoagulante

A estratégia de autogerenciamento foi associada com  um risco significativamente menor de acidente vascular cerebral isquêmico e mortalidade por todas as causas em comparação com o tratamento com os anticoagulantes orais diretos, enquanto não foram observadas diferenças significativas para grandes hemorragias e mortalidade. No entanto, a diminuição da vigilância apresenta um problema potencial na detecção de pacientes que não são capazes de cuidar de seu próprio tratamento. É necessário um programa estruturado de educação para pacientes e/ou seus cuidadores, além dos profissionais de saúde relacionados e de controle  de qualidade.

2.7.6. Reabilitação Cardíaca

As diretrizes recomendam reabilitação cardíaca para pacientes após IAM, intervenção coronária percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica. Entretanto, ainda é subutilizada, com apenas 14% a 31% dos pacientes elegíveis participantes. A dificuldade do paciente em participar das sessões e o custo são importantes barreiras. As intervenções de telessaúde que usam TIC para possibilitar programas remotos de reabilitação podem superar as barreiras comuns de acesso, preservando a supervisão clínica e a prescrição individualizada de exercícios.
Em revisão sistemática que incluiu 11 estudos, o tipo de intervenção foi variável, incluindo uso de aplicativos de celular ou em computador, biossensores e intervenções por meio de telefone fixo. A intervenção envolvia  prescrição e/ou monitoramento do desempenho e adesão. Todas as intervenções incluíram feedback, educação, apoio psicossocial e/ou mudança de comportamento via telefone fixo, mensagens de celular, e-mail, site, tutorial on-line ou chat on-line.
O nível de atividade física foi maior no grupo intervenção em relação ao cuidado usual. Em comparação à reabilitação presencial, a intervenção com ferramentas de telessaúde foi mais eficaz para melhorar o nível de atividade física, a aderência ao exercício, a PAD e o colesterol LDL, com evidências de baixa a moderada qualidade. A reabilitação com telessaúde foi semelhante à presencial na capacidade máxima de exercício aeróbico e outros fatores de risco cardiovascular modificáveis.
O estudo Telehab III foi um ensaio clínico multicêntrico, prospectivo, randomizado, controlado com pacientes em reabilitação cardíaca. Foram 140 pacientes randomicamente alocados para um grupo de reabilitação convencional ou para um grupo com telerreabilitação via internet de 24 semanas associado a reabilitação convencional. O programa adicional de telerreabilitação mostrou melhora na aptidão física e na qualidade de vida e pôde induzir benefícios  persistentes  para a saúde.
Em um ensaio clínico realizado na China, 98 pacientes com insuficiência cardíaca classe funcional da NYHA I-III foram randomizados para um programa de treinamento de exercícios via teleconsulta por um período de oito semanas em casa ou em acompanhamento ambulatorial habitual. Observaram-se melhorias estatisticamente significativas no grupo experimental em relação à qualidade de vida e teste dos 6 minutos em comparação ao grupo controle. Os resultados corroboram que o treinamento físico via teleconsultoria  é um método alternativo eficaz para a reabilitação cardíaca.
O estudo randomizado controlado de não inferioridade REMOTE-CR que testou em 162 pacientes com insuficiência cardíaca os efeitos e custos da reabilitação cardíaca por teleconsultoria em tempo real demonstrou que é uma alternativa custo-efetiva e que pode aumentar o alcance da reabilitação.
Reabilitação cardíaca domiciliar pode ser uma alternativa para aumentar o engajamento de pacientes nesse programa por oferecer maior flexibilidade e opções para atividades, sendo então uma possível escolha de acordo com os valores e as preferências do paciente, além de poder ser implementada na sua rotina diária. A associação da telerreabilitação cardíaca com a reabilitação convencional foi mais eficaz e eficiente quando comparada com o programa de reabilitação convencional sozinho, promovendo redução na taxa de reinternação hospitalar por causa cardiovascular e pelo ganho de qualidade de vida durante o tempo do estudo.

2.7.7. Monitoração Remota por Dispositivos Implantáveis

O telemonitoramento de marca-passos não demonstrou melhora significativa em qualidade de vida e número de eventos cardiovasculares, mas os eventos foram detectados e tratados  mais  precocemente,  reduzindo as hospitalizações e visitas hospitalares (de rotina e de emergência). Além disso, proporcionaram custo mais baixo que o acompanhamento hospitalar.
Outra forma de monitoramento implantável se faz pelo uso de cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) ou ressicronizadores. Alguns desses dispositivos podem possuir softwares de monitoramento multiparâmetros, como impedância torácica e medidas das pressões de enchimento de câmeras direitas captadas pelo eletrodo posicionado no ventrículo direito. Estudo pioneiro publicado em 2008 sugeriu benefício clínico em paciente com insuficiência cardíaca em classe funcional III da NYHA.158 Posteriormente, o estudo IN- TIME testou estratégia semelhante usando dispositivos (CDI e ressincronizadores) com capacidade de monitoramento multi-parâmetros. Neste estudo, os parâmetros estudados foram eventos como taquiarritmia ventricular e atrial, baixa percentagem de estimulação biventricular, aumento na frequência de extrassístoles ventriculares, diminuição da atividade do paciente, e eletrograma intracardíaco anormal. Alterações nestes parâmetros disparavam contato telefônico estruturado. O grupo alocado para telemonitoramento teve redução significativa de desfecho clínico combinado e de mortalidade total. Outros estudos semelhantes também demonstraram redução de desfechos clínicos combinados, muitas vezes relacionados com diminuição  de  necessidade de visitas presenciais. Os resultados de estudo de coorte de população não selecionada também indicam benefícios do monitoramento remoto com informações dos CDI/terapia de ressincronização cardíaca (TRC) sobre mortalidade. Uma metanálise com 11 estudos randomizados e que avaliou 5.703 pacientes, entretanto, não demonstrou resultados consistentes sobre desfechos clínicos. Nesta metanálise, o telemonitoramento por dispositivos foi associado com uma redução no número total de visitas planejadas, não planejadas, e na sala de emergência (RR 0,56; IC 95% 0,43-0,73, p < 0,001); porém as taxas de hospitalizações de origem cardíaca (RR 0,96; IC 95% 0,82-1,12, p = 0,60) e os desfechos compostos de visitas à emergência, visitas hospitalares não planejadas, ou hospitalizações (RR 0,99; IC95% 0,68-1,43, p = 0,96) foram semelhantes entre os grupos. As mortalidades total e cardíaca também foram semelhantes entre os grupos.

2.7.8. Fibrilação Atrial

Pacientes com FA constituem um grupo especial, considerando – entre outras coisas – que a FA foi responsável por aproximadamente  60% dos  alertas em marca-passos e ressincronizadores/desfibriladores (CRT-D) e quase 10% dos  alertas em CDIs num banco de dados mundial. A monitorização remota tem excelente sensibilidade (95%) na detecção de FA, uma característica que se torna mais importante pelo fato de que 90% dos episódios detectados foram assintomáticos. Os benefícios potenciais da monitorização remota incluem detecção e reação precoce (por exemplo, terapia  medicamentosa, reprogramação de dispositivo ou cardioversão elétrica) para prevenir a remodelação atrial e eventos adversos graves relacionados à FA. O IMPACT Trial mostrou que a detecção de FA assintomática via monitoração remota diminuiu consideravelmente o tempo para se iniciar a anticoagulação (3 dias versus 54 dias), mas as taxas de acidente vascular cerebral, embolia sistêmica e sangramento não foram significativamente reduzidas.
Na fase pré-clínica da arritmia, a triagem com Telemedicina pode detectar casos assintomáticos de FA. Em um estudo- piloto, a transmissão transtelefônica diária do eletrocardiograma (ECG) facilitou o diagnóstico da FA paroxística assintomática. Em grandes coortes de pacientes, o serviço de telecardiologia melhorou o manuseio dos pacientes com FA e detectou novos casos da arritmia.
O suporte de Telemedicina pode melhorar o diagnóstico da FA silenciosa. Bilgi et al. demonstraram que a avaliação em casa do ECG com suporte da telecardiologia, aumentou a sensibilidade do diagnóstico de FA em idosos e foi útil na identificação domiciliar de indivíduos com FA e sintomas atípicos. O ECG era registrado e transmitido por  celular para uma central de telecardiologia 24/7 e avaliado por um cardiologista. O suporte de telecardiologia aumentou a taxa de diagnóstico da FA em domicílio em duas vezes (40 anos), para quatro vezes (60 anos) e sete vezes (70 anos).
O SEARCH-AF mostrou que a utilização de uma derivação de ECG (DI) pelo ECG do iPhone (iECG, AliveCor KardiaMobile) diagnostica com acurácia a FA, tornando essa tecnologia viável para a triagem de FA subclínica na atenção primária e na comunidade. O REHEARSE-AF foi um estudo randomizado para rastreio de FA que envolveu 1.001 participantes com idade ≥ 65 anos e CHA2DS2-VASc ≥ 2. Os participantes foram randomizados para screening com AliveCor KardiaMobile (iECG) duas vezes por semana durante 12 meses (e ECG adicional no caso de sintomas) ou rotina habitual. A utilização do iECG aumentou o diagnóstico de FA em quase quatro vezes (hazard ratio 3,9; p = 0,007).
Smartphones, aplicativos (“apps”) e a tecnologia de armazenamento em nuvem tem potencial para modificar profundamente a prática da Medicina e a forma como as decisões são tomadas. Nas plataformas dos smartphones, os aplicativos médicos ou de saúde podem analisar uma série  de sinais vitais por meio de sensores embutidos, dispositivos interligados ou periféricos. O envio das imagens  de  ECG por mensagem multimídia pode ser um procedimento de telecardiologia prático e de baixo custo. Essas novas tecnologias podem aumentar a capacidade  de  detecção das arritmias, mas o real valor desses novos métodos ainda precisa avaliado em estudos rigorosamente conduzidos.

