Pós-graduações em hospitais públicos do DF podem ser descredenciadas

O coração do maior hospital público do Distrito Federal está gravemente ferido. Por 40 anos, o Hospital de Base (HBDF) ofereceu qualificação em cardiologia a médicos no início de carreira. Mas os residentes, como são chamados, foram mandados para casa. A Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) do Ministério da Educação (MEC) descredenciou o serviço. A proibição pode se estender a toda a rede pública do DF.

O MEC investiga outros 77 programas de residência médica de oito hospitais públicos do DF. As unidades serão vistoriadas nesta semana. Quem não provar que oferece condições para o aprendizado dos médicos-alunos também perderá o credenciamento. Na opinião de médicos iniciantes e profissionais, a medida trará duas conseqüências imediatas: a perda do status dos hospitais de excelência e a piora no atendimento ao brasiliense.

Os residentes são contratados por concurso. Recebem bolsa de R$ 1,4 mil mensal e em troca ajudam a atender os pacientes em ambulatórios, prontos-socorros, consultas, cirurgias eletivas e de emergência, UTIs. Tudo sob a supervisão de especialistas. Recebem pacientes, fazem triagem, levantam o histórico e respondem pelo primeiro diagnóstico. Os médicos orientadores (chamados preceptores) ou membros da equipe fixa entram em seguida para completar o exame, fazer perguntas adicionais e concluir o diagnóstico. Na prática, no entanto, isso nem sempre acontece.

Supervisão

“Em uma manhã, atendi 21 pacientes. Teve colega que atendeu 26”, conta o clínico-geral Claiton Ferreira, 36 anos, que se especializava em Cardiologia. O problema, segundo ele, não é o número de pacientes, mas a falta de supervisão de um especialista. “Somos clínicos-gerais formados, não cardiologistas. Mas atendemos pacientes gravíssimos como se fôssemos especialistas, o que é uma irregularidade.”

A realidade mostra-se mais grave em dados do Sistema Único de Saúde. A insuficiência cardíaca é a doença que mais mata no Brasil. Em 2004, hospitalizou 4.553 pessoas no DF, e 509 morreram. “Vemos gente morrer todo dia por falta de infra-estrutura, medicações e equipamentos. Quando o preceptor está de férias ou de folga, não é substituído. Os residentes assumem plantões e o atendimento fica sem supervisão. E se algo der errado?”, preocupa-se a residente Cristiane Mamari, 27, que também teve interrompidos os estudos para se tornar cardiologista.

Drama diário

A neurologia é o endereço de patologias graves. O derrame foi a segunda causa de morte por doença em 2004, no DF. Matou 483 pessoas, das 2.271 internadas com acidentes vasculares cerebrais (ACV), de acordo com o SUS. Em 2003, foram 1.768 internações. Em 2002, 1.335. Médicos americanos consideram o AVC o mal do século XXI.

Os nove residentes do setor vivem um drama diário. Com contrato de 20 horas semanais, os 13 neurologistas da equipe encerram o expediente às 18h. Alguns, às 13h. O cidadão internado à noite será socorrido por um residente, que tem carga semanal de 60h. Há apenas um por plantão, para atender o pronto-socorro e os 22 pacientes da enfermaria da neurologia.

“É claro que se ele (o residente) sentir que a coisa apertou telefona para um de nós. Ontem mesmo, um me ligou à noite e corri para o hospital”, conta um dos especialistas mais antigos do setor e que há meses batalha pela reorganização da residência e do sistema de plantão, e prefere não se identificar por temer retaliações. “O programa de residência da neurologia coloca em risco a vida dos pacientes”, analisa Jairo Bisol, promotor de Defesa dos Usuários do Sistema Único de Saúde no Distrito Federal.

Os problemas não são exclusivos do HBDF. O vice-presidente da Associação Brasiliense de Médicos Residentes (Abramer), Márcio Coutinho, é residente em clínica médica, no Hospital Regional de Taguatinga. “O aparelho de tomografia está quebrado, não temos o CP, fundamental para o diagnóstico de doenças da vesícula”, detalha. “Para quem está aprendendo, fica impossível se formar sem as novas tecnologias.” Ele afirma que já se habituou à falta de materiais como seringas, algodão. “Cansei de ver colega colocar saco plástico na mão para tirar sangue porque não tinha luva, e comprar remédio que custava só R$ 0,25 a ampola mas estava em falta há dois meses no hospital”.

Fonte CorreioWeb