Dr. DNA: Hospital americano passa a usar sequenciamento genético no tratamento dos pacientes

A Clínica Mayo vai iniciar neste ano um projeto ambicioso: armazenar todos os dados do genoma dos pacientes junto com suas fichas médicas. A ideia é fazer um atendimento personalizado e cada vez mais preciso

No livro Seu Genoma por Mil Dólares, o respeitado geneticista Kevin Daves afirma que, em dois anos ou menos, qualquer pessoa terá condições de ter seu genoma detalhado por valores cada vez menores. Com esses dados em mãos, será possível determinar a predisposição para uma série de doenças. As informações genéticas também poderão indicar o melhor tratamento e a dose certa de remédios para combater vírus, cânceres e outras ameaças à saúde. “O sequenciamento de DNA será um processo rotineiro no futuro, como o raio-x e a ressonância magnética”, disse, em entrevista ao site de VEJA.

O futuro previsto por Daves já começa a se tornar realidade. A partir deste ano, seis bilhões de letras do genoma humano farão parte do prontuário médico de alguns pacientes da Clínica Mayo, em Minnesota, nos Estados Unidos. Cada um deles terá seu genoma sequenciado e armazenado. Os dados serão combinados com os registros médicos já existentes. O objetivo é utilizar o perfil do paciente para orientá-los de forma personalizada sober como prevenir, tratar e melhorar o prognóstico de doenças. “Não vamos fazer apenas pesquisa, vamos elevar nosso conhecimento para o próximo nível”, diz Gianrico Farrugia, diretor do Centro para a Individualização da Medicina. “Nossos pacientes farão parte de uma nova geração da medicina personalizada.”

Apesar de estar em fase experimental, o projeto da Clínica Mayo é pioneiro, já que começa a aplicar os resultados da interpretação genética desde já no cotidiano dos seus pacientes.”Esse é um passo extremamente importante, algo que vai mudar definitivamente a forma como os pacientes são tratados”, afirma Farrugia.

Uma das principais apostas da Mayo é na área de farmacogênomica. Ao decifrar o genoma do paciente, será possível testar sua resposta a determinados medicamentos, aumentando as chances de realizar um tratamento bem-sucedido. “Algumas pessoas não conseguem metabolizar determinados medicamentos no organismo e, por isso, nem sempre eles funcionam. De posse dessa informação, podemos prescrever um medicamento diferente, que possa ser metabolizado”, afirma Farrugia.

Em um futuro um pouco mais distante, segundo Farrugia, será possível prever quais doenças as pessoas terão ao longo da vida. Até que as informações genéticas sobre as doenças sejam completamente decodificadas, o diretor do Centro para a Individualização da Medicina pede cautela: “Vamos conversar com os nossos pacientes. Assim, eles poderão decidir quanta informação querem ter e o quanto não querem saber.”

Em quais áreas é possível esperar os melhores resultados do sequenciamento genético? Há três áreas específicas que acredito que serão as mais promissoras, com maior impacto. Com certeza, a primeira é em relação ao câncer. Com a capacidade de sequenciar o genoma e epigenoma (o epigenoma trata das características hereditárias não genéticas), poderemos depois utilizar essa informação para personalizar a abordagem da quimioterapia no paciente. Isso nos ajudará a definir quem precisa de tratamento e quem não precisa. A segunda área é a seleção de drogas para tratar doenças. Por exemplo, há certas drogas que o organismo de algumas pessoas não consegue metabolizar e, por isso, nem sempre funcionam. Então, se você sabe que o seu paciente não consegue metabolizar essa droga, você dá a ele algo diferente. Além disso, ao saber os genes que metabolizam a droga, podemos escolher a dose correta, fazendo com que o tratamento seja mais eficaz. Essas são as duas principais áreas que vamos focar para ter resultados no futuro imediato.

E na prevenção? Os dados do genoma também podem ser usados para prever quais doenças cada pessoa tem mais chances de desenvolver. A ideia é utilizar todas essas informações para prever isso. É claro, porém, que essa área requer muito mais trabalho. Até o momento, com as informações disponíveis, não temos como ser certeiros. Podemos dizer que você tem um risco aumentado de desenvolver certa doença, mas não podemos dizer com certeza que você irá desenvolvê-la. Já temos pacientes que nos pedem o sequenciamento genético e nós podemos fazê-lo. Porém, a informação até o momento não é tão sofisticada como deveria ser. Vamos precisar de mais tempo antes que fique totalmente disponível. Mas será muito importante quando acontecer.