2.7.9. Canolopatias

Síndromes elétricas herdadas são indicações menos frequentes para implante de CDI; no entanto, o seu gerenciamento pode ser desafiador porque estes dispositivos são frequentemente implantados em pacientes mais jovens e menos propensos a participar de acompanhamento. Anormalidades elétricas podem ocorrer nessas doenças, que predispõem os pacientes a  choques desnecessários e exigem uma programação cuidadosa. A população pediátrica, que frequentemente tem eletrodos epicárdicos implantados, é mais vulnerável. O telemonitoramento pode, portanto, ter utilidade particular em tais pacientes para vigilância, detecção precoce e programação preventiva. No registro multicêntrico de Brugada, o número de visitas externas foi significativamente menor no grupo de telemonitoramento do que no grupo controle (p < 0,001), e houve uma tendência sugerindo que o número de choques inapropriados também foi reduzido.

2.7.10. Taquicardia e Fibrilação Ventricular

O monitoramento remoto do paciente pode ser valioso para a pronta  avaliação da adequação da detecção e a eficácia da terapia administrada. Se o choque for apropriado e o estado clínico for estável, o médico pode tranquilizar o paciente sem necessidade de visita hospitalar. Em estudo-piloto multicêntrico, 81% dos episódios de taquiarritmia ventricular foram analisados remotamente e em 85% dos casos nenhuma outra ação foi necessária. O estudo TRUST demonstrou que o monitoramento remoto permite detecção precoce de taquiarritmias  ventriculares  em comparação com o seguimento padrão  (1  dia  vs. 36 dias para fibrilação ventricular e 1 dia versus 28 dias para taquicardia ventricular, p < 0,001). Outros benefícios potenciais do monitoramento remoto são a prevenção de choques inadequados e também de choques apropriados, porém desnecessários. Detecção inadequada devido a taquiarritmias supraventriculares (ou por oversensing da onda T) pode levar a notificação do paciente para reprogramação intra-hospitalar ou outras intervenções. O fornecimento adequado de choque do CDI para taquicardias ventriculares estáveis e lentas pode levar à reprogramação do dispositivo com um uso mais amplo de terapias antitaquicardia indolores. A taquicardia ventricular rápida autolimitada recorrente e assintomática, que entra na janela de fibrilação ventricular (que dispara alertas com alguns sistemas, independentemente da terapia administrada), pode ser detectada precocemente e uma intervenção apropriada é programada para evitar tempestades  elétricas.  Além  disso, o tratamento oportuno dessas taquicardias pode prevenir a depleção precoce da bateria causada pelas cargas recorrentes e administração de choques.

2.7.11. Cardiopatia Congênita

O diagnóstico precoce das cardiopatias congênitas pode ser feito pela tele-ecocardiografia, de modo a guiar a conduta terapêutica.182 Um estudo norte-americano multicêntrico com 338 bebês pareados (com e sem acesso à telemedicina) com nenhuma ou doença cardíaca menor mostrou uma redução estatisticamente significativa na porcentagem de bebês transferidos para um hospital terciário  (10%  versus  5%)  e no tempo total e de permanência na UTI. A telemedicina aumenta a capacidade dos cardiologistas pediátricos prestar cuidados de alta qualidade a um maior número de pacientes, porém faltam estudos de alta qualidade para avaliar o impacto dessa intervenção.

2.8 Teletomografia e Telerressonância Cardiovascular

Apesar da aparente semelhança entre a teleimagem e o serviço diagnóstico local, há divergências que atingem um quinto dos casos. Focando especificamente nas divergências com impacto clínico, atinge-se 1 a 3% dos casos. Podemos levantar hipóteses de que as razões para essa divergência podem ser imagens com qualidade inadequada, indisponibilidade de dados clínicos do paciente, como história, exame físico e antecedentes, falta de acesso a exames laboratoriais realizados, falta de acesso a outros exames de imagem realizados, fadiga e simples variação interobservador.
Pode ser difícil distinguir entre o fluxo de trabalho no diagnóstico de imagem no hospital local e o telediagnóstico. As imagens geradas são armazenadas no sistema de imagem (Picture Archiving and Communication System ou PACS, por exemplo). São então analisadas pelo departamento de radiologia (além de outras áreas que lidam com imagens, como cardiologia e obstetrícia). Na teleimagem, a  imagem é transmitida para um centro externo e então analisada como seria localmente. São necessários estudos que comparem o desempenho da teleimagem com o diagnóstico de imagem local. Pode até se supor que apresentem o mesmo desempenho, mas a evidência é fundamental para se confirmarem nossas suposições e pode determinar não apenas se a teleimagem pode ser realizada, como também as condições ótimas para que se realize com segurança, trazendo redução de custos, sem prejuízo ao paciente.

2.8.1. Padrão DICOM

Em 1993, foi apresentado um novo grupo de serviços, que já vinha sendo desenvolvido nos anos anteriores, o padrão Digital Imaging and Communications in Medicine (DICOM). O objetivo foi padronizar os dados e informações obtidas por métodos de imagem, normatizando as regras com que   as informações médicas são transmitidas e armazenadas. Esse grupo de serviços tem como característica a utilização de um formato digital que associa imagens às informações, do tipo metadados, com capacidade de otimizar a busca, troca de informação e utilização das imagens por softwares específicos. Além disso, as especificações DICOM são atualizadas de tempos em tempos, sem que a funcionalidade já estabelecida seja abandonada.

2.8.2. RMC, TCC e Telemedicina

Existem complexidades adicionais relacionadas aos exames de ressonância magnética contrastada (RMC) e tomografia computadorizada (TCC). Essas características fazem com que alguns cuidados sejam necessários nos serviços que contam com esses exames. Desde a marcação do exame, onde há a necessidade de definir a sua indicação precisa – ex.: estresse farmacológico (dipiridamol, adenosina, dobutamina), avaliação de isquemia miocárdica, viabilidade, valvopatias, cardiomiopatias específicas, entre outros –, passando pela  necessidade  de  médicos no  local do  exame devido ao  uso  frequente de  contraste e medicações, técnicos de enfermagem capazes de obter acesso venoso adequado, biomédicos e tecnólogos com treinamento e experiência específica na aquisição e pós- processamento das imagens de RMC e TCC, utilizando softwares dedicados a tais análises.
A análise dos exames deve ser feita por médicos especialistas experientes, com formação específica nessa área de atuação do diagnóstico por imagem. Essa formação demora em geral dois anos e não tem uma oferta ampla em todo o território nacional. Isso limita o número de especialistas com treinamento adequado para o exercício apropriado de RMC e TCC.
A complexidade para a realização dos exames de RMC e TCC com orientação e interpretação a distância, junto à necessidade de especialistas para a análise dos mesmos e a possibilidade de o exame ocorrer a qualquer momento, de acordo com a indicação clínica, faz com que a Telemedicina seja cada vez mais importante nessa atividade.

2.8.3. Conselho Federal de Medicina e Tele-TCC e Tele-RMC

Em 2014 o CFM atualizou as normas para o exercício da tele-TCC/tele-RMC no Brasil. Essas valem para a prática de transmissão de imagens de pacientes entre diferentes locais para a produção de um relatório médico, uma segunda opinião de especialista ou uma revisão clínico-imagenológica. As relacionadas ao tópico deste texto estão listadas abaixo:
• Dados clínicos – A transmissão dos exames por tele-TCC/ tele-RMC deverá ser acompanhada dos dados clínicos necessários do paciente, colhidos pelo médico solicitante, para a elaboração do relatório.
• Autorização do paciente – O paciente deverá autorizar a transmissão das suas imagens e dados por meio de consentimento informado, livre e esclarecido.
• Especialista local e a distância – A responsabilidade  pela transmissão de exames e relatórios a distância será assumida obrigatoriamente por médico especialista na área de RMC e TCC.
• Limites para a prática a distância – Em  caso  de  exame de imagem não contrastada (por exemplo, escore de cálcio – EC), e quando não existir médico especialista no estabelecimento de saúde, o médico responsável pelo paciente poderá solicitar ao especialista o devido suporte diagnóstico a distância.
• Especialista exigido – Deve haver obrigatoriamente um médico especialista local nos serviços onde são realizados exames de imagem contrastada, e também onde são realizados exames de RMC e TCC.
• Responsabilidade partilhada – A responsabilidade profissional do atendimento cabe ao médico especialista assistente do paciente que realizou o exame. O médico especialista que emitiu o relatório a distância é solidário nesta responsabilidade.
• Sede em território brasileiro – As pessoas jurídicas que prestarem serviços em Tele-TCC/Tele-RMC deverão ter sede em território brasileiro e estar inscritas no CRM de sua jurisdição. No caso de o prestador ser pessoa física, ele deverá ser médico com competência em RMC e TCC.
• Normas operacionais – Foge ao escopo deste texto, mas informações específicas podem ser encontradas em outro documento com as normas operacionais e requisitos mínimos para a transmissão e manuseio dos exames e laudos de diagnóstico por imagem a distância.
• Compressão e transmissão das imagens – Os protocolos  de comunicação, formato dos arquivos e algoritmos de compressão deverão estar de acordo com o padrão atual DICOM e HL7. A avaliação da taxa de compressão é de responsabilidade do médico especialista.
• Visualização e processamento das imagens – É de responsabilidade do médico especialista garantir as características técnicas das estações remotas de trabalho, monitores e condições ergonômicas que não comprometam o diagnóstico.
• Segurança e privacidade – Os sistemas informatizados utilizados para transmissão e manuseio dos dados clínicos, dos laudos de diagnóstico por imagem, bem como para compartilhamento de imagens e informações, devem obedecer às normativas do CFM. Especificamente para tele- TCC/tele-RMC, os sistemas devem atender aos requisitos obrigatórios do “Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2)”, estabelecida no Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico em Saúde vigente, editado pelo CFM e pela Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS).

