Mais tempo para a formação em saúde

Antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), teoricamente, os cursos médicos conseguiam formar profissionais qualificados apenas com os seis anos da graduação. Após esse período, com o avanço da tecnologia, do conhecimento e das ciências de um modo geral, sentiu-se a necessidade do aprofundamento em determinadas áreas, daí instituiu-se a chamada residência médica. No Brasil, os médicos começaram a definir as suas áreas de atuação no final dos anos 50 e começo dos anos 60.

Uma resolução tomada na última reunião da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), realizada na Secretaria de Educação Superior (SESu) do MEC, em Brasília, orienta que, a partir de agora, a residência médica passará a ter um tempo maior de duração para o graduando que quiser se especializar em cirurgia geral ou ginecologia e obstetrícia.

A especialização em cirurgia passará a ser feita em quatro anos, enquanto um especialista em ginecologia e obstetrícia terá de fazer residência por três anos. Antes disso, ambas eram feitas em dois anos.

Para o estudante de Medicina do 3º ano da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e presidente do Diretório Acadêmico (D. A.) Tiago Jerônimo, o aumento no tempo de residência em cirurgia, ginecologia e obstetrícia, reflete a inversão de papéis na formação médica. “Estão tentando salvar o recém-formado mal formado em uma cadeira básica com um aumento no tempo de sua especialização. Um absurdo ver pessoas formadas que nunca fizeram um parto sequer. Daí, tira-se duas possibilidades, ou melhoramos a formação acadêmica, o que é o mais sensato a se fazer, ou aumentamos o tempo de residência”, verifica Tiago.

O aumento de duração do tempo para formação em especialidades médicas não é novidade no Brasil nos últimos anos. O que aconteceu agora com cirurgia, ginecologia e obstetrícia ocorreu há dois anos com várias outras especialidades. Para o membro da Comissão de Residência Médica da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), Renato Passini, é uma reivindicação feita há vários anos e que foi, finalmente, atendida. “Trata-se de uma modificação necessária e fundamental para permitir que a qualidade dos futuros profissionais seja aperfeiçoada, possibilitando acompanhar os avanços científicos pertinentes à especialidade”, aponta Passini.

Também o estudante do 6º ano de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará), Geraldo Bezerra da Silva Junior, acha extremamente importante aumentar o período em algumas especialidades. “Trata-se de um programa de pós-graduação fundamentado no treinamento de médicos não-especialistas em determinadas especialidades”, explica ele. Geraldo pretende fazer residência para clínica médica (dois anos) e posteriormente para nefrologia (dois anos).

A presidente do COREME (Comissão de Residência Médica) da UnB (Universidade de Brasília), Marilucia Picanço, acredita que aprofundar o conhecimento, tanto na ginecologia e obstetrícia quanto na cirurgia geral, pela amplitude de novas técnicas e novas tecnologias é extremamente importante, e para isso, o aumento é necessário. Mas, por outro lado, o conhecimento não pára. “Tem um outro lado, não sei até quando isso será postergado. São três anos agora, daqui a pouco cinco anos, é uma questão difícil de mensurar especificamente esse ganho”, aponta Marilucia.

Sistema

Os serviços e centros formadores devem estar atentos para seu papel e responsabilidade como formadores de recursos humanos de qualidade, pois os residentes serão os médicos especialistas que atenderão à população tratando de aspectos preventivos e terapêuticos.

Passini acredita que os centros formadores ainda não estão adaptados para receber por mais tempo esses residentes e deverão tomar iniciativas próprias para buscar capacitar sua estrutura física e pessoal às novas necessidades. “Haverá um período inicial de adaptação, que deverá ser suficiente para a reestruturação dos serviços ainda não totalmente preparados”, diz.

As instituições de ensino terão como prazo limite para a reestruturação e adequação o ano de 2006. Até lá, os programas de residência médica que possuam ou desenvolvam a estrutura de recursos humanos e materiais poderão antecipar a adesão. Uma comissão, composta por um representante da CNRM, um gestor estadual de saúde e um especialista, irá averiguar a adequação do programa às solicitações. A partir de 2006, as instituições deverão trabalhar com os novos tempos de formação.

“Os professores precisam se readaptar para melhorar e aprofundar o conhecimento, a forma de passar esse conhecimento com uma dinâmica que qualifique cada vez mais o seu médico residente que vai se tornar um especialista”, verifica a professora da UnB.

Bolsas

Outro problema enfrentado pelos residentes é o valor da bolsa, em torno de R$ 1.400 por mês, para se dedicar integralmente aos Hospitais Universitários. Vale lembrar aqui que os residentes são médicos formados que vivem em tempo integral para a residência e para isso ganham uma bolsa-auxílio do Estado. Essa bolsa é garantida pela SESu/MEC.

Para o estudante do 1º ano de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), Rodrigo Garcia D´Aurea, o maior problema é que de tempos em tempos o Estado ameaça cortar as bolsas dos residentes, por isso ele não sabe se os gastos a mais serão absorvidos. “Se o número de bolsas diminuir para absorver o maior tempo, nós teremos mais e mais formados que não puderam fazer residência, o que diminui a qualidade dos médicos”, diz.

Já Tiago acredita que a SESu deveria se preocupar mais com a elaboração de um método eficaz de avaliação das escolas médicas e de viabilizar modificações que venham a melhorar o ensino. “Não é com o simples aumento da residência que teremos a certeza de melhores profissionais”, aponta o estudante.

A professora da UNB crê que a residência médica é de extrema valia. “Todo serviço que tem um médico residente é mais bem qualificado, porque eles estão com a premissa do ensino, da qualificação profissional, da busca de melhorias das condições de saúde, tanto da população, quanto das condições internas de atendimento e da reconstrução do conhecimento. A residência médica é sempre um ganho”, conclui Marilucia.

Fonte: Universia