PROTOCOLO DE FEBRES HEMORRÁGICAS

SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE MINAS GERAIS SUPERINTENDÊNCIA DE EPIDEMIOLOGIA COORDENADORIA DE CONTROLE DOS FATORES DE RISCO E AGRAVOS AMBIENTAIS

MALÁRIA

José Francisco Zumpano
Manoel Otávio da Costa Rocha

9.1- INTRODUÇÃO
A malária é uma doença infecciosa febril causada por um protozoário do gênero Plasmodium e transmitida de homem para homem, por um inseto do gênero Anopheles. Nos países tropicais e subtropicais, essa moléstia representa um dos mais importantes problemas de saúde pública, acometendo milhões de pessoas. Nas áreas endêmicas, número considerável de pacientes chega ao óbito, principalmente as crianças e gestantes. No Brasil, a maior parte do território possui condições para a transmissão da malária.1 Sua área endêmica original corresponde a 6,9 milhões de Km2.
O aparecimento de cepas de Plasmodium falciparum resistentes a drogas anteriormente seguras e eficazes; a inexistência, até o momento, de um único tratamento igualmente eficiente contra ambas as espécies de Plasmodium prevalentes em nosso país
(P. vivax e P falciparum) e a grande dificuldade para se diferenciar, clinicamente, a infecção causada por uma ou outra espécie, levam à necessidade da realização do diagnóstico laboratorial para o tratamento adequado dos pacientes. Ora, para se ter diagnóstico e tratamento mais precoce, a fim de evitar-se a ocorrência freqüente de formas graves da malária, é preciso estender a rede de laboratórios por toda a área endêmica. Por outro lado, fora da área endêmica, é preciso que médicos e laboratoristas estejam atentos e aptos a diagnosticar e tratar casos importados de malária, uma vez
que o fluxo de pessoas entre as áreas endêmicas e não-endêmicas é bastante intenso.
A doença em gestante é digna de atenção especial, não só porque a mortalidade é alta, como também porque fármacos empregados no tratamento não se afiguram sempre inócuos para mãe e feto, podendo promover aborto e infecção no produto da concepção.

AGENTES TRANSMISSORES DA MALÁRIA (VETORES)
A malária é transmitida de pessoa para pessoa pela picada de insetos do gênero
Anopheles, que se infectam sugando o sangue de um indivíduo infectado. Além da transmissão natural, as pessoas também podem se infectar por transfusão sangüínea, pelo uso de seringas contaminadas e, eventualmente, por ocasião da gestação.

CICLO BIOLÓGICO NO HOMEM
O ciclo do parasita, no homem, realiza-se de forma assexuada. Inicia -se com a
inoculação de esporozoítos pelo anofelino, formas estas que, em menos de 30 minutos, dirigem-se aos hepatócitos, onde multiplicam-se. Esse período é chamado de incubação, variável em cada espécie. Durante esse período, os esporozoítos, já diferenciados, se multiplicam e rompem as células, caindo na circulação sob a forma de merozoítos, vindo a ocupar as hemácias. Inicia -se, então, um ciclo eritrocítico, com novas multiplicações do parasita, gerando formas diversas, como trofozoítos e esquizontes. Com o rompimento das hemácias parasitadas, liberam-se novamente os merozoítos na circulação, iniciando-se um novo ciclo. Algumas formas de merozoítos diferenciamse em gametócitos, que são responsáveis pela transmissão da malária aos anofelinos que porventura venham sugar este sangue. Estes gametócitos, se não tratados, permanecem na circulação por cerca
de 30 dias, e não são patogênicos.
O ciclo da malária por P.vivax e P.ovale diferencia -se do acima descrito por apresentar
um ciclo tissular; ou seja, alguns esporozoítos diferenciam-se em hipnozoítos e ficam adormecidos por períodos que atingem até mais de dois anos, voltando à circulação sob a forma de merozoítos, iniciando-se um novo ciclo.