2.8.4. Transmissão dos Exames

A transmissão do exame deve respeitar as normas do CFM no que diz respeito a qualidade e segurança, porém, nos exames de RMC e TCC, como geralmente o tamanho das imagens é maior, se faz necessária infraestrutura com banda de dados adequada capaz de fazer essa transmissão. É importante ressaltar que o médico especialista responsável pelo laudo vai precisar fazer o download dessas imagens. Dessa forma, a escolha das sequências importantes após a aquisição das imagens e o método de compressão são fundamentais para o bom funcionamento desse fluxo.

2.8.5. Softwares e Workstations para Pós-Processamento

Desde as imagens do ECG, até o bloco tridimensional das imagens de angiotomografia coronariana (ATC) passando para a grande variedade de sequências da RMC, diversos parâmetros das imagens devem ser avaliados. Muitos desses vão precisar de softwares específicos para serem obtidos.
Avaliação do EC – A  medida  do  EC é feita através de softwares que acompanham as estações de trabalho, geralmente compradas em conjunto  com os tomógrafos, ou feita por outros programas ou “plugins” independentes. Geralmente é informado no laudo o valor obtido da calcificação por cada artéria, o valor total do EC e o percentil para o sexo e idade de cada paciente, baseado em vários estudos populacionais,  sendo  um  dos  mais  utilizados e recomendados o estudo MESA (MultiEthnic Study of Atherosclerosis). Outros dados como a idade arterial e a variação do risco global cardiovascular do paciente, tendo como base o ECG também podem ser descritos.
Avaliação da ATC – Após a fase de aquisição adequada visando à melhor resolução temporal e espacial das coronárias, e a edição do ECG feita geralmente no próprio tomógrafo, outras aplicações auxiliam o diagnóstico.
Softwares com capacidade de estender as artérias coronárias em um único plano (Curved Planar Reconstruction ou CPR), visualizar imagens em três dimensões renderizada (utilizando técnica de 3D-Volume-Rendering), visualizar imagens 2D com imagens em múltiplos planos oblíquos (Multiplanar Reconstruction ou MPR) e a caracterização das placas coronárias, assim como a medida objetiva das estenoses, podem ajudar muito na interpretação dos achados até a demonstração de forma mais clara para o médico solicitante.
Avaliação da RMC – A RMC é um dos métodos de imagem mais versáteis disponíveis. Tem uma grande capacidade de produzir imagens em praticamente qualquer plano anatômico e fornece um amplo leque de sequências de pulso que geram imagens com características específicas e permitem desde a avaliação e função ventricular até a caracterização tecidual do miocárdio.190 Dessa forma, existe uma grande quantidade de aplicações disponíveis por softwares, e apenas como exemplos limitados podemos citar:
• avaliação dos volumes, massa ventricular e da função cardíaca direita e esquerda;
• análise dos fluxos intracardíacos para medida do QP-QS, shunts e disfunção orovalvares;
• pós-processamento de angioressonância com medida dos diâmetros vasculares;
• caracterização tecidual visando quantificar a perfusão, a massa com necrose/fibrose, o depósito de ferro por avaliação do T2*, assim como os mapas paramétricos dos valores de T1, T2 e T2*.
A utilização de programas de software junto aos exames de RMC e TCC é fortemente recomendada e pode melhorar o tempo necessário para se avaliar um exame, tornar essa avaliação mais precisa e demonstrar esses achados no laudo de forma mais clara.

2.8.6. Banco de Dados, Comunicação e Arquivamento de Imagens

A integração entre o RIS (Radiology Information System) e o PACS possibilita um registro único dos pacientes otimizando as informações ao se combinarem imagens com dados clínicos. Isso torna o processo mais ágil e seguro. É um formato cada vez mais utilizado nos serviços de saúde, geralmente oferece acesso remoto, facilitando a tele-TCC/tele-RMC, e melhora os processos administrativos e a comunicação.
Existem várias soluções no mercado, inclusive com base  na nuvem utilizando a plataforma na web. Esse acesso remoto a imagens e a capacidade de distribuir a informação do laudo em um sistema universal padrão ajudam muito no fluxo de trabalho.
O laudo nada mais é do que uma forma de comunicação, que tem como principal objetivo transmitir a avaliação das imagens analisadas por em especialista a outro médico que precisa dessa informação para o processo decisório. Quanto mais completa e mais clara a informação transmitida, mais importante se torna o exame solicitado. Existe uma tendência ao desenvolvimento de laudos estruturados que unem a informação escrita a tabelas, figuras e fotos, todos em conjunto para que a informação fique a mais clara e precisa possível.
Assim como descrito anteriormente, o laudo pode ser disponibilizado por meio de sistemas  avançados  como  o  RIS, porém outras formas de transmissão dessa informação, incluindo aplicativos de mensagem instantânea como o Whatsapp, também podem ser utilizadas. De acordo com o CFM,191 o WhatsApp e plataformas similares podem ser usados para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos em caráter privativo para enviar dados ou tirar dúvidas com colegas, ou em grupos fechados de especialistas ou do corpo clínico de uma instituição ou cátedra, com a ressalva de que todas as informações passadas têm absoluto caráter confidencial e não podem extrapolar os limites do próprio grupo, tampouco circular em grupos recreativos, mesmo que compostos apenas por médicos.

2.8.7. Indicações Clínicas da RMC e TCC

Interessantemente, não existe na literatura nenhum trabalho do impacto clínico da aplicação da tele-RMC ou tele-TCC. Desta forma, as indicações clínicas presentes nesta diretriz recebem todas as indicações com nível de evidência  C, como opinião de especialistas em consenso, sem trabalhos que avaliem desfechos ou custo-efetividade. Conhecendo essa limitação, citamos no final desse documento as principais indicações do uso da tele-TCC/tele-RMC nesta subárea da imagem cardiovascular.
Os exames de RMC e TCC são cada vez mais frequentes e possuem características que tornam sua utilização pela Telemedicina muito interessante, em particular em países continentais como o Brasil e com limitado número de especialistas em RMC e TCC disponíveis. A possibilidade de um especialista estar acessível potencialmente a qualquer momento pode ajudar no manejo dos pacientes e diminuir custos na saúde, seja pela otimização do tempo dos especialistas disponíveis, seja na agilidade dos laudos para pacientes internados que podem abreviar sua permanência nos hospitais, além de outros exemplos relacionados a essa evolução dentro da Medicina.