E quando poderemos ter esses resultados? É preciso esclarecer que este é um novo aspecto de estudo, já que estamos fazendo pesquisa ao mesmo tempo em que estamos mudando a prática. Não é como os estudos científicos típicos em que você precisa esperar por muitos anos para chegar a um resultado. No nosso estudo, pegamos os resultados imediatamente. Por exemplo, se estamos escolhendo drogas a partir do genoma, o paciente receberá a droga selecionada imediatamente. Ele não vai precisar esperar por anos.

Os pacientes terão acesso a tudo que for encontrado? Eles podem escolher não saber? Essa é uma questão à qual estamos dedicando muito do nosso tempo. No Centro para a Individualização da Medicina temos um programa de bioética, com uma equipe multidisciplinar formada por especialistas em genética, ética, oncologistas e clínicos gerais. Eles estão prontos para conversar com os pacientes e responder a qualquer dúvida. Nem todas as pessoas querem a mesma coisa. Umas dizem que querem saber de tudo. Por outro lado, temos pacientes que afirmam: “Eu só quero a resposta para determinada pergunta que foi feita e não quero saber se eu tiver uma estimativa de 5% de chance de ter certa doença, como hipertensão ou Alzheimer.” Essas conversar servirão para decidir quanta informação eles querem ter ou quanto eles não querem saber. Além disso, vamos criar mecanismos para armazenar essas informações: se eles mudarem de ideia em cinco anos, nós ainda vamos poder ajudá-los.

Mas quando você fala da prevenção, como explicar ao paciente o que ele pode ou não saber nesse sentido? Muitas doenças estão ligadas não somente a um gene, mas sim a vários. E os fatores ambientais também são capazes de influenciar. Então, o que teremos de explicar é que ter o gene não significa que o paciente terá a doença. Há algumas doenças que realmente vão aparecer caso a pessoa tenha determinado gene, mas não é o que acontece com a maioria delas. A parte é desencadeada por vários genes. Por isso, observando a influência dos fatores ambientais nesses genes e vendo os resultados, baseando-se nos históricos pessoais do paciente, podemos prever essas chances. É necessário frisar que estamos falando de possibilidade e não de certeza.

Mas há preocupações em relação à privacidade dessas informações. Onde esses dados serão armazenados e quem terá acesso a eles? Esse é um tema que faz parte da essência da Clínica Mayo, já que fomos um dos pioneiros na adoção do prontuário eletrônico, com um dos maiores sistemas do mundo. Com o passar dos anos, desenvolvemos mecanismos de privacidade muito robustos para evitar que os dados fossem parar em mãos erradas. Para nós, isso não é diferente de assegurar que os registros médicos são privados e que somente as pessoas autorizadas tenham acesso a ele. Ou seja, não acho que vamos ter que nos preocupar com isso mais do que já nos preocupamos hoje em dia.

Você acredita que outros hospitais seguirão o exemplo da Clínica Mayo? Com certeza. O sequenciamento genético pode ser feito por qualquer companhia comercial. Por isso, acho essencial enfatizar que o sequenciamento genético não é o principal. O mais importante é o nosso conhecimento de base, o que nós fazemos com os dados, como nós o interpretamos. O sequenciamento genético será algo rotineiro e será oferecido por vários lugares diferentes. O nosso diferencial será a interpretação.

Qual será o custo total do projeto? A Clínica Mayo está investindo muitos milhões de dólares nisso. Sobre o custo apenas do sequenciamento, posso dizer que o preço caiu drasticamente. Há alguns anos, um genoma custou milhões de dólares. Hoje, você consegue sequenciar um genoma por alguns milhares de dólares. A expectativa é que, em algum momento do próximo ano, consigamos fazer isso com menos de mil dólares.

Como o senhor vê o futuro a partir dessa abordagem? É um projeto excitante. Temos nas mãos uma possibilidade de realmente conduzir nossos pacientes. Vamos trazer informações relevantes ao paciente e ao médico para que ele esteja hábil a prever, prevenir, diagnosticar, tratar doenças e ser mais preciso no prognóstico delas. Acredito que esse é um passo extremamente importante, algo que vai mudar definitivamente a forma como os pacientes são tratados.