9.2-QUADRO CLÍNICO
O intervalo que transcorre desde a penetração do parasita no organismo, até o
aparecimento dos primeiros sintomas, varia de acordo com cada espécie. Na infecção pelo P. falciparum, o período de incubação é de sete a 27 dias, média de 12 dias. Na infecção pelo P. vivax varia de oito a 31 dias, média de 14 dias. Na infecção pelo P. malariae, o período de incubação é mais longo, de 28 a 37 dias, média de 30 dias. Os sintomas da doença não aparecem logo depois da picada do inseto. Durante alguns dias, a pessoa não apresenta sintomas; é o período de incubação, após o qual, vem o acesso malárico, marcado por três sintomas distintos: febre, calafrios e suor intenso. Os acessos febris geralmente surgem em picos, apresentando, nos intervalos, períodos de melhora aparente.
Não existe sintoma ou sinal patognomônico da malária. A doença manifesta-se
principalmente com febre irregular, cefaléia, calafrios, sudorese, lombalgia diarréia e vômitos. Hepatoesplenomegalia e icterícia ocorrem raramente, nos casos mais graves. A presença de síndrome infecciosa e o temor frente às possibilidades evolutivas da doença podem gerar quadro de ansiedade, principalmente em pacientes urbanos, de nível sócio econômico mais elevado.
A icterícia constitui sinal de alerta para complicações. Ocorre tardiamente e não se
relaciona com a presença de doença hepática prévia. Instala-se quase sempre de maneira brusca, em nível elevado, acompanhado de aumento moderado das transaminases séricas, fosfatase alcalina e gama-glutamil-traspeptidase. Essas alterações provavelmente refletem colestase intrahepática, por alterações funcionais do hepatócito, e hemólise intravascular.
A esplenomegalia é mais freqüente nos indivíduos que estão apresentando crises de
malária pelo menos pela segunda vez ou, então, naqueles nos quais o acesso já persiste há mais de uma semana. Portanto, o aumento do tamanho do baço é raro nos doentes com ataque primário e, quando presente, pode indicar doença mais agressiva, com alta parasitemia.2
Entretanto, é comum a palpação do baço em infantes.
Os principais indicadores clínicos de mau prognóstico, para pacientes com malária grave, são: idade menor que três anos, coma profundo, convulsões, ausência de reflexos corneanos, rigidez de descerebração, sinais clínicos de insuficiência renal ou edema agudo de pulmão e hemorragia retiniana. Entre os critérios laboratoriais de mau prognóstico, destacam-se: parasitemia maior que 250.000/mm3, hematócrito menor que 20%, hemoglobina menor que 7,1 g/dl, glicemia menor que 40mg/dl e creatinina maior que 3,0mg/dl .

9.3-DIAGNÓSTICO
O elemento mais importante no diagnóstico clínico da malária, tanto nas áreas
endêmicas como nas não-endêmicas, é sempre se pensar na possibilidade da doença.
Diante de quaisquer dos sintomas anteriormente referidos, associados à história do
paciente ter estado em área endêmica nos últimos 30 dias deve-se suspeitar de malária. Deverá ser então realizada a hemoscopia de gota espessa, coletada por punção digital e preparada segundo técnica de Walker.3 Outros meios de diagnóstico são o QBC (Quantitative Buffy Coat) e o DIPSTICK (PARA SIGHT F), que detectam os antígenos HRP-2 de P. falciparum. A técnica de PCR ( reação de polimerização em cadeia) é outra possibilidade diagnóstica, embora não esteja disponível para uso clínico rotineiro.
Na maioria dos casos, a hemoscopia revela a presença de parasita da malária. Os
exames de gota espessa são mais úteis do que os de esfregaço na identificação do plasmódio, principalmente quando a parasitemia é baixa.
A metodologia laboratorial padrão ouro, utilizada para o diagnóstico parasitológico
quantitativo e qualitativo da malária, é a gota espessa de sangue e, o método de coloração, o de Walker.
O resultado do exame de gota espessa é emitido seguindo as seguintes abreviações:
F- P. falciparum, Fg- gametócito de P. falciparum, V- P. vivax, M- P. malariae e V+Fg ou V+F- mista. Em frente à sigla da espécie, descreve-se a quantidade em número ou em cruzes. (Quadro)

CardioAula - Médico escrevendo coração de ECG

O diagnóstico diferencial da malária deve ser feito com meningite, febre tifóide,
septicemia, influenza, hepatites, leptospirose, arboviroses (febre amarela, dengue, febres
hemorrágicas) e todos os tipos de encefalite viral. Nas gestantes, deve-se distinguir a malária da infecção puerperal, das infecções urinárias e das mastites. Nas crianças, as convulsões causadas pela malária devem ser distinguidas das convulsões febris.
Em Belo Horizonte, o exame de gota espessa pode ser realizado no Centro de Referência em Malária localizado na Faculdade de Medicina da UFMG, Av. Alfredo Balena 190 sala 3042,
telefone: 0XX31 32220629