3. Telerrobótica Aplicada à Cardiologia

3.1 Telecirurgia Robótica

O conceito de telecirurgia surgiu no início dos anos 70, iniciado pela NASA. O objetivo do projeto original era fornecer assistência médica aos astronautas durante sua missão remota.
Dispositivos de telecirurgia robótica são aplicações em  que o cirurgião controla remotamente um robô executando a operação. O sistema da Vinci® (da Vinci® surgical system; Intuitive Surgical, Sunnyvale, CA, USA), a plataforma robótica de maior uso atualmente, segue essa abordagem. O cirurgião trabalha em um console separado do campo operatório e seus movimentos da mão são percebidos e transmitidos para os instrumentos ao lado do paciente. Há um grande benefício ergonômico para o cirurgião além da incorporação de funções como o cancelamento do tremor das mãos ou ampliação à visão do campo (em três dimensões) em que o cirurgião está interessado. No entanto, essas plataformas não incorporam muita automação e requerem o envolvimento contínuo do operador humano (cirurgião) por questões regulatórias.
O primeiro robô cirúrgico para procedimentos cardíacos criado foi o sistema ARTEMIS. Projetado como um sistema de tele cirurgia e tele presença para procedimentos cardíacos, foi usado para treinamento, planejamento e execução de procedimentos minimamente invasivos.
Atualmente a cirurgia cardíaca robótica tem sido usada principalmente para reparo da válvula mitral e revascularização do miocárdio, autorizados pelo Food and Drug Administration (FDA) em 2002 e 2000, respectivamente. Técnicas mais recentes auxiliam nos procedimentos de manipulação do coração por meio da compensação  de  seus  movimentos. No entanto, a implementação dessa técnica em larga escala encontra barreiras devido ao seu alto custo e ausência de estudos randomizados que demonstrem superioridade sobre as técnicas minimamente invasivas tradicionais, com ou sem procedimentos híbridos.
A primeira cirurgia cardíaca robótica de válvula mitral foi realizada em 1998 por Carpentier, na  França, e por Mohr na Alemanha. Nesse mesmo ano, Carpentier realizou a primeira cirurgia de revascularização do miocárdio, em Paris, e Reichenspurner realizou a cirurgia de revascularização com o ZEUS Robotic Surgical System (Computer Motion, Goleta, CA), controlado por voz, em Munique. Desde então, essa técnica vem sendo popularizada por proporcionar menor agressão cirúrgica, menor tempo de circulação extracorpórea e clampeamento da aorta, e menor tempo de internação quando comparada com a técnica aberta convencional.
A incorporação do sistema robótico DaVinci® permitiu melhor visualização do campo cirúrgico pela captura tridimensional e magnificação de dez vezes, resultando em maior precisão do procedimento cirúrgico com menores incisões, após estabelecimento de curva de aprendizado. Adicionalmente, houve redução das taxas de todas as complicações, notadamente de infecção, transfusão de sangue, e retorno às atividades laborativas, com impacto nos custos totais do procedimento. Esse fato foi observado especialmente entre pacientes de alto risco, como idosos, aqueles que apresentam fração de ejeção menor que 20%, portadores de diabetes de difícil controle e doença pulmonar obstrutiva crônica grave. Outro benefício foi nas cirurgias híbridas, angioplastia e minimamente invasivas em pacientes com doença arterial coronariana obstrutiva multilateral.
A Cirurgia Integrada por Computador e a Telemedicina estão se tornando  populares no mundo desenvolvido. O avanço da tecnologia robótica  associado ao progresso da tecnologia da informação, como a Internet das Coisas, permite que os braços robóticos sejam controlados a distância, viabilizando a telecirurgia robótica. A telecirurgia, portanto, permite aos cirurgiões realizar operações em lugares remotos, longe de seus pacientes, melhorando o acesso e, potencialmente, a qualidade do tratamento médico.
Como em outras ferramentas da Telemedicina, a telecirurgia pode ampliar o acesso a intervenções em áreas remotas ou centros onde os especialistas em determinada cirurgia não estão presentes, por exemplo. A importância da Telemedicina, telecirurgia e cirurgia a distância não se restringe à capacidade de realizar procedimentos médicos em áreas onde estes não estão disponíveis e pode ser estendida à telementoria, que envolve a formação de profissionais médicos na realização desses procedimentos. Nesse domínio, a telecirurgia poderia beneficiar, ainda, pacientes que requerem intervenções de grande complexidade e pequena prevalência, casos em que a expertise medico-cirúrgica não está amplamente disponível. A aquisição de expertise por especialistas em novas tecnologias tem sido acompanhada por programas de mentoria – proctors. A Telemedicina, na cirurgia robótica, pode prover um treinamento com proctors a distância, conectados remotamente (telementoria), ampliando o acesso às tecnologias inovadoras.
Os resultados das cirurgias robóticas ainda carecem de análises de longo prazo, tanto em relação aos desfechos duros, como morte por todas as causas ou morte cardiovascular, infarto do miocárdio fatal, AVE, necessidade de nova revascularização, e patência dos enxertos vasculares. Como nas cirurgias tradicionais, a seleção dos pacientes é fundamental, e   o objetivo deve ser a revascularização completa, lembrando que a  insuflação de CO2 diminui o retorno venoso pelo aumento da pressão intratorácica, podendo comprometer os parâmetros hemodinâmicos  de pacientes com disfunção ventricular esquerda e portadores de doença obstrutiva crônica, que teriam os maiores benefícios com a cirurgia minimamente invasiva. São relatados estudos com séries de casos, com cerca de 110 pacientes, reportando sucesso cirúrgico de 90% em 30 dias, sem necessidade de cirurgia aberta, e seguimento máximo de cinco anos.
A maior experiência foi relatada por Cavallaro et al., que descreveram a morbimortalidade pela cirurgia robótica de revascularização do miocárdio em 2.582 pacientes entre 2008 e 2010, concluindo que houve menores taxas de complicações pós-operatórias em pacientes selecionados, mas que esses benefícios diminuíram em pacientes multilaterais.
Nos EUA, são realizadas anualmente aproximadamente 1.700 cirurgias cardíacas robóticas, dos quais 35,5% são para reparo de válvula mitral. O FDA introduziu em 2011 um plano de vigilância após-comercialização conhecido como Medical Device Epidemiology Network, aproveitando a IA para análise de dados do mundo real, incluindo registros internacionais e dados eletrônicos de registos médicos, para preencher a lacuna de obtenção de evidências concomitante à implementação da inovação tecnológica, sem comprometer a segurança do paciente.
É importante mencionar que nenhuma das técnicas de cirurgia robótica faz parte do rol de políticas públicas do Brasil, tampouco estão incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde. Nesse sentido, o CFM, por intermédio da Resolução 2.227/2018, revogada, havia regulado a telecirurgia robótica, justamente antevendo a ampliação dos benefícios da técnica e facilitando o acompanhamento da curva de aprendizado por proctors em locais remotos. Assim, uma cirurgia robótica no Brasil poderia ser assistida remotamente por especialista em um grande centro de outro país. Embora o CFM tivesse permitido o emprego da telecirurgia robótica no Brasil, restringiu o método aos profissionais habilitados para exercer a Medicina no país. Cabe ressaltar que, no Brasil, os programas de mentoria/ proctor não foram regulamentos mais amplamente, exceto no Estado da Paraíba, onde o CRM, por intermédio da Res CRM-PB 182/2018, definiu regras que disciplinam a prática e conferem segurança jurídica ao ato médico.
Além do que foi discutido acima, há também uma falta de sincronização entre o vasto potencial dessas tecnologias e o aparato ético e legal vigente. Ao contrário de uma política nacional abrangente, existe um cenário geral de fragmentação caracterizado pela existência de diferentes normas e padrões emitidos por diversos órgãos e com focos distintos. Mesmo que um único instrumento dificilmente alcançasse esses objetivos, a fragmentação é mais um obstáculo a ser superado para se alcançar o potencial da Telemedicina e da telecirurgia em nosso meio.
Entre outras barreiras ao seu uso prático, deve-se mencionar a escassez de recursos e conhecimentos técnicos, além de questões de infraestrutura. O Brasil é um país de distribuição regional desigual em termos de disponibilidade de banda larga. Isso significa que a infraestrutura da rede de dados em banda larga é um dos fatores mais limitantes para a expansão da Telemedicina em geral e da telecirurgia em particular, em especial no interior do Brasil.

3.2 Angioplastia Robótica

Pode-se afirmar que a ICP é um tratamento minimamente invasivo de alta previsibilidade e segurança. Entretanto, trata-se de procedimento de execução manual, operador- dependente, cuja execução é obrigatoriamente presencial, demandando a ação física dos médicos. É sabido que em cenários de intervenções de alta complexidade e alta tecnologia, a proficiência plena somente é alcançada em ambientes de alto volume. Ressalta-se também que a angioplastia coronária é realizada obrigatoriamente através da exposição de radiação ionizante, tanto para profissionais quanto pacientes. Em consequência, são altos os riscos potenciais de danos ocupacionais à saúde decorrentes não só da radiação, mas também da necessidade de proteção individual (p.e. avental de chumbo com peso médio de 7 kg).
Recentemente foi desenvolvida a intervenção coronária assistida por robô como alternativa para reduzir a dependência da operação manual, potencialmente reduzindo os danos relativos à exposição de radiação. Estudos clínicos demonstram a segurança e eficácia do sistema robótico, que já possui aprovação para utilização rotineira nos EUA e na Comunidade Europeia. Entretanto, apesar de animador, o conjunto de evidências científicas atuais é inicial e limitado  ao número de pacientes tratados, não permitindo maiores considerações sobre eventuais riscos e benefícios da técnica, sobretudo com relações às particularidades de sua aplicação em subgrupos de interesse clínico.

