Posicionamento da SBC sobre uso de antiplaquetários e anticoagulantes no contexto de COVID-19

Baixe o arquivo SBC Covid 19!

Na internação dos pacientes com diagnóstico ou suspeita de COVID-19 sabemos que entre os fatores de risco para evolução desfavorável, os cardiovasculares são os principais:

  • Hipertensão arterial
  • Diabetes
  • Doença cerebrovascular
  • Outros: idade >60anos, DPOC, pneumopatias, Insuficiência renal, imunossuprimidos, obesidade, gestante

Estes pacientes apresentam maior risco de eventos trombóticos, como síndrome coronariana aguda (SCACSST – SCASSST), acidente vascular cerebral (AVC).

Este artigo nos traz recomendações sobre uso de medicamentos antiplaquetários e anticoagulantes em pacientes com suspeita ou infecção confirmada por COVID-19 em diversas situações clínicas:

  • Fibrilação atrial
  • Síndrome coronariana aguda
  • Doença arterial coronariana crônica
  • Intervenção coronariana percutânea
  • Pós-cirurgia cardíaca
  • Acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico
  • Tromboembolismo venoso

Fisiopatologia

O vírus SARS-CoV-2 tem como receptor e porta de entrada a enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2). A ECA2 tem participação na função ventricular. Em modelos animais que tem expressão reduzida de ECA2, foi observado disfunção ventricular esquerda severa.

A infecção por SARS-CoV-2 é causada pela ligação da proteína spike da superfície viral (previamente ativada pela protease serina 2 transmembrana -TMPRSS2-) ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2).

A ECA 2 está presente no pulmão; nas células alveolares do tipo II; sendo a principal porta de entrada. Ao se ligar à ECA-2, SARS-CoV-2 gera downregulation desta enzima e determina aumento dos níveis de angiotensina II, o que pode levar aos efeitos deletérios da ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona: Vasoconstrição, alteração de permeabilidade vascular, e injúria pulmonar aguda.

No coração, a ECA2 neutraliza os efeitos da angiotensina II como hipertensão arterial sistêmica (HAS), insuficiência cardíaca (IC) e aterosclerose, por converter angiotensina II em angiotensina I-VII, com efeitos cardioprotetores. O downregulation desta enzima leva, portanto, injúria miocárdica importante.

Encontramos ainda ECA-2 no epitélio intestinal, endotélio vascular e rins, vendo, portanto, o grau de agressão deste vírus nos múltiplos órgãos que pode ser observada na infecção por SARS-CoV-2.

Figueiredo Neto JA, Marcondes-Braga FG, Moura LZ, Figueiredo AMS, Figueiredo VMS, Mourilhe-Rocha R, Mesquita ET. Doença de Coronavírus-19 e o Miocárdio. Arq. Bras. Cardiol. 2020;114(6):1051-7.

ATENÇÃO!!! Os inibidores da ECA (IECA) e os bloqueadores de receptores de angiotensina (BRA) devem ser mantidos nos pacientes em uso prévio e infecção por COVID.

Baixe Covid IECA BRA

Injúria Miocárdica

Conforme estudos como o de Shis et cols, é alta a incidência de injúria miocárdica, chegando a 20-30% dos pacientes internados, sendo presente também em 40% nos óbitos. Elevação de troponina e D-dímero, estão associados a pior prognóstico, com maior necessidade de internação em UTI, ventilação mecânica e morte.

Fatores envolvidos além do efeito citotóxico do vírus, encontramos falência respiratória, hipoxemia, disfunção microvascular, disfunção endotelial, ativação plaquetária, disfunção hepática, que podem levar a ruptura da placa aterosclerótica.

A Síndrome Coronariana é uma patologia observada nestes pacientes devido a aumento da atividade trombótica já descrita. Mas nem toda alteração eletrocardiográfica como supradesnivelamento do segmento ST é síndrome coronariana aguda nestes pacientes!!!

Exemplo disto foi o estudo Bangalore e cols -NEJM 2020 – onde relataram 18 casos de elevação do segmento ST, sugerindo SCA com supra de ST. Dentre eles, 4 tinham elevação difusa e 14 tinham elevações focais do segmento ST. 50% dos pacientes fizeram cineangiocoronariografia e 33% não tinham doença coronariana obstrutiva. No total, 44% dos pacientes tiveram diagnóstico de infarto agudo do miocárdio.