9.4 – TRATAMENTO DA MALÁRIA
TRATAMENTO GERAL
Todo indivíduo com febre alta, diária ou não, com ou sem calafrios e/ou sudorese intensa, lombalgia, cefaléia, vômitos e artralgias, procedente de área malarígena, especialmente da Região Amazônica, deve ser considerado como suspeito de apresentar infecção malárica. A etiologia é comprovada pela hematoscopia positiva.
Em caso de suspeita de malária por P. falciparum, quando a epidemiologia é compatível
com o diagnóstico de infecção e vindo da região endêmica há menos de 20 dias estamos
autorizados a iniciar terapêutica para P. falciparum mesmo com microscopia negativa.
Os pacientes com malária devem ser mantidos em repouso no leito, devido à freqüente
hipotensão postural. Temperaturas corpóreas acima de 38,5oC associam-se com convulsões febris, em especial entre as crianças e, entre 39,5 e 42oC, com coma e seqüelas neurológicas permanentes. As temperaturas elevadas em gestantes com malária contribuem para o sofrimento fetal. Conseqüentemente, a temperatura deve ser controlada por compressas frias ou drogas antipiréticas, como paracetamol e dipirona.
Os critérios para internação em relação ao P falciparum são: oligúria, hematúria, cefaleia intratável, icterícia, dispnéia e vômitos incoercíveis. Em relação à parasitemia, internar sempre que esta for maior que 79.000 parasitas por mm3. É importante a verificação do nível de consciência do paciente, e interná-lo sempre que houver alteração deste parâmetro. Para o P. vivax, são raros os casos que necessitam de internação, destacando-se os casos de vômitos freqüentes e ocomprometimento do estado geral.
Constituem critérios clínicos de gravidade: coma, anemia com hematócrito menor que
15% e/ou hemoglobina menor que 5 g/dl ou diurese menor de 400ml em 24h, ocorrência de síndrome da angústia respiratória do adulto, hipoglicemia com glicose menor que 40mg/dl, pressão sistólica menor que 70 mmHg; sangramento espontâneo, convulsões generalizadas em número de duas em 24 horas, acidemia com pH menor que 7,25 e/ou bicarbonato menor que 15 mmol/l, hemoglobinúria macroscópia e alta parasitemia, mais de 79.000 parasitas /mm3.
Todas as gestantes com malária devem ser consideradas de alto risco, e internadas em caso de vômitos ou sinais que indicam maior gravidade. As com malária grave devem ser transferidas para unidades de tratamento intensivo, quando possível. Não se deve operar uma gestante em crise hemolítica. O parto normal ou cesárea deve ser feito após a depuração total da parasitemia.
A hipoglicemia pode constituir sério problema na malária grave, principalmente em
gestante e crianças. A glicose pode ser administrada por via endovenosa ou por sonda
nasogástrica.4
Os seguintes parâmetros devem ser observados no controle clínico e laboratorial:
A- Glicemia, as drogas anti-maláricas são hipoglicemiantes, assim como a própria
infecção malárica, já que o parasita consome glicose em seu metabolismo. Esses fatores
predispõem à hipoglicemia.
B- Plaquetas – há tendência à plaquetopenia.
C- Hemoglobina – a hemólise é característica da malária, levando à anemia.
D- Uréia e creatinina – deve-se verificar a função renal, comumente comprometida na
malária grave. Em caso de diminuição da diurese, faz-se necessária a hidratação por infusão de solução salina; se ocorrer insucesso, iniciar emprego de diuréticos, preferencialmente a furosemida, em doses crescentes a cada meia hora, até 500mg. A dopamina é uma outra opção, caso a terapêutica diurética seja infrutífera devendo ser administrada na dose de 2,5mg/kg/min
Apesar da administração de líquidos ser benéfíca para a função renal, deve-se lembrar que, devido ao comprometimento de múltiplos órgãos, essa conduta pode levar ao agravamento da função pulmonar, motivo pelo qual deve-se, sempre que possivel, monitorizar a pressão de artéria pulmonar (Swan-Ganz). Se ocorrer grande aumento das escórias, hipercapnia, acidose metabólica e/ou sobrecarga de fluidos, indica-se a diálise, até que haja a recuperação dos rins. A diálise peritoneal é adequada na maioria dos casos.5
Resistência ao tratamento antimalárico.
Resistência é a capacidade de sobrevivência ou multiplicação demonstrada pelos parasitas de uma cepa, apesar da administração e absorção de um medicamento em doses iguais ou superiores às normalmente administradas nos limites de tolerância do doente. Comumente a malária por P.falciparum é capaz de desenvolver resistência, ocasionando sério problema terapêutico. Sempre que se detectam casos resistentes, o esquema terapêutico deve ser modificado. Por isso, a importância de se contar com arsenal terapêutico completo e variado.