4. Telemedicina como Prestação de Serviços e na Saúde Suplementar

4.1 Prestação de Serviços

Atualmente, estima-se que mais de 60% de todas as instituições de saúde, e entre 40% e 50% de todos os hospitais norte-americanos usam alguma forma de transmissão de dados por meio digital. Em 2016, uma instituição de saúde norte-americana reportou que a comunicação de dados digitais em saúde (e-mail, telefone e vídeo) excedeu as consultas físicas.
É importante ressaltar, entretanto, que a despeito dos novos modais de transmissão e meios de comunicação entre médicos e pacientes, as responsabilidades éticas e legais permanecem iguais às que regem as formas tradicionais de relacionamento entre médicos e pacientes. Os cardiologistas devem informar seus pacientes sobre os serviços prestados pela Telemedicina e suas limitações, a capacidade de seguimento tardio, através do encorajamento do envio de informações regulares para seus médicos assistentes, e como os pacientes podem receber informações eletrônicas que promovam a saúde.
O reembolso é determinante-chave para o sucesso de intervenções clínicas. O movimento em direção ao reembolso baseado em valor, em vez do pagamento por serviço, que fornece incentivos para a prestação de cuidados nos ambientes com menor custo, a identificação e a interação com pessoas de alto risco antes do início da doença, e o uso eficiente de equipes integradas de cuidados, todos fornecem incentivos para o crescimento da Telemedicina. Compreender o efeito do reembolso dentro do contexto de modelos alternativos de pagamento é uma prioridade.
Embora a trajetória do reembolso baseado em  valor seja incerta, a eficiência na prestação de cuidados será inevitavelmente uma prioridade em qualquer cenário. Uma questão relacionada é assegurar que essas tecnologias sejam usadas para pacientes que satisfazem os requisitos clínicos apropriados. Nos EUA, o reembolso dos serviços médicos por Telemedicina vem se expandindo gradualmente, passando de uma cobertura dos serviços prestados em locais rurais para um programa mais amplo  (Medicare  Access and CHIP Reauthorization Act). No Brasil, foram criados projetos de capacitação e de educação médica continuada com especial atenção para o modelo de atendimento SAMU/UPA, desenvolvidos pelo Ministério da Saúde e Hospitais privados.
No que se refere ao pagamento dos serviços de Telemedicina e telessaúde no Brasil, como já destacado, deve-se considerar que a principal fonte de recursos tem sido o setor público, por meio de:
• editais de agências de fomento à pesquisa e inovação nacionais (como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e a Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP) e regionais (fundações estaduais de amparo à pesquisa);
• convênios ou transferência direta de recursos para Universidades e Secretarias de Saúde, no bojo do Programa Telessaúde Brasil, depois Telessaúde Brasil Redes;
• contratos de prestação de serviço entre os gestores públicos e centros de telessaúde dos núcleos universitários;
• projetos no âmbito dos hospitais agraciados com a renúncia fiscal pelo programa PRO-ADI SUS, do Ministério da Saúde.
Observa-se que muitos desses investimentos ocorreram numa fase inicial do desenvolvimento da tecnologia no país e apenas alguns dos núcleos fomentados se transformaram em serviços ativos sustentáveis. É clara a necessidade de incluir os procedimentos de telessaúde no rol de procedimentos remunerados pelo SUS, de forma a regulamentar e fomentar seu uso rotineiro no sistema de saúde.
A saúde suplementar, por sua vez, carece de mecanismos formais de remuneração e reembolso das atividades de telessaúde, de modo que as ações de Telemedicina, neste setor, têm sido voltadas para a otimização do cuidado e redução dos custos, e muitas vezes associadas a condições específicas, como o acidente vascular cerebral.
Cabe registrar que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, por intermédio da Portaria 26, de 2 de agosto de 2017, tornou pública a decisão de incorporar a tecnologia de monitoramento remoto para avaliação de pacientes portadores de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEI) no âmbito do SUS.  Trata-se de inédita incorporação  de tecnologia de monitoramento  remoto  decorrente de demanda da indústria. O demandante avaliou o impacto orçamentário da tecnologia em cinco anos, considerando, no caso-base, apenas os gastos diretos com  a compra do dispositivo de monitoramento remoto e da oferta do monitoramento convencional. Um segundo cenário analisado usou um modelo dinâmico de estados transicionais para levar em conta custos de oportunidade de ambas as tecnologias, explorando vantagens e desvantagens de cada estratégia. A decisão implica,  obrigatoriamente, a inclusão da tecnologia no SUS em 180 dias após a publicação da portaria de incorporação pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, mas até o presente não houve divulgação do Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica (PC/DT), disponibilizando-a no SUS.
Infelizmente ainda existem várias lacunas no processo de reconhecimento dos serviços médicos de Telemedicina no quesito reembolso. O exemplo acima é o único que se encontra deliberado para a saúde pública. O processo de codificação em classificações hierarquizadas ou outras modalidades de pagamentos para os diversos serviços em Telemedicina ainda não está devidamente estruturado.
Um conjunto mais completo e estruturado de códigos também permitiria fornecer dados mais precisos para abordar a escassez de avaliação econômica sistemática dos benefícios da Telemedicina tanto em modelos de pagamento por serviço como baseado em valor. Preencher essa lacuna é essencial para orientar os provedores públicos e privados de atendimento em saúde, os compradores e investidores de tecnologia, enquanto tomam decisões sobre o retorno do investimento nesse campo.

4.2 A Telemedicina na Saúde Suplementar

O Brasil, em 1988, optou pela instituição de um sistema de saúde de acesso universal, integral e gratuito, nos termos do art. 196 da Constituição Federal. No entanto, a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, o parágrafo 1o do art. 199 da Carta Magna estabelece a abrangência da participação da inciativa privada: “As instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.”
A Saúde Suplementar assiste a mais de 47 milhões de beneficiários no Brasil, regida por legislação própria, cuja regulação compete à ANS. Trata-se de um sistema de saúde com caraterísticas próprias e marco regulatório disciplinado em legislação específica (Lei nº 9.656/ 1998). Os benefícios auferidos com o desenvolvimento notável das TIC, igualmente, são aplicáveis à saúde suplementar. No entanto, deve-se realçar que, em virtude das peculiaridades da legislação que rege o setor, as operadoras de planos de saúde são obrigadas a ofertar uma miríade de procedimentos incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.
Vale dizer, ainda, que ao contratar um plano  de saúde se busca prioridade no acesso à médicos e às terapias que suplementem o Rol de Políticas  ofertadas  no  SUS. A maior parte dos beneficiários da saúde suplementar reside em grandes centros, mais 35 milhões de beneficiários da saúde suplementar nas regiões Sudeste (28.650.281) e Sul (6.912.748), mais de 18  milhões estão nas capitais. Ao analisar o cruzamento dos dados demográficos dos beneficiários da saúde suplementar e dos médicos brasileiros, inclusive cardiologistas, nota-se que nessas regiões a proporção de médicos por habitantes (beneficiários da saúde suplementar) é diversa da verificada na saúde pública, onde há, verdadeiramente, áreas remotas sem cobertura. Torna-se imperioso considerar que a relação presencial médico-paciente é a regra na saúde suplementar, sem prejuízo da possibilidade de se disponibilizarem recursos de Telemedicina.
Nessa senda, os diversos serviços prestados no âmbito da Telemedicina são plenamente aplicáveis na saúde suplementar; contudo, prover consultas presenciais, inclusive com especialistas, em vez da sua versão “tele”, é uma imposição legal. Os recursos de TIC não devem ser ofertados para substituir o presencial, mas ser opção no aprimoramento da assistência, também no contexto da saúde suplementar. Aumentar a eficiência nos cuidados de saúde exigirá melhorias na qualidade, bem como reduções de custos. A integração da Telemedicina em ambulatórios e hospitais, inclusive no âmbito da saúde suplementar, pode ajudar a alcançar ambos objetivos.
A assistência médica é, sem dúvida, um dos  mais – se não o mais – complexos setores da economia. Capital considerável, além de persistência por anos, serão necessários para a construção de um sistema efetivo de Telemedicina. A adoção difundida desse tipo de prática exigirá adaptações comportamentais por parte de muitos médicos, organizações e pacientes. Ainda há a necessidade de regular melhor o setor nessa área.
A Telemedicina pode ser uma alternativa acessível para atender às necessidades de saúde de populações vulneráveis que têm múltiplas comorbidades, exigindo frequentes serviços de saúde. Melhorando o envolvimento do paciente, a Telemedicina pode fornecer uma plataforma eficaz para os pacientes se envolverem em suas próprias decisões. Por exemplo, a Veterans Health Administration, nos EUA, introduziu um programa nacional de Telemedicina, o Care Coordination-Home Telehealth. Esse modelo permite que os pacientes gerenciem suas próprias condições. Alguns estudos importantes demonstraram que o modelo de decisões compartilhadas reduziu as taxas de hospitalização. O acesso desigual à saúde, mesmo na saúde suplementar, persiste no Brasil e exige grandes investimentos para melhorar a organização dos sistemas de saúde. Mesmo quando os serviços de saúde e orientações baseadas em evidências estão disponíveis para condições comuns e relevantes, como hipertensão e diabetes, a lacuna de implementação é gigantesca e as melhores práticas não são absorvidas pelos profissionais de saúde ou medidas recomendadas não são implementadas pelos pacientes e suas famílias. A ciência da implementação revelou-se, nas últimas décadas, tão importante quanto a análise de dados para o reconhecimento de gargalos que impedem o uso completo de medidas preventivas e terapêuticas que assegurem benefícios aos pacientes, que podem viver mais e melhor, beneficiando-se de todo o conhecimento disponível, reduzindo custos e aumentando a eficiência dos sistemas privados de saúde. A teleconsulta direta de médico para paciente, ainda não regulamentada no Brasil, representa o modelo mais frequentemente utilizado. Um relatório dos EUA demonstrou que a telecardiologia foi útil tanto para avaliar os novos encaminhamentos quanto os pós-operatórios recentes, com o potencial benefício da transferência de conhecimento para a atenção primária local. No Canadá, a teleconsulta tem sido útil para avaliação de novos pacientes com síncope e taquicardia supraventricular. No Reino Unido, uma ampla gama de serviços de telecardiologia em pacientes internados e ambulatoriais está disponível nos hospitais distritais usando várias tecnologias. Essa abordagem  melhorou o acesso, foi custo-neutra e aumentou a satisfação dos pacientes. Os autores enfatizaram que tal abordagem complementava, mas não substituía, as consultas regulares.
Existe um crescimento exponencial na demanda por cuidados domiciliares através de aplicações diretas ao consumidor baseadas na web, que incluem aplicativos para tablets e smartphones. Muitos provedores de saúde no exterior estão adotando essa tecnologia como uma maneira de fornecer cuidados de baixo custo para problemas comuns que poderiam resultar em uma  visita  ao  departamento  de emergência. A maioria dessas aplicações depende exclusivamente de conexões de vídeo e áudio com software adicional para agendamento, faturamento, compartilhamento de imagens fixas e documentação. Além disso, alguns periféricos, como dispositivos de detecção de ritmo cardíaco compatíveis com smartphone, estão disponíveis para compra por um preço decrescente.
A exiguidade de capital para a aquisição e manutenção de equipamentos e infraestrutura em Telemedicina continua a ser uma barreira para a implementação mais difundida. Isso é particularmente verdadeiro para muitos provedores de redes de saúde ou pequenos sistemas que podem carecer dos recursos necessários e frequentemente têm demandas conflitantes por fundos disponíveis. Outros custos associados a um programa de Telemedicina incluem salário, apoio administrativo e  suprimentos, custos de desenvolvimento e atualização de softwares e aplicativos, programas de treinamento e iniciativas para promover o programa aos pacientes. Com o aumento da conectividade móvel, dos smartphones e da compactação de vídeo, os custos para implementar interações simples de Telemedicina diminuíram. Atualmente, nenhum dos procedimentos utilizados em Telemedicina integram o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Saúde Suplementar, ou seja, há um vazio regulatório que coloca a Telemedicina em um terreon  de conjecturas e expectativas frustradas dissociado do interesse do setor regulamentado. Também não há evidências científicas concretas disponíveis que sustentem o emprego formal dessa tecnologia.
A Telemedicina é uma inovação disruptiva com potencial para mudar a saúde, e é provável que sua influência aumente rapidamente. Guiada pelo que é melhor para os pacientes, a Telemedicina, se aplicada adequadamente, ajudará a inaugurar uma nova era para atenção à saúde,  que  será  construída por pacientes e médicos, identificando novas maneiras de cuidados, aumentando a qualidade e racionalizando o custo também no âmbito da saúde suplementar.

