Retina: novos tempos

No centro das grandes inovações da oftalmologia, os tratamentos das doenças da retina carregam expectativas animadoras. Resultados positivos são alcançados com o encorajamento da ciência

Em 1984, retornando ao Brasil após mais de quatro anos de pós-graduação em retina, na Retina Foundation, da Universidade Harvard, em Boston, nos Estados Unidos,

pude introduzir no país várias tecnologias para o tratamento das doenças da retina. O tempo foi passando e os avanços despontando, melhorando os resultados dos tratamentos um após o outro, sem que se registrassem, entretanto, grandes mudanças nos aspectos fundamentais das tecnologias.

Ao ingressar como professor de oftalmologia da Universidade Federal de Goiás, em 1997, tive a oportunidade de participar – como pesquisador de novos marcos com mudanças nos princípios estruturais – do tratamento das doenças que são responsáveis pelos maiores índices de cegueira irreversível no mundo, especificamente a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e a retinopatia diabética (RD).

O que mudou? Embora se trate de doenças com mecanismos distintos de lesão ao olho, o único tratamento utilizado era a aplicação de raios laser e, em alguns casos, a cirurgia, com variação de instrumentos, todos exigindo incisões oculares mais amplas.

Mais uma vez a ciência enquadrou a doença macular relacionada à idade e a retinopatia diabética em uma nova forma de tratamento: agora as drogas antiangiogênicas. Que são essas drogas? Como agem? Como são utilizadas? Tudo teve início com as pesquisas realizadas em Boston pelo Dr. Judah Folkmam, infelizmente falecido recentemente, que estudava mecanismos para impedir o crescimento de tumores malignos no corpo humano. O pesquisador descobriu que a proliferação de vasos sangüíneos, princípio fundamental de crescimento dos tumores, é mediada por várias moléculas, entre elas o VEGF – das iniciais do inglês para “fator de crescimento do endotélio vascular”. Descreveu ainda que esse fator poderia ser bloqueado com a injeção de outras moléculas antagônicas (anti-VEGF). No primeiro momento, o mundo científico se posicionou contra a descoberta. Felizmente, para o bem da humanidade, a verdade prevaleceu e milhares de pacientes estão sendo tratados de tumores malignos, de forma bem-sucedida, com essas novas drogas.

Logo ficou evidente que outras doenças que envolvem alterações nos vasos sangüíneos também podem se beneficiar de tratamentos com as mesmas drogas. Hoje, mais de 80 doenças são tratadas com esses medicamentos, incluindo doenças dos olhos como a DMRI, a retinopatia diabética, diversas formas de edema macular, oclusões venosas e algumas retinopatias isquêmicas. Especificamente, a forma exsudativa (neovascular) da DMRI pode ser agora tratada com expectativa de melhora visual entre 30% e 40% e estabilização em 95% dos casos. São resultados extremamente animadores.

Nestes últimos dez anos tive o privilégio de estar no epicentro dessas conquistas, participando das fases de pesquisas clínicas internacionais de vários desses fármacos, alguns já com sucesso comprovado, outros sem resultados e rejeitados e outros ainda em estudo. É um mundo novo. Mudou o paradigma da avaliação pré e pós-operatória, mudou a indicação de tratamento e, o mais importante, aumentou a esperança de milhares de pacientes. Entretanto, como em tudo na vida, o uso dos anti-VEGF traz mudanças na rotina dos pacientes, que devem, necessariamente, aumentar a freqüência das visitas aos consultórios médicos para avaliação e controle, além de se submeter a repetidas e necessárias aplicações intra-oculares das drogas em ambiente adequado.

O combate à cegueira ganhou, ademais, um novo aliado: a vitrectomia com microincisão, que exclui a necessidade de pontos cirúrgicos e torna o processo menos traumático, diminuindo consideravelmente o tempo de recuperação do paciente. Tenho usado intensamente essa tecnologia e me tornado um entusiasta dos grandes resultados obtidos.

Estou bastante motivado para continuar o tratamento de meus pacientes e as pesquisas de novos protocolos. Novos tempos estes. Sinto-me cada vez mais valorizado como pesquisador médico, como educador e acima de tudo cada vez mais realizado por ajudar os nossos semelhantes a viver mais e com melhor qualidade de vida.