SBC Entrevista Dra. Ludhmila Hajjar sobre Infecção pelo Coronavírus e implicações cardiovasculares

A editora do novo portal da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Mariana Andrade, entrevistou a Dra. Ludmilla, que é professora de Cardiologia da Universidade de São Paulo e atual diretora de Ciência Tecnologia e Inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A Dra. Ludmila tem uma vasta experiência no manejo de pacientes críticos, e vem auxiliando na confecção de protocolos e projetos para o enfrentamento dessa infecção pelo novo coronavírus.

Qual é a situação epidemiológica atual pela infecção pelo novo coronavírus no Brasil e no mundo?

Nós tivemos um aumento considerável do número de casos notificados em São Paulo. Assim como no Brasil, registrando em torno de 50 mortes até o momento. Mas é bem possível que a gente tenha um número maior que isso no Brasil, porque nós temos ainda, o problema da falta de notificação e de uma amostragem de testes que ainda em número, é menor do que as autoridades sanitárias recomendariam para essa situação de pandemia. Por outro lado, tem muitos óbitos no Estado de São Paulo nos últimos dias, cujo resultado ainda do PCR viral ainda não está pronto. Então, postula-se que esse número, tanto de casos que hoje a gente deva estimar que ele está perto de 5 mil casos, apesar de ter notificado menos de 3 mil casos assim como o número de mortes deva ser maior. Lembrando que o mundo vem registrando aumento progressivo nos casos especialmente na Itália nos últimos dias assim como, uma mortalidade bastante elevada e que agora está em torno de 10% perto de uma mortalidade média no mundo em torno de 3,5%. Mas realmente falando de dados brasileiros, hoje nós temos dificuldades por número de testes ainda no número menor do que deveríamos ter e uma notificação além do esperado.

A segunda questão que tem preocupado bastante os cardiologistas é a observação de uma relação negativa entre as doenças cardiovasculares pré existentes incluindo aí a hipertensão arterial sistêmica isolada. Qual a gravidade dessa infecção? O que é que os dados epidemiológicos têm mostrado?

Em relação aos dados epidemiológicos existem já algumas descrições na China. A China já conseguiu publicar entorno de dados de 73 mil pacientes. E o que esses dados sugerem é que eles determinaram que são grupos de risco de acordo com mortalidade maior desses grupos. Esses grupos seriam de idosos, com idade acima de 60 anos, hipertensos e diabéticos, cardiopatias, pneumopatas e pacientes que tenham alguma doença que debilita o sistema imunológico, por exemplo, o câncer e o uso de drogas imunossupressores. Estes pacientes, hoje, denominados de grupos de risco, são os pacientes que têm o aumento da mortalidade. O cardiopata hoje, comparado com um paciente sem doença cardíaca prévia, tem uma mortalidade em torno de três vezes maior. Por que é que isso acontece? Existem duas hipóteses que funcionam de maneiras distintas. A primeira é que o paciente que já tem uma doença cardiovascular frente a uma infecção que resulta em resposta inflamatória e sistêmica e trombogenese tem uma reserva cardiovascular menor, e assim ele responde pior a uma situação de alta demanda metabólica funcional e fisiológica. Por isso, ele apresentaria maior gravidade o que faz sentido.

Por outro lado, postula se que o vírus tem outro hipismo pelo sistema cardiovascular. Isso seria maior nesse grupo de cardiopatias. A relação entre hipertenso e mortalidade também existe. O número na China é que os hipertensos teriam uma mortalidade em média de 7%, ou seja, o dobro da mortalidade média pela doença no paciente sem doença prévia, esse realmente suscita muitas hipóteses. Então tem a questão da ECA 2, que está em discussão nos últimos tempos. Então será que teria alguma relação com o bloqueio da angiotensina? Será que isso seria um polimorfismo que alteraria o ECA 2 e ao mesmo tempo aumentaria a possibilidade de morrer pela doença? Então essa questão de hipertensão e mortalidade não está esclarecida, mas é fato que, em torno de 50 a 60% dos doentes que têm a forma grave da doença, têm alguma doença cardiovascular prévia seja insuficiência cardíaca, doença coronária, hipertensão ou acidente vascular cerebral. Nos próximos dias ou meses, a gente terá um pouco mais de dados e de outros países para a gente poder ter uma hipótese mais fundamentada em relação a isso.