5. Avaliação Econômica e Impacto Orçamentário da Incorporação da Telemedicina Aplicável à Cardiologia no Brasil

5.1 Conceitos de Avaliação Econômica em Telemedicina

A implementação de serviços de Telemedicina busca fornecer cuidados de saúde de qualidade e de fácil acesso a um baixo custo. Desde a década de 1990, à medida que a capacidade tecnológica de comunicação avançava, os serviços de Telemedicina começaram a se fazer mais presentes.
O surgimento de novas capacidades relacionadas à Telemedicina e sua integração em sistemas de prestação de cuidados oferece oportunidades para melhorar o atendimento clínico baseado em valor, a promoção da saúde e a prevenção de doenças.
Entre os valores associados à adoção de serviços de Telemedicina, tem-se a colaboração com a acessibilidade ágil dos pacientes aos centros de alta complexidade a redução de mortalidade e a redução da frequência de internações dos pacientes.
Na cardiologia, recentes publicações retratam serviços de Telemedicina e teleconsultoria como eficazes na gestão de pacientes com insuficiência cardíaca crônica, realização de laudos de eletrocardiogramas, orientação aos pacientes através de aplicativos móveis, reabilitação cardíaca, entre outros.
Através das experiências relatadas, é consenso que a Telemedicina oferece benefícios interessantes para melhorar a acessibilidade e a qualidade dos cuidados de saúde. No entanto, os investimentos científicos e financeiros necessários para introduzir essas tecnologias no sistema de saúde são altos, o que potencializa a importância de que estudos acurados de análise econômica sejam conduzidos a fim de orientar decisões de implementação de serviços de Telemedicina.
A análise econômica é um dos pilares da avaliação da saúde que tem por objetivo apoiar e orientar a tomada de decisão. Para que uma nova tecnologia seja aplicada a um processo, ela deve substituir as alternativas existentes com igual ou melhor resultado. Ou seja, deve ser efetiva. Além disso, os resultados assim obtidos devem ter um custo inferior às alternativas ou apresentar valores razoáveis em relação aos benefícios, ou seja, serem custo-efetivas.
No entanto, a avaliação econômica das estratégias de Telemedicina apresenta algumas especificidades: mudança constante de tecnologia, falta de desenho de estudo adequado para gerenciar amostras subdimensionadas, inadequação das técnicas convencionais de avaliação econômica e problema de avaliação de resultados de saúde e não diretamente relacionadas à saúde.
Como consequência, diferentes tipos de análise de custos ganharam um papel importante na avaliação de serviços de Telemedicina.

5.2 Métodos Econômicos Aplicados

Diferentes abordagens têm sido usadas para avaliar o impacto econômico da adoção de serviços de Telemedicina com diversos níveis de aceitabilidade. Basicamente, existem cinco métodos para calcular a relação custo-eficácia entre intervenções convencionais e Telemedicina: análise de minimização de custos, análise de custo-benefício, análise de custo-efetividade, análise  custo-utilidade. Além disso, o retorno do investimento tem sido usado em projetos de Telemedicina.
A análise de minimização de custos pressupõe que ambas as alternativas (convencional e Telemedicina) tenham a mesma eficácia em termos de resultados de saúde, mas que sejam diferentes em termos de custos. Na análise de minimização de custo, mudanças são consideradas, mas os resultados na saúde são mantidos inalterados. Por exemplo, a telecardiologia para laudo de eletrocardiograma assume o mesmo resultado, mas tem custos diferentes. Consequentemente, os gestores têm que considerar apenas as diferenças nos custos para decidir qual alternativa é menos dispendiosa.
A análise custo-benefício reconhece que diferentes projetos são igualmente eficazes, mas os resultados e custos mudam. Mudanças nos custos e desfechos de saúde são consideradas simultaneamente e dão um valor monetário ou numérico não apenas aos custos, mas também aos resultados de saúde, a fim de expressar a relação não dimensional US$ de custo/US$ de benefício. No entanto, a ideia de dar valores monetários aos resultados de saúde, como anos de vida, nem sempre é aceitável para os tomadores de decisão na área da saúde.
A análise de custo-efetividade aparece como uma solução quando os custos e resultados são considerados simultaneamente, sem dar valores monetários aos resultados. Cada resultado é definido de acordo com sua unidade específica, de modo que os índices finais demonstram  uma relação entre os resultados econômicos e de saúde. Portanto, a decisão final dependerá da relação que o tomador de decisão considera melhor. Essa relação (relação custo-efetividade incremental (do inglês incremental cost- effectiveness ratio) – ICER representa o custo para cada unidade de resultado adicional.
A análise custo-utilidade considera a qualidade de  vida das pessoas e o tempo de vida que elas obterão como resultado de uma intervenção. É um caso particular de custo efetividade, em que os resultados são medidos em termos   de anos de vida plena vividos, geralmente expressos  em  anos de vida ajustados pela qualidade (quality-adjusted life- year – QALYs) ou anos de vida ajustados por incapacidade (disability-adjusted life-year – DALY). A OMS recomenda um valor para o DALY equivalente a três vezes o Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
O retorno do investimento é uma relação não dimensional entre o valor monetário investido e os ganhos monetários resultantes desses investimentos e mede a eficiência do investimento.

5.3 Revisão da Literatura

Uma revisão sistemática da literatura de estudos de revisão de avaliações de custos e benefícios da adoção de serviços de Telemedicina foi conduzida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2016, reunindo as publicações de 2000 a 2016. Considerando as palavras-chave empregadas no estudo, atualizou-se a busca da revisão na base Pubmed   e o critério de inclusão era apenas estudos relacionados à cardiologia. Além disso, acrescentaram-se outras revisões buscadas manualmente em bases e/ou revistas da área. Dessa forma, a busca contemplou artigos de revisão da literatura sobre a avaliação da incorporação de serviços de Telemedicina em cardiologia do período de 2000 até abril de 2019.
As variáveis de informações de método de análise econômica, objetivo do serviço de Telemedicina em cardiologia, efetividade clínica e redução de custos foram extraídas dos estudos. Para a efetividade, foram avaliados o impacto em redução de mortalidade, a redução de internações, a melhora no manejo de medicações e a antecipação de diagnóstico.
A partir das buscas e aplicação dos critérios de exclusão, 35 artigos foram analisados na íntegra por dois pesquisadores (AE e BZ) para extração das variáveis. A figura 5.1 apresenta  o fluxo de seleção dos artigos.
O número de estudos voltados à Telemedicina, especialmente no acompanhamento de doenças crônicas, aumentou na última década. Dos 35 estudos identificados, 19 foram publicados após 2015. A Tabela 5.1 apresenta um resumo das características dos artigos.
Dentre os estudos, 26 avaliaram o serviço de Telemedicina de telemonitoramento mHealth como a intervenção primária versus tratamento usual presencial. Entre as justificativas dos autores, é frequente a facilidade de uso dos celulares móveis, por meio de aplicativos, para acompanhamento remoto e ágil comunicação com os pacientes.
Os desfechos mais comuns entre os estudos avaliados foram: redução de mortalidade (54% das revisões avaliadas) e redução no número de reinternações hospitalares (57% das revisões avaliadas), sendo que ao menos um desses desfechos apareceu em 26 estudos. Outros resultados esperados foram em redução no período de internação, diagnóstico precoce e melhor adesão aos medicamentos.
Por outro lado, as avaliações econômicas foram menos frequentes. Apenas 16 revisões encontraram resultados conclusivos sobre a inclusão de análises de custos, destas, 13 afirmaram que o serviço de Telemedicina representou uma economia para a fonte  pagadora  por  causar redução de custos. Oito revisões apresentaram discussões sobre a inclusão de alguma avaliação  econômica  da  incorporação  da Telemedicina na cardiologia, sendo custo-efetividade o método mais presente (sete estudos) e um estudo de custo- minimização. Um estudo sugeriu que as poucas avaliações econômicas existentes ainda são de baixo rigor metodológico, não permitindo uma conclusão assertiva sobre a viabilidade econômica da implementação.
De modo resumido, estudos de telemonitoramento de insuficiência cardíaca mostraram que as estratégias de apoio (vídeo conferência ou telefone) são custo benéficas, ou  seja, tem um potencial de retorno financeiro. Estudos que avaliaram monitorização através de dispositivos cardíacos mostraram uma relação custo-efetividade incremental de US$ 13.979 por QALYs. Em uma metanálise, o telemonitoramento por dispositivos mostrou uma redução de 44% nas visitas hospitalares, sem efeito na mortalidade, mas com economia de 15-50% dos custos diretos em saúde. Os resultados econômicos de telemonitorização não invasiva são ainda mais heterogêneos. Alguns ensaios clínicos demostraram resultados neutros, outros uma redução significativa de readmissões por insuficiência cardíaca e uma redução de custo total direto de € 3.546 por paciente por seis meses de seguimento. Em um ensaio clínico Holandês, o TEHAF trial, a probabilidade de monitoramento remoto ser custo-efetivo foi de 48% (limiar de € 50.000/QALY), provavelmente pelas diferenças entre as instituições. Um dos estudos mais detalhados foi desenvolvido para perspectiva do sistema de saúde da Inglaterra, através de modelo de Markov, comparando tratamento usual, suporte por telefone ou telemonitoramento a distância para pacientes com  insuficiência cardíaca  após  alta  hospitalar.