ESQUEMAS TERAPÊUTICOS
O tratamento da malária objetiva: 1) atingir a cura clínica, pela destruição das formas
sangüíneas assexuadas dos parasitas; 2) impedir as recidivas, nos casos de P.vivax e P. ovale, pelos hipnozoitos incubados no fígado; e 3) reduzir as fontes de infecção, pela destruição dos gametócitos que podem infectar os anofelinos, impedindo, assim, a propagação da doença à coletividade.
Tratamento da malária por P falciparum.
Esquema 1 – Quinino associado à tetraciclina ou doxaciclina.
O emprego associado de quinino e tetraciclina constitui o principal esquema de tratamento padronizado no Brasil, principalmente em áreas endêmicas. O quinino deve ser administrado preferencialmente por via oral e, em casos de vômitos, por via endovenosa. A dosagem é de 30mg/kg/dia, durante três dias, dividido em duas ou três doses. Por via endovenosa, empregamse as mesmas dosagens, diluindo-se as ampolas em 200ml de solução glicosada e administrando-as em três horas. Associar a tetraciclina na dose de 500mg, três vezes ao dia, por sete dias. Evitar leite e derivados durante o tratamento, para não ocorrer a inativação da tetraciclina. Caso o paciente não esteja em condições de receber administração oral, por motivo de vômitos, trocar a tetraciclina pela clindamicina venosa (ver esquema 3). A tetraciclina também pode ser substituida pela doxiciclina na dosagem de 100mg duas vezes ao dia por cinco a sete dias dias.6
Esquema 2 – Mefloquina.
Emprega-se mefloquina, 16 mg/kg dose única, via oral. Em áreas não-endêmicas, desde
que o paciente não pretenda retornar para região endêmica nos próximos 30 dias, este esquema pode ser usado como primeira opção, não havendo, assim, risco de resistência do P. falciparum pela contato prolongado com a droga, que tem meia-vida por mais de 20 dias.
Este esquema, pode ser usado em gestante somente após o primeiro trimestre da
gestação. Por ser droga derivada do quinino, pode também ocasionar contrações uterinas, parto prematuro, mal estar fetal e abortamento. Neste esquema, obtém-se a cura em 97% dos casos, após 21 dias.
Se a administração de mefloquina torna-se necessária após emprego de quinino, em
casos de resistência a esta droga, deve-se aguardar 18 horas após a última dose de quinino, para evitar-se agravamento dos efeitos colaterais, principalmente de vômitos.
Esquema 3 – Quinino associado à clindamicina. Para crianças com menos de oito anos, e para gestante em qualquer época da gestação, situações em que a tetraciclina é contra-indicada, a associação de quinino com a clindamicina é o esquema terapêutico preferencial, pela sua eficácia e inocuidade para a mãe e para o feto. As
drogas são bem toleradas, exceto na administração oral da clindamicina. O quinino deve ser administrado na dosagem de 10mg/kg/peso, via oral, ou endovenoso, três vezes ao dia, por três dias, associado à clindamicina 7mg/kg/dose, três vezes ao dia, por sete dias, via oral ou endovenosa. Este esquema é indicado também em casos de vômitos, pela facilidade da administração venosa.
Esquema 4 – Quinino.
Também indicado para crianças com menos de oito anos, onde a tetraciclina não pode ser usada, e naquelas com menos de 30 quilos, onde a artemisinina é contra indicada, e nas gestantes em qualquer período da gravidez. O esquema empregando quinino durante sete6 a 10 dias é bastante seguro, embora possa induzir contrações uterinas e causar eliminação de mecônio durante o parto. Apesar do quinino ser, além disso, droga potencialmente teratogênica, esses efeitos são considerados de importância secundária em relação aos benefícios dessa droga no tratamento da malária por P. falciparum na gestação. O quinino é empregado na dose de 10mg/kg/dose, de 8/8 horas, via oral, ou por via endovenosa, em caso de vômitos, (diluir em solução glicosada 200 ml e infundir em três a quatro horas ). Dar preferência para a administração oral, e internar todos os pacientes com vômitos ou parasitemia alta (acima de 75000 parasitas por mm3 ou+++). Oferecer glicose à vontade, via oral ou endovenosa (o quinino estimula a produção de insulina e pode levar à hipoglicemia, que agrava o prognóstico). Este esquema apresenta o inconveniente de ser uma monoterapia, sendo que, em caso de resistência
ao quinino, o prognóstico torna-se pior.
Esquema 5 – Derivados da artemisinina
Os derivados da artemisinina têm-se mostrado muito eficazes e de ação muito rápida na