Para finalizar essa nossa entrevista, eu queria que você falasse um pouco quais são as principais complicações cardiovasculares que têm ocorrido nesses pacientes na sua forma moderada e grave, e a sua opinião em relação ao uso dos biomarcadores como a troponina, o dímero D no manejo desses pacientes.

Em relação a injúria, ao sistema cardiovascular, a gente sabe que hoje, o vírus pode afetar o sistema cardiovascular e sua plenitude. Desde coronária, vasos epicárdicos, miocárdio e sistema elétrico. Então os dados que nós temos que também são de estudos principalmente descrições chinesas, é que trata de um acometimento do sistema cardiovascular em torno de 20% dos pacientes terá alguma injúria ou lesão miocárdica. Num estudo publicado pelo JAMA ontem, 416 pacientes da China internados para o COVID 19, eles dividiram os pacientes entre quem tinham troponinemia alterada e quem não. Chamando esse grupo de troponinemia alterada de lesão miocárdica. E na análise, eles demonstraram que ter a troponina elevada, ou seja, ter injúria miocárdica, ocorreu em 19,7% dos pacientes. Isso foi um marcador independente de mortalidade, aumentando a chance de mortalidade de 60%, ou seja, a injuria miocárdica, possivelmente, deva ser mais comum do que a gente esperava inicialmente que estava uma casuística anterior de 7 por cento. Parece ser mais próximo de 20. A miocardite está presente em 10% dos casos, arritmias atriais e ventriculares em 16% dos casos, e o espectro da injúria miocárdica, vai desde a toponímia elevada até os pacientes com síndrome coronária aguda. Isso não é uma novidade desse vírus, isso já acontecia com o Influenza e com os outros coronavírus que foi Sars Cov que gerou a Sars Cov e a MERS, mas aparentemente por esses dados iniciais, o acometimento pelo coronavírus ou COVID 19 do sistema cardiovascular, parece ser mais prevalente e mais grave. É pelo menos o que vem sugerindo. Os doentes que estão na UTI, a gente tem feito uma monitorização cardiovascular mais intensiva, ecocardiograma de aro portátil, com todas as recomendações que a gente vem tendo em relação à proteção do paciente e a limpeza do equipamento. E o que a gente vê, muitas vezes é um paciente que admitido na UTI com a função ventricular normal e dois três dias depois da ventilação, sedação com pico da resposta inflamatória hemodinâmica, esse paciente evolui com disfunção cardiovascular. A maioria dos críticos, a gente vem observando um aumento da troponina, um aumento do BNP. E falando disso, os estudos iniciais também da China, sugerem que alguns marcadores como troponina, BNP, d’dímero, interleucina 6 e ferritina, eles consigam a admissão, definir formas de gravidade ou seja, atuar como fatores prognósticos. Independente, nas primeiras análises é o dímero D. Parece que um dímero D acima de mil microgramas por decilitro, ele aumenta a chance de óbito em 18 vezes. Estamos falando de uma doença que induz uma resposta inflamatória e trombótica. Então faz sentido. Quem tem injuria ao sistema cardiovascular que tem de dímero D aumentado, possivelmente tem uma forma fisiopatológica da doença mais grave. Então o que a gente tem recomendado é que o cardiologista desde o início na forma grave da doença, ele esteja participando do cuidado com o time, que a monitorização cardiovascular seja intensiva e diária, ecocardiografia, ultrassonografia portátil, BNP, troponina e outros marcadores de resposta inflamatória. Eu acho que o mais importante como sociedade é tentar catalogar esses casos, descrever em conjunto e quem sabe daqui a pouco a gente tem uma casuística nacional para a gente entender se essa doença que tem o mesmo comportamento do que na China e na Itália.

Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia

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