Assumindo custos mensais de £ 27 para atendimento usual, £ 179 para suporte por telefone e £ 175 para telemonitoramento em horário comercial, a estratégia com melhor relação de custo- efetividade foi o telemonitoramento, com valores menores que £ 20.000 por QALY. A estratégia de suporte por telefone foi muito desfavorável, com um ICER de £ 228.035/QALY comparada com telemonitoramento.
As variáveis de avaliação de efetividade se repetem entre os estudos, merecendo destaque a redução da mortalidade e da frequência de internações. Porém, métodos acurados de coleta de custos, definição de quais variáveis de custos devem ser coletadas e a aplicação de modelos econômicos ainda carece de uma orientação padrão na literatura. Mais de 70% dos estudos não levaram em consideração pelo menos uma categoria: custo para o sistema de saúde, despesas com pacientes e familiares, ou perda de produtividade. Muitos falham por não incluir salários e benefícios, tempo de treinamento, investimentos com capital amortizado, operações de apoio de dados e acompanhamento e despesas fixas (overhead). Além disso, um limitador importante nessas análises econômicas tem sido a grande  heterogeneidade  da tecnologia (intervenção) e mesmo o grupo controle (alternativas). A velocidade de avanço nas tecnologias que suportam serviços de Telemedicina é impressionante, partindo de estruturas complexas e grandes investimentos, há menos de dez anos, para soluções efetivas de baixo custo baseadas em celulares e dispositivos móveis. Trata-se de serviços distintos com maior investimento inicial, mas cuja maioria dos dados aponta um retorno do investimento ao longo do tempo pelo volume de pacientes que consegue evitar o consumo do sistema de saúde tradicional.Isto requer que métodos  de avaliação econômica  acompanhem o comportamento  do serviço, incluindo desfecho dos pacientes atendidos ou monitorados pelo serviço de Telemedicina ao longo do tempo. Pela diversidade de benefícios alcançados, metodologias de custos empregadas, dados dedicados que reflitam realidades locais do sistema de saúde precisam ser avaliados para entender a custo-efetividade dessas tecnologias.

5.4 Avaliações Econômicas de Telemedicina no Brasil

Gradativamente, essas novas tecnologias vêm sendo introduzidas na rotina dos hospitais, clínicas e consultórios, seja no setor privado ou no público no Brasil. A primeira dessas tecnologias a ser utilizada foi a transmissão de dados de ECG para laudos a distância. Em 1994, iniciou-se a utilização dessa tecnologia pela empresa Telecardio, transmitindo os exames via telefone, e em 1995 o Instituto do Coração (InCor) criou um serviço chamado de ECG-FAX. Posteriormente, em 2005, (MAPA), Holter e ecocardiograma a distância e análise de imagens. A IA já é atualmente utilizada em teleconsultorias e encontra-se em estágio avançado na elaboração de laudos de exames diagnósticos. Telemonitoramento de pacientes com insuficiência cardíaca também é realidade no Brasil.
A utilização rotineira dessas tecnologias no Brasil mostra indiretamente suas respectivas efetividades, e a existência perene das empresas que atuam no setor constitui uma medida indireta de custo-efetividade, muito embora sejam poucos os estudos formais sobre o assunto no Brasil.
No entanto, pelo menos duas iniciativas de aplicação de novas tecnologias em cardiologia no Brasil foram o foco desses estudos de custo-efetividade: 1) o serviço de Telemedicina e monitoramento a distância de pacientes do InCor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2) o sistema de telediagnóstico e teleconsultoria da Rede de Teleassistência de Minas Gerais (RTMG) do Hospital da Clínicas da UFMG.
Como complemento aos resultados encontrados nos serviços de telemedicina de cardiologia, uma análise de estimativa de economia gerada ao Estado do Rio Grande do Sul através do projeto TelessaúdeRS, que oferece serviço de teleconsultoria de 20 especialidades clínicas, foi conduzida e apresentada nesse capítulo como uma terceira abordagem para avaliar economicamente um serviço de Telemedicina no Brasil.

5.5 Serviço de Telemedicina e Monitoramento de Pacientes do InCor-FMUSP

Stevens et al. avaliaram o impacto das quatro principais condições cardíacas – insuficiência cardíaca, IAM, FA e hipertensão – no Brasil em 2015 sob o aspecto financeiro e desabilidade dos pacientes. Especificamente para a hipertensão, compararam os cuidados  convencionais  com  os proporcionados pela Telemedicina e por meio de um sistema de suporte estruturado por telefone para avaliar o custo-efetividade dessas duas tecnologias em um horizonte temporal de 30 anos a partir de 2015. Um resumo dos resultados encontrados é mostrado na tabela 5.2.

Assumindo um referencial da OMS, uma intervenção que tenha um custo por ano de vida entre um e três vezes o PIB per capita por QALY é considerada custo-efetiva, as duas tecnologias foram consideradas custo-efetivas pelos autores. No entanto, as autoridades sanitárias brasileiras ainda não definiram qual o valor do ICER que deve ser considerado no país. Assim, não se pode inferir com segurança se os procedimentos empregados em Telemedicina, no âmbito do SUS, seriam custo-efetivos ou não dentro dos cenários avaliados. A legislação brasileira impõe que os produtos, fármacos ou procedimentos incluídos nos protocolos do SUS devam ser avaliados quanto à segurança, eficácia, efetividade e custo-efetividade, assim, carecemos de uma referência efetiva para validar a avaliação econômica em questão.

5.6 Sistema de Telediagnóstico e Teleconsultoria da Rede de Teleassistência de Minas Gerais (RTMG) do Hospital das Clínicas da UFMG

O Centro de Telessaúde (CTS HC/UFMG) coordena a RTMG, uma rede colaborativa constituída em 2005 por sete universidades públicas de Minas Gerais: UFMG, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
As atividades de teleassistência são teleconsultorias e telediagnóstico. As teleconsultorias são majoritariamente assíncronas por meio de plantões reguladores em Medicina, enfermagem, odontologia, fisioterapia, farmácia, psicologia, nutrição e fonoaudiologia. O telediagnóstico consiste em análise e laudos de eletrocardiogramas, MAPA, Holter e retinografia e teleconsultorias síncronas em cardiologia para suporte aos casos clínicos críticos. O serviço está registrado no CRM do Estado de Minas Gerais.
A RTMG iniciou suas atividades por meio do projeto de pesquisa “Minas Telecardio” em 2006, implantando um serviço de telecardiologia com laudos de ECG e teleconsultorias em 82 municípios de Minas Gerais. Ao longo do tempo, expandiu suas atividades e, atualmente, estão conectados à Rede 814 municípios com mais de 1.000 pontos de telessaúde em Minas Gerais. Dentro do projeto do Ministério da Saúde ONTD, iniciou em setembro de 2017 a oferta de serviços de telecardiologia em nível nacional, atendendo atualmente 90 municípios nos Estados do Acre, Bahia, Ceará, Mato Grosso e Roraima. Essa expansão foi em parte resultante dos estudos que demonstraram a custo-efetividade do sistema para os principais financiadores da RTMG (Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais).
Andrade et al., utilizando-se dos resultados do Projeto Minas Telecardio,   compararam a relação custo-benefício da realização do laudo de ECG a distância, considerando a hipótese de que há benefício econômico na realização do eletrocardiograma através da telecardiologia, em comparação com o encaminhamento do paciente para realização do exame em outras localidades de referência. O estudo foi realizado entre junho de 2006 e novembro de 2008 em 82 municípios do interior do estado de Minas Gerais. Cada município recebeu um microcomputador com eletrocardiógrafo digital, com possibilidade de envio dos traçados e comunicação com plantão de cardiologia em hospitais universitários da RTMG. Os gastos com o projeto foram divididos em duas categorias: com implantação e com manutenção do sistema de telecardiologia. O custo de deslocamento dos pacientes foi avaliado incluindo o custo de transporte (a cargo da prefeitura) e os custos com alimentação durante o período de ausência do domicílio e o custo de oportunidade do indivíduo por perder o dia de trabalho (ambos custeados pelo paciente). Avaliou-se o custo-benefício sem inclusão (perspectiva do serviço público de saúde) e com inclusão (perspectiva da sociedade) dos custos dos pacientes. Para a situação presencial, acrescentou- se ainda o custo do ECG e o custo da consulta, R$ 5,15 e R$ 10,00 respectivamente (Tabela SUS). As fontes de dados para a análise foram  principalmente  a  Pesquisa  Nacional  de Amostra de Domicílios (PNAD), Sistema de Informações Ambulatorial SIA-SUS e CNES.
Considerando-se os custos de implantação e manutenção do projeto de R$ 1.818.282,87 e o número de exames realizados no período de 30 meses (62.865 exames entre agosto de 2006 a dezembro de 2008), o custo unitário de cada laudo a distância foi de R$ 28,92. Um resumo dos resultados é mostrado na tabela 5.3.
Uma análise de sensibilidade mostrou que os resultados são sensíveis ao custo de deslocamento do paciente, particularmente em relação ao salário do motorista e número de pacientes por veículo. Tendo em vista a pequena diferença entre as situações 1 e 2, pode-se concluir que, em algumas situações, a telecardiologia pode não ser mais econômica sob o ponto de vista do serviço público de saúde.
É importante observar que, naquele momento, a escala  do sistema era relativamente baixa e, como suas atividades possuem elevado custo fixo, resultou em um alto custo do laudo a distância. À medida que o sistema foi estendido para outros municípios, o custo das atividades foi sendo sucessivamente reduzido, tornando o sistema cada vez mais custo-efetivo.
Em 2007, o Ministério da Saúde, com recursos da OPAS, contratou com o CTS HC/UFMG o projeto “Análise da Gestão Financeira de Serviços de Telessaúde Aplicados na Atenção Básica”. Nesse projeto, a análise de sustentabilidade econômica da aplicação da telessaúde na Atenção Básica foi baseada na comparação de custos entre duas situações:
I. atendimento presencial: quando o paciente  é  atendido na Atenção Básica e necessita posteriormente ser encaminhado para o nível secundário;
II. atendimento a distância: quando o médico na Atenção Básica recebe suporte a distância por meio de um serviço de telessaúde e esse suporte evita o encaminhamento  do paciente.

