Cocaína e o coração: uma mistura perigosa

Artigo CardioAula - Cocaína e o coração: uma mistura perigosa

Um pouco de História…

 A cocaína, uma droga amplamente difundida na sociedade atual, é produzida a partir da folha da planta Erythroxylum coca.
 É descrito seu uso, há mais de 2500 anos antes de Cristo (AC), inicialmente na forma de um estimulante natural pelos nativos na América Latina, sendo que sua utilização passou por drásticas modificações a partir do isolamento dessa substância em sua forma purificada, descoberta realizada pelos químicos Dr. Gaedcke e Dr. Nieman em 1860.
 Sua progressiva utilização como droga recreativa, o melhor entendimento do seu mecanismo de ação e sua potente capacidade de adição fez com que o seu uso fosse restrito a prescrição médica desde 1914 após a lei “Harrison Narcotics Act” e seu uso considerado crime desde a década de 60.
 Estima-se que existam mais de 20 milhões de usuários ativos no mundo com um número crescente de usuário ocasionais, sendo o Brasil o 2° pais em consumo.

Vamos entender melhor um pouco dos mecanismos pela qual a cocaína afeta de forma tão negativa o corpo humano, em especial o nosso sistema cardiovascular.

COCAÍNA:

 Inibe a reabsorção de dopamina, norepinefrina e serotonina, aumentando suas concentrações na fenda sináptica (motivo pelo qual é um potente estimulante).
 Meia vida de 60 – 120 minutos com duração de seus metabólitos podendo chegar a 4 -7 horas (seu uso pelas vias nasal e venosa levam a uma meia-vida menor).
 Ação cardiovascular nos receptores α1, 𝛂2 e 𝛃1.
 Aumento da endotelina-1 (potente vasoconstritor arterial), redução da utilização do cálcio intracelular e bloqueio da óxido nítrico sintetase (NOs).
 Aumenta a frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA), contratilidade e consumo de O2 pelo miocárdio (⬆ 10 a 25% da FC e PA em relação ao seu basal).
 A cocaína e seus metabólitos apresentam grande potencial vasoconstritor coronário.
 Presença de lesão endotelial por ação direta, por ação inflamatória mediada e aumento da fibrose vascular (aterosclerose precoce).
 Hipertrofia cardíaca ventricular e fibrose mesangial renal.
 Aumento da ativação plaquetária via estímulo 𝛂 adrenérgico e mediada por Adenosina Difosfato (ADP) além de funcionar como ativador do inibidor do Ativador de Plasminogenio (PAI-1) (aumentando o risco de tromboses.
 Bloqueio dos canais de sódio, funcionando de forma parecida com a classe IC dos antiarrítmicos (Vaughan-Williams).
 Estimulação elétrica desordenada por mecanismos simpático e eletrólitos mediada.

ATUAÇÃO DA COCAÍNA NO SISTEMA CARDIOVASCULAR

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Figura 1 – Mecanismos fisiopatológicos do acometimento cardiovascular determinado pela cocaína e seus metabólitos. Adaptado de Havakuk, O. et al. J Am Coll Cardiol. 2017

 Uma dúvida frequente entre os médicos que fazem atendimento em serviços de emergência é a questão de como deve ser realizado o manejo dos pacientes que se apresentam no pronto atendimento após o uso de cocaína…

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Figura 2 – Adaptado de Havakuk, O. et al. J Am Coll Cardiol. 2017.

 O risco de infarto agudo do miocárdio se encontra aumentado podendo chegar a um incremento de até 24 vezes na primeira hora após o seu uso.
– Apesar da alta suspeição de coronariopatia (que é correta) em pacientes usuários de cocaína, trabalhos demonstraram que apenas 6% das dores torácicas agudas nesses pacientes tem origem isquêmica (a grande maioria se origina de sítios extra cardíacos: Dor pleurítica, musculoesqueléticas…entre outras.
– A recomendação do Guideline do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) orienta pelo menos 12 horas de observação em pacientes com dor torácica relacionado ao uso de cocaína com avaliação clínica, eletrocardiográfica e a solicitação de marcadores de injúria miocárdica (Troponina T ou I) seriados antes da alta hospitalar… se indicada.

Sabendo então de tudo isso vamos no próximo POST entender os Mitos e Realidades sobre o uso das medicações cardiológicas nesses pacientes dando uma especial atenção ao betabloqueador… Até a próxima.

Dr. Halsted Alarcao Gomes Pereira da Silva
– Médico da UCO e de Unidade Pós Operatório
– Especialista em ECOCARDIOGRAFIA BÁSICA, AVANÇADA E ECOCARDIOGRAFIA TRANSESOFÁGICA
– Especialista em CARDIOLOGIA pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Referência:
1. Havakuk O, Rezkalla SH, Kloner RA. The Cardiovascular Effects of Cocaine. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2017 Jul 4;70(1):101 LP-113. Available from: http://www.onlinejacc.org/content/70/1/101.abstract