Manejo de pacientes após diagnóstico de Cardiomiopatia periparto

Vamos prosseguir explicando mais detalhes sobre o tema cardiomiopatia periparto. Vamos compreender como deve ser o manejo desses pacientes após o diagnóstico clínico.

Primeiramente, o tratamento implementado deve ter a característica de tratamento da cardiomiopatia materna, impondo o mínimo de risco ao feto.

Lembrando do ensinamento milenar de Hipócrates “primum non nocere”.

A disfunção ventricular associado ao “estado” gestacional de hipercoagulabilidade aumenta em muito o risco de trombo intra e extra-cardíaco. Vamos iniciar ponderando sobre a indicação terapêutica de anticoagulantes.

Aqui teremos a seguinte orientação (com baixo nível de evidência):

  • final da gestação: heparina de baixo peso molecular (enoxaparina)
  • 6-8 semanas após a gestação: warfarin

Indicado como profilaxia primária pela Diretriz Americana quando FEVE < 30% e indicado pela Diretriz Européia quando FEVE <= 35%.

Importante dicas do artigo que todo médico cardiologista deve saber:

  • Dica 1: a warfarina atravessa a placenta, devendo ser evitada no final da gestação.
  • Dica 2: as heparinas de baixo peso molecular não atravessam a placenta, podendo ser usada com segurança durante toda a gestação.
  • Dica 3: warfarin e hbpm podem ser usados com segurança durante a lactação.
  • Dica 4: não usar os doacs (não foram estudados durante a gestação e devem ser evitados durante a lactação).

Baseado em uma das teorias de que a isoforma da prolactina (16kda) tivesse propriedades anti-angiogênicas  e pró-apoptóticas, a ideia de que a inibição de sua produção fosse benéfica surgiu.

Estudos pilotos mostraram de forma bastante otimista uma melhora de sintomas e melhora muito significativa da fração de ejeção, em relação ao nível de vale da mesma.

Porém estudos a posteriores mostraram divergência em relação ao assunto, sendo aguardando um estudo randomizado (rebirth) para resolver esse assunto. A Diretriz Européria baseado nos dados com baixa evidência estatística presentes até hoje coloca como classe de recomendação IIb e nível de evidência b, ou seja, fica a seu critério.

E os pacientes que evoluem com disfunção ventricular grave e choque cardiogênico?

Tratamento medicamentoso semelhante ao dos pacientes em geral.

Como vasodilatador, deve dar-se preferência para a nitroglicerina (devido a possibilidade hipotética de intoxicação por cianeto o nitroprussiato deve ser usado com cautela).

Como inotrópico deve-se dar preferência para o levosimendam e milrinone devendo-se ter cautela com a dobutamina.

E os dispositivos de assistência ventriculares (lvads), apesar de estudos em número pequeno de pacientes, eles se mostram promissores e devem ser implementados até como uma possível ponte para recuperação ou ponte para transplante.

Discutindo sobre esse assunto devemos ter sempre em mente que a determinação do término do parto vai depender da estabilidade materno-fetal e sempre que possível sem determinar prejuízo a mãe, a indicação é obstétrica.

Considerando o uso da bromocriptina, como visto previamente, entramos em um dilema: amamentar ou não o bebê.

Ou seja, baseado em dados do IPAC GROUP mostrando a segurança da amamentação, dos benefícios já conhecidos do leite em relação ao desenvolvimento do bebê e prevenção de doenças futuras, deve ser considerado a sua manutenção até mais dados robustos fortalecendo o uso da bromocriptina.

Como toda cardiomiopatia, existe a possibilidade de evoluir para a morte súbita e com necessidade de uso de cardiodesfibrilador implantável.

Considerando a possibilidade de recuperação da fração de ejeção ao longo do tempo, sempre que possível deve-se esperar pelo menos 3-6 meses para a indicação final (em caso de profilaxia secundária a prioridade passa a ser outra).

E como orientar a contracepção para esses pacientes, já que estamos diante de uma patologia grave e com estado de hipercoagulabilidade?

Progestágenos subcutâneos e implante de mirena são as orientações de escolha, podendo ser discutido com a família a possibilidade de ligadura tubária e vasectomia.

O tratamento medicamentoso para a cardiomiopatia da mãe segue as orientações do uso das clássicas medicações para insuficiência cardíaca (devendo-se evitar o uso de IECA, espironolactona e BRA durante a gestação).

E por quanto tempo manter o tratamento medicamentoso otimizado? A resposta não é tão simples, mas vamos aos dados.

Baseado em dados de um interessante (e pequeno estudo) publicado na revista LANCET em 2018 em que pacientes com cardiomiopatia dilatada com disfunção ventricular que após a melhora total da fração de ejeção ventricular foram randomizados para 2 grupos:

  • Grupo1: suspender o tratamento medicamentoso prescrito previamente para IC.
  • Grupo 2: manutenção da terapia para IC.

E olha que pela primeira vez foi demonstrado que suspender a medicação para IC mesmo após a melhora da fração de ejeção com retorno ao seu nível basal há pior evolução clínica.

Ou seja, manter a terapia até novos dados de forma indefinida ou se for reduzir a mesma deve-se fazer de forma muito gradual.

Com frequência durante o acompanhamento clínico dessa paciente, principalmente, após a melhora clínica vem a questão sobre qual o risco e a possibilidade de uma nova gestação. Vamos entender que não existe uma única resposta para essa pergunta, porém a sua orientação vai se basear em grande parte na FEVE residual da paciente.

Feve normal:

Feve reduzida:

Monitorização rigorosa, avaliação multidisciplinar e orientação dos risco são a base para esse consentimento.

E apesar de hoje sabermos muito mais que há 20 anos ainda pairam questões importantes a serem respondidas.

Clique AQUI e leia artigo excelente de uma cardiomiopatia rara, porém emergente entre os cardiologistas devido ao maior entendimento e interesse em relação a mesma.

Clique AQUI e escute o podcast do Dr. Valentin Fuster.

Dr. Halsted Gomes

  • Médido da UCO e de Unidade pós operatório
  • Especialista em Ecocardiografia Básica, Avançada e Ecocardiografia Transesofágica
  • Especialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.