Médicos têm de evitar a tentação de culpar o paciente

Casos complicados podem ser atribuídos a má-vontade do doente. Mudanças inteligentes no tratamento, contudo, desprovam isso.

Médicos e psicoterapeutas geralmente não gostam quando seus pacientes não apresentam melhora. Mas o fato é que muitos pacientes fogem à nossa capacidade clínica e à nossa sabedoria terapêutica. É aí que os problemas começam.

Eu conheci um paciente assim, não faz muito tempo. Um homem de 30 e poucos anos, que sofria de depressão desde a adolescência. Em seis anos de psicoterapia, ele tomou praticamente todos os antidepressivos existentes, mas o humor dele não se mexia. Um dia, choramingando em meu consultório, ele explicou que estava deprimido porque ele era um fracassado e um chorão. Até minha terapeuta concordou comigo, disse o paciente. Ela me disse que talvez eu não queira melhorar.

Eu podia imaginar a frustração da terapeuta dele. Ela trabalhava nele havia quase três anos sem nenhum progresso significativo e estava fazendo o que muitos clínicos fazem quando a situação fica ruim: culpar o paciente por não conseguir melhorar. Acho que ele tem um desejo inconsciente de continuar doente, a terapeuta me disse.

Cerca de um mês depois, vi esse paciente responder notavelmente bem a um novo tratamento. Finalmente livre da depressão, ele estava livre e contente – uma reação estranha, convenhamos, para alguém que secretamente queria continuar doente. Não foi só isso. O paciente não se sentia mais um fracassado e estava muito mais animado em relação ao futuro. Decidi desafiá-lo. Como você pode estar se sentindo tão bem apesar de nada na sua vida ter realmente mudado nas últimas semanas?. A resposta: Bom, só penso assim quando estou pra baixo.

Distorções sistemáticas

Exato. O sentimento de insignificância era resultado da depressão dele, não a causa. É fácil entender por que o paciente não conseguia enxergar isso: a própria depressão distorce o raciocínio e derruba a auto-estima. Mas por que a terapeuta colaborava com os sintomas depressivos do paciente e dizia que, na verdade, ele não queria melhorar?

Acredito que por uma razão muito humana. Pacientes crônicos e resistentes a tratamentos podem desafiar a confiança dos próprios terapeutas, que podem estar relutantes em questionar o tratamento; é mais fácil – e menos doloroso – enxergar o paciente como intencionalmente ou inconscientemente resistente.
Eu me lembro de uma senhora indicada por um colega, com uma depressão intratável, na qual tenho especial interesse. Queria muito ajudá-la. Vários meses e muitos tratamentos depois, comecei a ficar frustrado porque ela não melhorava e notei que minha opinião sobre ela mudava. Eu me perguntava se havia algo no papel de pessoa doente que ela achava recompensador.

Afinal, ela recebia visitas constantes de amigos e da família, isso sem mencionar um exército de especialistas médicos que tentava, em vão, curá-la. Se ela melhorasse, poderia perder todo aquele cuidado e atenção. Então, uma bela manhã, logo após o início de uma nova combinação de antidepressivos, ela telefonou. Eu não reconheci a voz alegre do outro lado da linha. Estou me sentindo super bem, ela me disse. Nem um pouco depressiva. Colocando minha alegria de lado, me senti decepcionado porque tinha começado a descartá-la como uma senhora esquisita que não queria saber de ajuda.

Claro, faz parte do bom senso que terapeutas pensem duas vezes sobre o diagnóstico e o tratamento de qualquer paciente que não consegue evoluir seu quadro. Mas essa é uma faca de dois gumes.

Bipolar

Outra paciente, uma jovem com humor instável, foi recentemente hospitalizada com diagnóstico de transtorno bipolar. Quando ela não respondeu a dois estabilizadores de humor, a equipe começou a pensar que se tratava de transtorno de personalidade borderline, que envolve relações emocionalmente caóticas e habilidade comprometida de agir no mundo. Ela é bastante agressiva e aviltante, achamos que ela tem algum transtorno de personalidade sério, disse um dos residentes.

Mas o transtorno bipolar parcialmente tratado pode imitar o transtorno de personalidade borderline. Depois que ela recebeu um terceiro estabilizador de humor, o distúrbio de personalidade dela foi embora, junto com seu comportamento provocador.

Essa paciente havia frustrado os médicos com sua ausência de resposta ao tratamento. Por sua vez, os médicos reagiram mudando o diagnóstico para um distúrbio de personalidade. A mudança de opinião tirava a culpa dos médicos e a colocava na própria paciente, que passou a ser vista mais como má do que doente.

Sem dúvida, alguns pacientes realmente querem continuar doentes. Pessoas com síndrome de Munchausen, por exemplo, produzem intencionalmente sintomas físicos ou psicológicos para expressar o propósito de assumir o papel de doente. E eles fazem coisas extraordinárias para derrotar os médicos que tentam tratá-los. Mas a grande maioria dos pacientes quer se sentir melhor, e para eles o peso da doença já é doloroso o suficiente. Vamos culpar a doença, não o paciente.

Richard A. Friedman
Do New York Times

Richard A. Friedman é professor de psiquiatria da Weill Cornell Medical College.

Fonte: G1