Os resultados se referem a 20  municípios  participantes do Projeto Nacional de Telessaúde com dados confiáveis, localizados nas Regiões Norte/Nordeste e Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, considerada uma das regiões mais pobres do Estado. Os principais resultados do projeto são mostrados na tabela 5.4.
Esse projeto apresentou resultados mais realistas em relação ao anterior pois coletou informações sobre o custo de encaminhamento do paciente diretamente nos municípios. No entanto, manteve a amostragem dos municípios participantes concentrada em uma mesma região do Estado, o Vale do Jequitinhonha, de baixo índice de desenvolvimento humano (IDH). Em 2009, o Projeto “Expansão Minas  Telecardio”  levou o serviço para regiões de IDH mais  elevados,  para  uma amostra final de outros 66 municípios. Os resultados foram similares aquele encontrados no projeto anterior e são mostrados na tabela 5.5.
Recentemente, foi feito um estudo, a ser publicado, relativo ao custo-efetividade da ONTD. A ONTD é um projeto do Ministério da Saúde para ofertar serviços de telecardiologia (laudos de ECG e teleconsultorias) para todos os Estados brasileiros para o qual o CTS HC/UFMG foi escolhido como Núcleo Especialista, ou seja, provedor do serviço. Os Núcleos Estaduais de Telessaúde recebem financiamento do Ministério da Saúde para treinar e implantar o serviço em municípios   de seu Estado, previamente acordados com as Secretarias Estaduais da Saúde, que enviam suas solicitações de exame   e teleconsultorias para o Núcleo Especialista em regime 24/7. As solicitações podem ser eletivas ou de urgência. O laudo é disponibilizado em uma plataforma e, quando necessário, os médicos locais podem tirar dúvidas em teleconsultorias. Um sistema de alerta informa médicos e enfermeiros quando há situações críticas. A efetividade do sistema foi comprovada por meio de indicadores de performance (tempo para envio dos exames, tempo de espera para análise de laudos urgentes/ eletivos, tempo da primeira visualização do laudo, número de exames solicitados por município etc.) e satisfação dos usuários. Os resultados comprovaram a efetividade do sistema em substituição às alternativas disponíveis anteriormente para obtenção do exame/laudo (encaminhamento do paciente, visitas periódicas do cardiologista ao município e terceirização do exame para empresas/clínicas privadas). Em relação a essas alternativas, o custo do exame pela ONTD é cerca de cinco vezes mais baixo, o que demonstra custo-efetividade.

5.7 Análise de Impacto Econômico do Serviço de Teleconsultoria do TelessaúdeRS

A análise econômica conduzida no serviço do TelessaudeRS foi realizada para avaliar resultados financeiros do serviço gerada ao Estado. São oferecidas teleconsultorias para diversas especialidades, além da contribuição com a regulação da fila de atendimento para o estado do RS.  Selecionaram- se teleconsultorias de endocrinologia, gastroenterologia, proctologia, reumatologia e urologia como amostra.
O custo por teleconsultoria (R$ 110,29) foi avaliado considerando dados de oito meses de serviço e contemplou custos de estrutura física do serviço (aluguéis, energia, depreciação, capacidade de servidor, entre outros) e pagamento de profissionais. Foi adotado como premissa que todas as teleconsultorias e regulações que geraram como resultado o cancelamento da consulta presencial representam, para o Estado, economia de transporte do paciente para Porto Alegre (variável de acordo com o município de origem) e de pagamento da consulta presencial ao município (R$ 100,00). A economia estimada foi calculada pela diferença entre o custo para realizar as teleconsultorias canceladas e o custo  do atendimento presencial.

A análise identificou que, ao longo de 21 meses (outubro de 2016 a junho de 2018), o Estado economizou R$ 2.287.121,78, sendo 47% pelo valor de consulta e 53% de transporte. Para as teleconsultorias, identificou-se que o serviço é atrativo até o valor de pagamento por consulta de R$ 38,95, considerando o custo médio de transporte. Os municípios com maiores distâncias de Porto Alegre apresentam maior economia, exceto quatro municípios vizinhos a Porto Alegre que possuem um volume de teleconsultas evitadas maior do que a média dos demais.
Destaca-se que o uso desses resultados para fins de comparação com outros Estados e serviços deve considerar que o serviço do Telessaúde é composto por profissionais bolsistas e celetistas e, por isso, consegue operar com menor custo por teleconsultoria. O funcionamento de serviço similar, apenas com funcionários celetistas, representaria um aumento do custo unitário por teleconsultoria e demandaria análise econômicas adicionais.
A OMS considera custo-efetivas as intervenções cujo ICER esteja entre 1 e 3 vezes o PIB per capita por ano de vida salvo ajustado ao QALY.

6. Recomendações

A SBC, em virtude do crescente interesse suscitado pela utilização da Telemedicina na ampliação da atenção à saúde, em particular no cenário da cardiologia, edita essa diretriz com objetivo de esclarecer a categoria médica e a sociedade em geral sobre as bases científicas e aplicações da Telemedicina no cenário atual.
Embora seja crescente o entusiasmo com a democratização das tecnologias de informação e comunicação, é importante apontar que persistem barreiras para a implementação no país, as quais precisam ser enfrentadas. Pode-se citar como mais significativas:
• atualização da legislação e regulamentações aplicáveis pelas autoridades sanitárias e CFM;
• disponibilização de infraestrutura mínima de telecomunicação nas unidades de saúde, sobretudo nas áreas ditas remotas;
• custo da tecnologia;
• necessidade de capacitação e treinamento dos recursos humanos;
• incorporação das tecnologias no rol de políticas púbicas do SUS e no Rol de Procedimentos e Eventos e Saúde da ANS.
Ao trazer à luz a discussão sobre a aplicação da Telemedicina, além da sua midiática repercussão, busca- se oferecer o suporte técnico-científico para a elaboração de políticas de saúde consentâneas com o emprego dessa tecnologia. Nesse sentido, se faz necessária a incorporação formal, após a devida avaliação da CONITEC, das diversas modalidades de possibilidades hoje disponíveis vinculadas aos respectivos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT). No mesmo sentido, observa-se no âmbito da saúde suplementar, a necessidade de inclusão, no Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, daqueles que tenham reconhecimento científico e sejam autorizados para uso corrente no país.
Conforme discutido nessa diretriz, salvo raras exceções, não há previsão na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos, condição para inclusão no rol de coberturas da ANS, para os procedimentos de uso corrente  na Telemedicina. Recorre-se a codificações genéricas, com descrições que são amplas e por natureza permitem a utização por verossimilhança, a exemplo do código 2.01.01.20-1 (avaliação clínica e eletrônica de paciente portador de marca-passo ou sincronizador ou desfibrilador,  cardíacos). No entanto, o reembolso desse serviço decorrerá da mera liberalidade da operadora de plano de saúde. Tal fato  limita a aplicabilidade da Telemedicina no âmbito da saúde suplementar, com as consequências vinculadas.
Em 2015, a SBC, por intermédio da Diretriz de Telecardiologia no Cuidado de Pacientes com Síndrome Coronariana Aguda e outras Doenças Cardíacas,133 fez recomendações acerca do tema. Contudo,  na  atual  versão da diretriz, mais abrangente, abordam-se  novas  aplicações da telecardiologia, sobretudo as já incorporadas ao sistema de saúde. Ainda versa  sobre  as  perspectivas  futuras  como o emprego de telerrobótica e IA. Os autores, com foco na evidência científica atual e seu custo-efetividade, atualizaram as recomendações a fim de orientar os provedores de saúde públicos e privados no judicioso emprego das aplicações da Telemedicina no Brasil.
A tabela 6.1 sumariza as recomendações apontadas nessa diretriz.

Baixe AQUI o documento original.

FONTE: SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA – SBC
Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):1006-1056