Posso prescrever os novos anticoagulantes orais em pacientes com fibrilação atrial e doença valvar?

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Os anticoagulantes orais de ação direta ou não-antivitamina K (NOACs), inibidor do fator II ativado (dabigatrana) e os inibidores do fator X ativado (rivaroxabana, apixabana e edoxabana), já aprovados para utilização em pacientes com fibrilação atrial (FA) não-valvar, são objeto de diversos estudos em pacientes com fibrilação atrial e doença valvar.

O termo fibrilação atrial (FA) valvar não é o mais adequado para descrever uma miscelânea de pacientes com diferentes tipos de doenças valvares que foram incluídos nos grandes estudos internacionais com NOACs (RE-LY, ROCKET-AF, ARISTOTLE e ENGAGE-AF). De um total de 71.683 pacientes 13.585 (18,95%) apresentavam alguma doença valvar associada à fibrilação atrial. As doenças valvares mais frequentes foram as insuficiências mitral, tricúspide e aórtica, e a análise desses subgrupos demonstraram que os NOACs parecem eficazes e seguros em pacientes com doença valvar nativa como naqueles sem doença valvar. No entanto, os pacientes portadores de próteses valvares mecânicas e estenose mitral moderada a grave foram excluídos de todos os estudos.

As Diretrizes americanas e europeias de fibrilação atrial e de valvopatias sugerem que o termo FA valvar deveria ser utilizado apenas para indicar que a causa da FA estava relacionada com a presença de próteses valvares ou valvopatia reumática (predominantemente estenose mitral) e recomendam ser razoável a utilização de um DOAC como alternativa ao antagonista da vitamina K em pacientes com FA e valvopatia nativa aórtica, tricúspide ou insuficiência mitral e um escore CHA2DS2-VASc ≥ 2. Os antagonistas da vitamina K (INR=2,0 a 3,0) ao contrário dos NOACs são indicados para os pacientes com FA e estenose mitral reumática (1,2,3). Tabela 1.

Os resultados de uma metanálise comparando pacientes com FA sem valvopatias com pacientes com FA e valvopatias em uso de NOACs versus varfarina revelaram redução do risco de AVC hemorrágico com os NOACS em comparação com varfarina também no subgrupo de pacientes com doença valvar. Observou-se ainda uma não-inferioridade em termos de redução do AVC isquêmico, sangramento maior e mortalidade por todas as causas no subgrupo com doença valvar nos pacientes em uso de NOACs em comparação à varfarina (4).

Tabela 1: Recomendações das diretrizes de valvopatias das Sociedades Brasileira, Americana e Europeia de Cardiologia para valvopatias nativas

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A utilização de NOACs em pacientes portadores de próteses mecânicas está contraindicada de acordo com todas as diretrizes nacionais e internacionais (5). Tabela 2.

Tabela 2: Recomendações das diretrizes de valvopatias das Sociedades Brasileira (2017) Americana (2017) e Europeia (2018) de Cardiologia para próteses mecânicas

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Esses pacientes foram avaliados no estudo RE-ALIGN, que comparou dabigatrana nas doses de 150, 220 e 300mg duas vezes ao dia versus varfarina (INR: 2,0 a 3,5). O estudo foi interrompido precocemente devido a ocorrência excessiva de eventos tromboembólicos (acidente vascular cerebral isquêmico, ataque isquêmico transitório, trombose de prótese e infarto agudo do miocárdio) e hemorrágicos (sangramento maior, sangramento pericárdico e sangramento menor) no grupo em uso de dabigatrana. Os resultados indicaram que a dabigatrana nas doses testadas não foi tão efetiva quanto a varfarina na prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com próteses mecânicas e esteve associada com aumento do risco de sangramento. A hipótese sugerida pelos pesquisadores do estudo seria de uma relativa inabilidade da dabigatrana em atuar sobre fatores de coagulação ativados quando o sangue é exposto à superfície das valvas protéticas (6). Tabela 3.

Tabela 3: Eventos tromboembólicos e hemorrágicos do estudo Re-ALIGN – Comparação de dabigatrana e varfarina em pacientes portadores de próteses mecânicas

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Concluindo, nós já podemos prescrever os NOACs para pacientes com FA e valvopatia nativa aórtica, tricúspide ou insuficiência mitral e um escore CHA2DS2-VASc ≥ 2, no entanto, esses fármacos ainda são contra-indicados para pacienes com estenose mitral e próteses valvares. Diversos estudos comparando os NOACs versus varfarina em pacientes com FA e estenose mitral e biopróteses estão em andamento nesse momento.

Dra. Idelzuita Leandro Liporace

Médica assistente responsável pelo Setor de Anticoagulação Oral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Investigadora principal dos estudos RIVER e AVERROES

E sub-investigadora dos estudos ARISTOTLE e ACTIVE

Referências bibliográficas:

1-De Caterina R, Camm AJ. What is “valvular” atrial fibrillation? A reappraisal. Eur Heart J 2014;35:3328

2-Nishimura RA et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;11;70(2):252-289. doi: 10.1016/j.jacc.2017.03.011

3-Steffel J et al,European Heart Journal (2018) 00, 1-64

4-Renda G et al. JOURNAL OF THE AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY. 2017; 69(11):1363-71

5-Tarasoutchi F et al, Arq.Bras.Card.,Volume 109, Nº 6, Supl. 2, Dezembro 2017

6-Van de Werf. Am Heart J 2012; 163:931-937