redução e eliminação da parasitemia. Entretanto, têm sido descritos casos de resistência a estas drogas. Assim , é necessário que esses medicamentos não sejam utilizados de forma abusiva.
A artemisinina é medicação de ação muito rápida quanto à depuração da parasitemia.
Deve ser reservada para os casos graves ou multirresistentes, principalmente quando a
parasitemia estiver acima de 75000 parasitas por mm3. Apresenta o inconveniente de não levar à cura radical, o que torna necessária a associação com outra droga. O tratamento completo compreende a administração da droga na dose de 1,6 mg/kg por via endovenosa, nas horas zero, quatro, 24, 48 e 72. No segundo ou terceiro dia de tratamento, sua administração deve ser associada com o uso da mefloquina, na dose de 16 mg/kg/dia, em dose única. Em casos de gestante no primeiro trimestre, a mefloquina deve ser substituída pela clindamicina, 21mg/kg/dia, via oral ou endovenosa, por sete dias, iniciando-se seu uso no primeiro dia de tratamento. A artemisinina também pode ser administrada, por via intramuscular, nas mesmas dosagens, nas horas zero, 12, 24, 48 e 72 ou por via oral, 100mg na primeira dose e 50mg de 12 em 12 horas, por cinco dias.7
Esquemas de tratamento da malária por P. vivax, P. ovale e P.malariae
Emprega-se a cloroquina 10 mg/kg/dose, no primeiro dia, e 7,5 mg/kg/dose, nos segundo e terceiro dias, em dose única diária. Nas infecções pelo P.vivax e P.ovale inicia-se também o tratamento com a primaquina no primeiro dia, visando eliminar os hipnozoítos presentes nos hepatócitos, na dose de 0,25 mg/kg/dia, em dose única diária, por sete dias. Nos três primeiros dias, a droga deve ser administrada junto com a cloroquina. Em caso de gestantes e crianças com menos de seis meses, o tratamento é feito apenas com a cloroquina, pois o uso da primaquina está contra-indicado. Entretanto, para evitar as recaídas, nesses casos a cloroquina deve ser administrada na dose de 5 mg/kg por semana, em dose única, até poder-se administrar a primaquina, que deve ser dada na dosagem de 0,25 mg/Kg/dia por 14 dias, sempre que se desejar tratamento radical (até o termino da lactação ou até a criança completar seis meses). Em
casos de vômitos, ou estado geral debilitado, administrar a cloroquina endovenosa nas mesmas dosagens da via oral em regime de internação. A medicação deve ser diluída em solução glicosada e infundida em quatro horas). A primaquina deverá ser administrada assim que o paciente estiver em condições de deglutir sem a ocorrência de vômitos.
Em casos de recaída, ou seja, retorno da parasitemia sem que o paciente tenha voltado à
área endêmica, e durante as verificações de cura, adota-se a seguinte conduta: a) na primeira recaída, repete-se o esquema 1, prolongando o emprego da primaquina por 14 dias; b) na segunda recaída, repete-se o esquema 1, prolongando-se a administração de primaquina por 21 dias; c) na terceira recaída, repetir o esquema 1, porém com dose dobrada de primaquina (0,50 mg/Kg/dia por 14 dias). Deve-se verificar se o paciente tomou corretamente a medicação, e se a dosagem prescrita estava de acordo com o peso do paciente.
Esquemas para malária mista
Em zonas de alta endemicidade de infecções por P.vivax e P.falciparum, grande
porcentagem das pessoas é infectada por estas duas espécies de parasitas, apesar de não ser comum encontrá-los, simultaneamente, no sangue periférico; quando isto ocorre, estamos diante de uma “infecção mista”.
Quando ocorre a infecção por duas espécies de Plasmodium, em um mesmo indivíduo,
deve-se tratá-la como se fosse causada por P.falciparum e completar o tratamento com 14 dias de primaquina, como no esquema para P.vivax.
Casos de malária mista em gestantes devem ser tratados como infecções causadas por
P.falciparum , já que toda a medicação eficaz para o P.falciparum é também eficaz para as outras espécies. A cloroquina na dose de 5 mg/kg/semana, via oral, deverá ser mantida para prevenir as recaídas do P.vivax , que permanece aninhado no fígado sob a forma de hipnozoíto, até se poder fazer o tratamento com a primaquina, conforme o esquema para P. vivax.
Durante a gestação, contra-indica-se o uso de primaquina para erradicação dos
gametócitos do sangue. Contudo, a paciente deve ser orientada a não freqüentar locais onde exista transmissão da malária.

