Proteína capaz de aniquilar células tumorais

Uma equipe brasileira de cientistas – incluindo profissionais do INCA – desvendou um mecanismo molecular que controla a expressão de uma proteína capaz de aniquilar as células tumorais na leucemia mieloide crônica (LMC). A proteína, descoberta em 1995, é considerada um dos mais poderosos recursos naturais do organismo para deter o câncer.

No entanto, em certos tipos de câncer há uma inibição da expressão dessa proteína, conhecida como Trail (sigla em inglês para ligante indutor de apoptose relacionada ao fator de necrose tumoral), o que permite a evolução do tumor.

O estudo, que mostrou como a “armadilha contra o câncer” é desmontada, abre caminho para a investigação de alternativas terapêuticas para a doença. Coordenado por Gustavo Amarante-Mendes, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho teve colaboração de outros grupos de pesquisa, como as equipes coordenadas por Eliana Abdelhay, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Marco Antonio Zago, pró-reitor de Pesquisa da USP, e pelas professoras Fabíola Castro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, e Jacqueline Jacysyn, da Faculdade de Medicina da USP.

Segundo Amarante-Mendes, a proteína Trail induz suas células-alvo à morte, iniciando um complexo e bem regulado programa molecular conhecido como apoptose, que é acionado durante o desenvolvimento embrionário, para formar de maneira apropriada órgãos e tecidos. Na vida adulta, a apoptose – ou morte celular – desempenha um papel fundamental na renovação das células.

“Os defeitos no processo de apoptose são observados em diversas formas de câncer e a aquisição de resistência à apoptose é considerada uma das etapas do processo de gênese do tumor. Algumas formas de câncer são capazes de desenvolver resistência à morte induzida por Trail. Outras, como a LMC, inibem a produção de Trail, escapando desse importante mecanismo de defesa. Nosso estudo demonstrou o funcionamento desse mecanismo molecular”, disse Amarante-Mendes.

A LMC, segundo o cientista é causada por uma proteína quimérica – isto é, que não deveria existir normalmente no organismo -, que surge como resultado de uma “confusão” entre os cromossomos 9 e 22, que trocam trechos entre si. “É o que se chama de translocação gênica: a proteína ABL, do cromossomo 9, é transferida para a região BCR do cromossomo 22. Isso gera um cromossomo atípico, denominado cromossomo Filadélfia, associado à LMC. O nosso estudo investigou os mecanismos moleculares responsáveis pela inibição da expressão de TRAIL nas células leucêmicas BCR-ABL-positivas”, explicou.

Inicialmente, a equipe observou que a expressão de Trail diminuía expressivamente com a progressão da LMC e essa diminuição estava diretamente relacionada ao aumento na expressão de uma outra proteína: a Prame (sigla em inglês para antígeno preferencialmente expresso do melanoma).

“A Prame normalmente não é encontrada em células normais, mas está presente com frequência nas células tumorais. Depois de constatar isso, nós observamos que a Prame é diretamente responsável por inibir a expressão de Trail em células leucêmicas”, disse Amarante-Mendes.

De acordo com ele, a Prame é responsável por recrutar proteínas capazes de inibir a transcrição gênica por meio de mecanismos epigenéticos. “O trabalho mostrou também que esse mecanismo tem implicações terapêuticas para a LMC, uma vez que a inibição de Prame, por RNA de interferência, é capaz de gerar uma maior expressão de Trail, deixando as células leucêmicas mais suscetíveis à apoptose e, consequentemente, à terapia”, afirmou.

É possível que o mesmo mecanismo desvendado pelos pesquisadores, segundo ele, possa ocorrer não só na LMC, mas também em outros tipos de tumores onde a expressão de Prame é elevada.