Cirurgia sem cortes: a radiologia intervencionista

Por dentro das artérias.

Uma nova área da Medicina, a radiologia intervencionista, realiza operações pelo corpo inteiro usando os vasos como via de acesso. Muitas vezes alcança áreas inacessíveis ao bisturi comum. ela permite diagnósticos precoces e procedimentos menos invasivos, com baixo risco e complicações e morte. Apesar de pouco difundida, é promissora para tratar miomas e alguns tipos de câncer.

Uma viagem pelo corpo humano, na qual é possivel navegar tridimenssionalmente pelas mais estreitas passagens do organismo, como veias e artérias. O cenário parece imaginário, mas é bem real, graças à radiologia intervencionista (RI), especialidade que permite diagnosticar e tratar doenças graves de forma minimamente invasiva, reduzindo riscos de complicações e morte. A historia da RI começou a se desenhar na década de 1960, quando o americano Charles Dotter fez a primeira angiologia de artéria femoral em uma paciente de 82 anos. Referência entre os colegas, o médico buscava alternativas para as cirurgias abertas. “Essa senhora apresentava dor e gangrena devido ao estreitamento arterial, não era uma boa candidata à operação e o caso evoluia para a amputação”, conta Alexander Corvello, chefe do serviço de RI do Hospital Santa Cruz, em Curitiba (PR). Dotter usou uma corda de guitarra como fio guia e um cateter, que dilatou a arteria. “A paciente foi embora andando e com as lesões cicatrizadas”, diz. De lá pra cá, o aprimoramento da especialidade permitiu o tratamento de doentes com os mais diversos males.

Hoje, tudo pode se resolver com um furo do tamanho da ponta de uma caneta, depois de uma anestesia local. A recuperação? Dura apenas algumas horas. Para leigos ela poderia ser traduzida como uma cirurgia feita por imagens. A área recém-nascida da Medicina – para você ter idéia, só chegou no Brasil em 2002, o que para a ciência é anteontem – começa a se popularizar.

“Ela permite desde abrir caminho em vasos entupidos até tratar alguns tipos de tumor”, explica o professor Francisco César Carnevale, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que, para se tornar um dos maiores conhecedores desse novo campo, estudou mais de dez anos em vários países do mundo, aprendendo as diversas aplicações da radiologia intervencionista. Afinal, só o tempo lapida a perícia necessária para viajar pelas artérias com ferramentas miniaturizadas e com tecnologia de ponta.

Nas operações da radiologia intervencionista quase não há sangue ou risco de complicações e infecções. Não à toa, são conhecidas nos meios médicos como cirurgias sem bisturi e sem traumas. Tudo começa com um fio-guia que é inserido na artéria do paciente por um furo que varia de reles 1 milímetro a 5 milímetros, no máximo. Ele merece o nome que tem: define a trajetória de todo o procedimento. Logo depois, pelo mesmo buraco, passa um cateter.

O arsenal cirúrgico dos especialistas impressiona, inclusive pela pequenez. São molas, tubos,stents, filtros, balões infláveis – tudo sob medida para viajar dentro das artérias, de dimensões tão minúsculas que parecem até de brinquedo. Cada artefato tem uma função específica para um problema diferente. As molas servem para fechar permanentemente um vaso, o que pode ser útil para barrar o progresso trágico de um aneurisma cerebral. Pelas artérias o médico alcança a massa cinzenta.

E, no local comprometido, libera várias dessas molas que vão preenchendo o espaço e estreitando a passagem para normalizar o fluxo sangüíneo. “Esse é um jeito aparentemente simples de resolver um problema capaz de matar cerca de 40% dos pacientes”, ressalta o médico Marcelo Ventura, especialista nesse tipo de operação na cidade de Santos, que fica no litoral paulista. Compare: na cirurgia convencional o paciente teria a cabeça aberta e ficaria dias internado em estado delicado. Com a radiologia intervencionista é possível deixar o hospital na manhã seguinte.

Às vezes, porém, diferentemente do caso do aneurisma em que se busca estreitar caminhos, o que os médicos querem é o contrário – abrir a passagem de uma artéria. Daí, no seu conjunto de instrumentos minúsculos, elegem os stents, tubos metálicos que mantêm os vasos abertos, rompendo bloqueios como os das temidas placas de gordura.

“A anestesia é local e o tratamento não deixa nenhuma marca”, garante Ricardo Augusto de Paula Pinto, coordenador do Serviço de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular do Hospital Pio XII, de São José dos Campos, no interior de São Paulo. Outra estratégia da nova área médica que tende a ser cada vez mais empregada é matar tumores de fome. O nome técnico disso é embolização. O tratamento já é largamente aplicado para destruir tumores benignos de útero, os famosos miomas. O radiologista intervencionista simplesmente fecha as artérias que nutrem o tumor. E aí ele fica sem suprimentos.