CONTROLE DE TRATAMENTO
Nas infecções por P.vivax, P.ovale e P.malariae, as lâminas de verificação de cura (gota
espessa) devem ser feitas mensalmente, por seis meses, iniciando-se a investigação a partir do trigésimo dia após o término da medicação, e sempre que o paciente apresentar algum sintoma, principalmente febre. Orientar o paciente quanto à nacessidade de se efetuar o retorno até dois anos após a doença, em caso de ocorrência de febre.
O controle ambulatorial de malária por P.falciparum deve ser feito diariamente até a
depuração da parasitemia e semanalmente, por um mês, e sempre que ocorrer febre ou outros sintomas sugestivos de infecção.
Em caso de infecções mistas, o controle ambulatorial e as lâminas de gota espessa devem ser feitas diariamente, até a depuração da parasitemia e, semanalmente, por um mês. Também deve ser feito um controle mensal por seis meses, iniciado um mês após o término da primaquina, a fim de controlar as recaídas do P. vivax . Sempre, em caso de febre ou outros sintomas, o paciente deve estar orientado para retornar ao atendimento e repetir seu exame.

ASPECTOS ESPECIAIS DO TRATAMENTO DA MALÁRIA
Tratamento de gestantes- Na gestante, mais do que em outros pacientes, a malária
apresenta evolução fatal, talvez em decorrência do perfil imunológico dessas pacientes. Como mecanismo de proteção do feto, para que o mesmo não sofra rejeição imunológica materna, há, na gravidez, queda significativa da imunidade celular8 e, também, depressão não-quantitativa da imunidade mediada por anticorpos, decorrente da hemodiluição própria da gravidez9. O uso de derivados da artemisinina em gestantes graves, em qualquer fase da gestação, foi autorizado pela OMS, não se recomendando, porém, o emprego da mefloquina no primeiro trimestre da gestação.
Uso da primaquina como gametocitocida- A primaquina deve ser usada no sétimo dia
de tratamento para eliminar os gametócitos e evitar a transmissão do P.falciparum,
independentemente de qual esquema foi instituído, na dosagem de 45mg/dose única ou
0,75mg/kg/dose. O uso desse gametocitocida pode retardar o aparecimento de resistência.
Tratamento da malária grave- O emprego de corticosteróides acarreta efeitos
indesejados na evolução da malária cerebral, sendo contra- indicado nesta condição. 10 Por outro lado, existem indícios de que o uso de pentoxifilina, inibidor da síntese do fator de necrose tumoral, possibilita melhor evolução clínica em crianças comatosas. No tratamento da malária grave, é fundamental a disponibilidade de drogas de atuação rápida como os derivados da artemisinina e o quinino. A exsangüíneotransfusão pode ser empregada excepcionalmente, principalmente quando ausentes as drogas de atuação rápida. As complicações mais importantes são: hipoglicemia, anemia, diminuição da diurese, dispnéia, hipertermia, convulsões, choque, sangramento, confusão mental. Em relação ao tratamento destas complicações, destaca-se a entubação oro-traqueal, para permitir melhor assistência ventilatória e prevenir o surgimento de pneumonia aspirativa. Deve-se evitar compressas frias em caso de hipertermia, dar preferência à
ventilação e antitérmicos. O emprego do diazepam é indicado nas crises convulsivas. Em caso de choque, procurar afastar outras infecções e corrigir a hipovolemia com expansor adequado (plasma ou dextran) e, caso necessário, empregar drogas vasotivas. Repor sangue fresco ou fatores da coagulação em falta nos caso de sangramento; se o
tempo de protrombina apresentar-se aumentado, a vitamina K deverá ser administrada. A monitorização hemodinâmica, que permite um correto balanço hidro-eletrolítico, é
extremamente útil nos casos de malária grave.

