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CardioAula - Médico escrevendo coração de ECG

TEC 2015. MOS, 36 anos, masculino, passa em consulta ambulatorial queixando-se de palpitações taquicárdicas intermitentes há cerca de dez meses, associadas a leve desconforto torácico. Antecedentes pessoais: reumatismo e sopro na infância. Nega uso regular de medicações. Ao exame físico: ritmo cardíaco irregular, FC=108bpm, PA=118x72mmHg, ausculta cardíaca com sopro diastólico em ruflar e estalido de abertura em foco mitral. Ausculta pulmonar sem alteração significativa. Realizado eletrocardiograma, o qual evidenciou ritmo de fibrilação atrial, com elevada resposta ventricular. Qual é a melhor estratégia antitrombótica para esse paciente?

a) Ácido acetilsalicílico, 300mg/dia, pelo risco intermediário de tromboembolismo.

b) Varfarina ajustada conforme RNI.

c) Sem necessidade de antitrombótico, por ter CHA2DS2-VASc de zero.

d) Dabigatrana, 150mg, 2x/dia.

e) Apixabana, 5mg, 12/12 horas.

A grande pegadinha da questão é o fato de o paciente ter Fibrilação atrial (FA) e um exame físico que descreve um típico caso de estenose mitral (FA valvar). Perceba que o enunciado cita a presença de um sopro diastólico em “ruflar” com estalido de abertura. A única falha na questão foi não nos comprovar essa hipótese e não quantificar o grau dessa valvopatia. Partiremos do pressuposto que se trata de uma estenose mitral anatomicamente significativa.

Na presença de FA associada a valvopatias anatomicamente significativas não utilizamos o CHA2DS2-VASc como ferramenta para indicar anticoagulação, pois ela subestima o risco tromboembólico nesses pacientes. A simples presença de FA em um paciente com valvopatia anatomicamente significativa já autoriza o início da terapia anticoagulante, por ser uma FA valvar. Por esse motivo a alternativa C está errada.

Entretanto, nos pacientes com FA valvar que apresentam estenose mitral e/ou próteses valvares, essa anticoagulação deve ser, obrigatoriamente, com antagonistas da vitamina K, uma vez que os NOACs não estão autorizados na FA quando associado a essas situações clínicas. Com isso, a única alternativa possível para responder a questão é a letra B.

Resumindo:

 Fibrilação atrial não associada à valvopatia anatomicamente significante (FA não valvar):

o Utiliza-se o CHA2DS2-VASc como estimativa de risco de tromboembólico

– Aqueles com escore ≥ 2 está indicado a anticoagulação.

– Aqueles com escore = 1 deve-se pesar risco x benefício, tendendo-se a não indicar a anticoagulação.

– Aqueles com escore = 0 tem baixo risco para fenômenos embólicos. O risco de sangramento tende a superar o benefício na prevenção de fenômenos embólicos.

o Anticoagulação:

– Antagonistas ou novos anticoagulantes podem ser utilizados, desde que não haja contraindicações.

 Fibrilação atrial associada à valvopatia anatomicamente significante (FA valvar)

o Não se utiliza o escore CHA2DS2-VASc, pois subestima o risco tromboembólico (MAS ATENÇAO! Essa informação está baseada na diretriz brasileira de valvopatias de 2017 que é referência para a prova de título de cardiologia). A diretriz da American Heart Association publicada no mesmo ano traz uma informação diferente – veja no quadro abaixo.

o Podem ser utilizados antagonistas da vitamina K e novos anticoagulantes, EXCETO nos pacientes com estenose mitral e próteses valvares* em que apenas os antagonistas da vitamina K podem ser utilizados.

*Observação: Há evidências de que o uso dos novos anticoagulantes em pacientes com próteses valvares biológicas pode ser seguro e eficaz. De acordo com a última diretriz brasileira de valvopatias, sua indicação recebeu grau de recomendação IIb, nível de evidência C. Maiores estudos ainda são necessários para que essa conduta se torne definitiva e com maior grau de recomendação. As diretrizes internacionais da AHA e ESC não se posicionaram sobre o seu uso nesse contexto.

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Dr. Jonathan Batista Souza

– Ecocardiografia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – SP – Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – SP – Preceptor de Clínica Médica e Ecocardiografista no Hospital Heliópolis – SP – Clínica Médica pelo Hospital Heliópolis – SP – Graduação em medicina pela UFJF – MG

Referências bibliográficas

1) Magalhães LP, Figueiredo MJO, Cintra FD, Saad EB, Kuniyishi RR, Teixeira RA, et al. II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol 2016; 106(4Supl.2):1-22

2) Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias: Abordagem das Lesões Anatomicamente Importantes. Arq Bras Cardiol 2017;109(6Supl.2):1-34.

3) Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017 Jul 11;70(2):252-289.