Portanto, o tratamento clínico assim como a estratificação invasiva deve levar em conta o quadro clínico, resultado de exames complementares assim como a disponibilidade de serviço de hemodinâmica.

Baixe STSegment Elevation in Pacients with Covid 19 a Case

Interessante e preocupante ao mesmo tempo foi o aumento de parada cardíaca extra-hospitalar, e menor incidência de SCA. Isto sugere uma menor procura da população aos serviços de emergência devido ao isolamento social e o medo por infecção por COVID.
Tudo isto leva ao novo estilo de vida mais sedentário, menor atividade física, alimentação inadequada favorecendo o desencadeamento de novos eventos trombóticos com AVE e SCA.

Interações Medicamentosas e Efeitos Cardiovasculares Pró/Antitrombóticos

Antirretrovirais

O lopinavir/ritonavir produz alargamento do intervalo QT e PR, principalmente em pacientes que já apresentam QT longo.  Tanto a ribavirina quanto o lopinavir/ritonavir potencializam o efeito anticoagulante:

  • Varfarina principalmente por ribavirina
  • NOACS: apixabana e rivaroxabana principalmente lopinavir-ritonavir


Foi observado por exemplo no estudo de Testa e cols -The Cremona experience- que o uso de dabigatrana em pacientes internados por COVID-19 com uso de antivirais, teve aumento dos níveis séricos plasmáticos, com necessidade de suspensão do anticoagulante em > 50% dos pacientes.

O lopinavir-ritonavir:

  • Reduz o nível sérico de metabólitos ativos do clopidogrel
  • Aumenta a atividade do ticagrelor, portanto esta associação não é recomendada
  • A droga ideal é prasugrel, já que parece não ter interferência no efeito antiagregante. Na presença de contraindicações para o uso de prasugrel (AVE prévio, idade avançada, índice de massa corpórea baixa) indica-se o uso de clopidogrel, sendo sugerido a realização de avaliação de atividade plaquetária.

Não há descrições sobre cardiotoxicidade e outras interações medicamentosas importantes até o momento.

Hidroxicloroquina e Cloroquina

São medicações frequentemente utilizadas em pacientes portadores de malária, Lupus eritematoso sistêmico, Artrite Reumatoide. Diversos estudos sobre o impacto da hidroxicloroquina e/ou cloroquina no COVID estão em andamento.

Como efeitos colaterais podemos citar o aumento do intervalo QT, hipoglicemia, retinopatia e distúrbios neuropsiquiátricos. No entanto, não há descrição de interação com medicamentos antiplaquetários ou anticoagulantes.

Corticosteroides

Uso de corticoides pode causar, retenção hídrica, alterações hidroeletrolíticas, hipertensão, hiperglicemia, porém, também não há descrição de interação com medicamentos antiplaquetários ou anticoagulantes.

Heparinas

A estratégia de prescrição de profilaxia química de TEV ou anticoagulação plena (enoxaparina-heparina não fracionada) devem ser consideradas individualmente em todos os pacientes com COVID-19 internados. É importante a pesquisa de tromboembolismo nestes pacientes.

Pacientes com infecção por COVID-19 e embolia pulmonar apresentaram níveis mais elevados de D-dímero do que aqueles sem embolia (p < 0,001), além de maior necessidade de internação em terapia intensiva (75% vs. 32%, p < 0,001).

ATENÇÃO!!!
Um dado interessante do estudo de Lorant e cols foi que a presença de D-dímero > 2.660 µg/L apresentou sensibilidade de 100% e especificidade de 67% para embolia pulmonar.
O D-dímero tem sido associado a maior taxa de mortalidade e parece aumentar progressivamente com a exacerbação da infecção.

Pulmonary Embolism in COVID-19 Patients on CT Angiography and Relationship to DDimer Levels Ian LEONARD-LORANT1

Imunoglobulinas e Anticorpos Anti-IL6

A despeito da discussão do uso de soro convalescente ou plasma, não existe nenhuma recomendação de ajuste de dose de antiplaquetários ou anticoagulantes em pacientes em uso dessa terapia.

No próximo artigo discutiremos as recomendações sobre antiplaquetários -anticoagulantes e trombolíticos nesses pacientes

Dr. Horacio Eduardo Veronesi

  • Formado em Medicina pela Universidad Nacional de Rosario (Arg)
  • Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (SP)
  • Residência em Ecocardiografia pelo Instituto Nacional de Cardiologia (RJ).

Siga nossas redes sociais e fique por dentro dos desafios, artigos e explicações em primeira mão!