9.5 – PROFILAXIA
Existem vários tipos de profilaxia da malária, dentre eles a destruição de larvas de anofelinos através de saneamento. Para tanto, utiliza-se de controle com larvicida e controle biológico coletivo. A redução de criadouros por saneamento peridoméstico e engenharia sanitária apresenta bons resultados, Entretanto, não se dispensa a participação social e comunitária, por motivação familiar e pessoal, para um bom êxito do controle da transmissão. Para a profilaxia, é importante a caracterização da micro-estrutura epidemiológica, observando-se os fatores de risco, a dinâmica de transmissão e os criadouros. Enfim, criando-se a mentalidade malárica, que é a atenção para a doença, evitando-se diagnósticos tardios. Qualquer indivíduo que viaja para uma zona endêmica apresenta risco de contrair malária. Nenhum regime profilático fornecerá proteção total, mas muitos reduzirão substancialmente o risco de um episódio de malária.6 Na eventualidade do aparecimento de febre, enquanto estiver viajando ou depois, a malária
deve ser considerada como um dos diagnósticos.
A prevenção da malária por quimioprofilaxia, particularmente para aqueles indivíduos que residem em áreas não-malarígenas mas que visitam áreas endêmicas, é, no momento, um procedimento polêmico. Os estudos publicados não são suficientemente concordantes ou consistentes, não estando, ainda, adequadamente mapeado o grau de resistência das diversas cepas de P.falciparum aos agentes usados na quimioprofilaxia. As normas publicadas vêm
sendo modificadas habitualmente, sendo dirigidas para áreas de alta endemicidade e parcos recursos diagnósticos e terapêuticos.11
De maneira geral não se recomenda no Brasil a profilaxia medicamentosa, sendo
preferível optar-se por medidas individuais de proteção contra as picadas dos anofelíneos.
Em situações especiais, contudo, pode-se recorrer à mefloquina, na dose de 250mg por semana, iniciando-se a medicação duas semanas antes da viagem à área endêmica, e mantendo-se um comprimido por semana, sempre no mesmo dia, até quatro semanas após o retorno da área endêmica. Entretanto, a mefloquina não previne a infecção, atuando na corrente sangüínea pela inibição do desenvolvimento do parasita e suprimindo os sintomas clínicos. Não devem fazer uso desse esquema de quimioprofilaxia os viajantes alérgicos à
droga, com história pregressa de psicose ou convulsões, os que apresentam distúrbios de condução cardíacos, as grávidas e os que apresentam efeitos colaterais importantes à administração dos primeiros comprimidos.
Há várias maneiras adicionais de se reduzir o risco da malária, como a utilização de cortinados e uso de inseticida quando as portas são fechadas, roupas que impedem as picadas dos insetos, “sprays” e sabões repelentes e cautela para evitar as picadas à noite.

VACINAÇÃO ANTIMALÁRICA HUMANA
O desenvolvimento de vacina eficaz contra infecção pelo P. falciparum representa fato
auspicioso, devido as elevadas taxas de morbiletalidade da doença, especialmente em crianças. Embora não exista uma vacina antimalária comercialmente disponível, diversos estudos vêm despontando com vista à produção de vacinas antimaláricas com parasitas totais, frações purificadas e subunidades sintéticas ou produzidas pela técnica de recombinação gênica.