Já posso utilizar os novos anticoagulantes orais nos pacientes com biopróteses valvares?

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As biopróteses são menos trombogênicas que as próteses mecânicas, entretanto a incidência de eventos tromboembólicos nos pacientes em ritmo sinusal é maior nos seis primeiros meses após o implante, período em que não ocorreu a endotelização completa da prótese e também é aumentada nos pacientes com fibrilação atrial (FA).

A diretriz brasileira e a atualização da diretriz americana de doença valvar publicadas em 2017 recomendam que pacientes com fibrilação atrial e biopróteses valvares ou com reparos da valva mitral devam utilizar anticoagulantes orais independentemente do escore CHA2DS2-VASC, pois apresentam um risco aumentado para eventos embólicos e preconizam a anticoagulação oral com um antagonista da vitamina K (AVK) para atingir um INR de 2,5 por um período de três a seis meses após o implante de biopróteses mitral ou aórtica em pacientes com baixo risco de sangramento e sem FA e anticoagulação mantida ininterruptamente nos pacientes com FA (1,2).

Os anticoagulantes orais, não-antivitamina K (NOACs), inibidor do fator II ativado (dabigatrana) e os inibidores do fator X ativado (rivaroxabana, apixabana e edoxabana), já aprovados para utilização em pacientes com fibrilação atrial (FA) não-valvar, são objeto de diversos estudos em pacientes com fibrilação atrial e biopróteses valvares e a prescrição para esse grupo de pacientes ainda não está completamente aprovada. As diretrizes citadas anteriormente ressaltam que até o momento não existem trabalhos publicados especialmente para esse grupo de pacientes. Tabela 1.

Tabela 1- Recomendações das diretrizes de valvopatias das Sociedades Brasileira (2017) Americana (2017) e diretriz de fibrilação atrial Europeia (2018) para próteses biológicas

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Nos estudos ARISTOTLE (apixabana) e ENGAGE-AF (edoxabana) foram incluídos pacientes portadores de biopróteses valvares. Os dados do estudo ARISTOTLE com biopróteses não foram publicados e os dados do estudo ENGAGE-AF revelaram que de um total de 2.824 pacientes com doença valvar incluídas no estudo, 191 eram portadores de biopróteses valvares, 69% na posição mitral e 31% na posição aórtica. Os resultados demonstraram não inferioridade da Edoxabana 60mg/dia nesse subgrupo de pacientes em comparação à varfarina (3). Figura 1.

Figura 1- Resultados do estudo ENGAGE AF-TIMI 48- edoxabana comparado à varfarina em pacientes portadores de biopróteses valvares e fibrilação atrial

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As recomendações do guia prático para a utilização dos NOACs da Sociedade Europeia de Arritmia Cardíaca, publicado em março de 2018, sugerem que a utilização dos NOACs poderia ser uma opção após um procedimento valvar desde que a utilização ocorresse por um período reduzido, uma exceção seria a FA na presença de uma bioprótese implantada após estenose mitral reumática, pois os átrios permaneceriam aumentados e gravemente doentes. Nesses pacientes a melhor opção seria a utilização dos antagonistas da vitamina K (Ex:varfarina) (4). Tabela 2.

Tabela 2-Recomendações do guia prático para utilização dos NOACs da Sociedade Europeia de Arritmia Cardíaca

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Diversos estudos desenhados especificamente para avaliar pacientes com fibrilação atrial e biopróteses encontram-se em andamento: RIVER (Rivaroxabana comparada à varfarina em pacientes com FA e biopróteses mitral), GALILEO 4D (Rivaroxabana comparada com AAS e clopidogrel em paciente pós TAVI e sem FA). Dabigatrana comparada à varfarina em pacientes com bioprótese mitral e fibrilação atrial. ENAVLE (Edoxabana versus varfarina em pacientes com reparo valvar ou implante de bioprótese mitral ou aórtica). ENVISAGE (Edoxabana versus varfarina em paciente com FA submetido à implante percutâneo de bioprótese aórtica (TAVI). ADAPT-TAVR (Edoxabana versus terapia dupla agregação plaquetária em pacientes após TAVR) e ATLANTIS [apixabana versus terapia padrão: AVK (se FA ou TEV) ou dupla agregação plaquetária] em pacientes após TAVI.

Concluindo, até o momento ainda não obtivemos dados suficientes de segurança e eficácia na prescrição dos NOACs para pacientes portadores de biopróteses, fato este que poderá ser modificado nos próximos anos após a publicação dos estudos em andamento.

Na tabela 3 apresentamos uma sugestão de utilização de anticoagulantes orais em pacientes com doenças valvares.

Tabela 3- Anticoagulação oral em doenças valvares
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Dra. Idelzuita Leandro Liporace

Médica assistente responsável pelo Setor de Anticoagulação Oral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Investigadora principal dos estudos RIVER e AVERROES

E sub-investigadora dos estudos ARISTOTLE e ACTIVE

Referências bibliográficas:

1- Tarasoutchi F et al, Arq.Bras.Card.,Volume 109, Nº 6, Supl. 2, Dezembro 2017

2- Nishimura RA et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;11;70(2):252-289. doi: 10.1016/j.jacc.2017.03.011

3- Carnicelli, A. et al. Apresentado em AHA 2016, Nova Orleans-EUA

4- Steffel J et al,European Heart Journal (2018) 00, 1-64