Caso clínico frequente na vida do cardiologista

Hoje vamos discutir uma situação que está cada vez mais presente na vida do cardiologista.

Paciente, sexo feminino, 40 anos, com diagnóstico prévio de doença de BARLOW com prolapso da valva mitral e insuficiência mitral importante sintomática. Paciente foi encaminhada para cirurgia de troca valvar mitral cm implante de prótese mecânica duplo disco.

É descrito em acompanhamento ambulatorial o uso irregular da varfarina 5mg, sendo que último INR era de 1,7, admitida em pronto atendimento de hospital terciário com dispneia progressiva, 1 semana de evolução, estando atualmente com dispneia em repouso, TJ patológica e edema de MMII.

Paciente descreve que não houve mais o click da mobilidade da prótese (quadro se apresentou 6 meses após o implante da prótese).

Qual a principal hipótese diagnóstica?

Perfeito, meu caro colega: trombose de prótese.

Mas antes de discutir o caso e o tratamento vamos fazer uma revisão sobre o assunto.

Quais as principais próteses que dispomos hoje? Vocês já tiveram recentemente uma excelente revisão descrita por Dr. Horácio, mas vamos lá novamente…

Mas quais são os fatores de risco? Vejamos a seguir:

Valva mecânica (MHV) trombosa > valva biológica (BH).

Posição mitral > posição aórtica.

Primeiros meses > fase tardia.

A trombose de prótese mecânica, que é a apresentação do nosso caso, apresenta incidência de 0,5-6,0% ao ano.

E quais os mecanismos principais que participam da trombose de prótese? Um excelente artigo publicado na revista JACC em 2016 veio nos elucidar parte dessa complexa cascata trombótica.

Além do que esse artigo estabeleceu de modo simples uma divisão diagnóstica e temporal da trombose de prótese.

Vocês perceberam então que para o diagnóstico, devemos ter uma suspeita clínica.

Mas nesses casos a suspeita clínica apenas não basta para o diagnóstico. Realmente precisamos de exames complementares.

Sendo os principais:

ECOCARDIOGRAMA TT E TE / TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (GATED) / FLUOROSCOPIA

Vamos começar pelos exames mais difundido entre os cardiologistas? O ecocardiograma.

Observem uma mobilidade normal dos elementos móveis da prótese mecânica.

Agora observem um trombo com restrição significativa da mobilidade.

Para as pessoas que não apresentam o conhecimento do exame de ecocardiograma transesofágico, a janela demonstrada acima seria equivalente a primeira foto a esquerda nessa foto mostrada abaixo.

Agora vamos observar como seria essa avaliação pela tomografia (GATED CT) computadorizada.

E a fluoroscopia? Vamos mostrar algumas imagens:

Sei que o assunto não é este, mas sempre vale a pena mostrar uma fluoroscopia (exame que não usa contraste – importante informação) de uma prótese mecânica de alto perfil (bola-gaiola).

Lembrar que a ressonância magnética cardíaca devido a formação de artefatos de imagem (com estruturas metálicas) não é um exame de primeira escolha.

Um interessante dado para se entender é a questão do predomínio dos fatores coagulantes e dos fatores agregantes e sua atuação sobre as válvulas e próteses.

Câmaras direitas – menor pressão – ação da cascata da coagulação > plaquetas.

Câmaras esquerdas – maior pressão – ação da cascata das plaquetas > coagulação.

Tenho certeza que alguns irão questionar, mas será que poderia ser pannus. Vai aqui um modo didático de diferenciar essas duas patologias:

Como vamos tratar essa patologia?

Primeiro precisamos saber dos fatores de risco de embolização e a sintomatologia do paciente em questão.

Esses dados do grande trial pro-tee demonstrou que pacientes com classe funcional NYHA III-IV e trombos com área > 0,8 cm² vão embolizar mais e complicar mais.

Agora vamos ao tratamento que pode ser descrito em 3 tipos:

  • Medicamentoso com heparina
  • Medicamentoso com fibrinolítico
  • Cirúrgico

A nossa diretriz de lesões valvares de 2017 também apresenta uma citação em relação ao assunto. Vejamos:

Mas qual dose usar de fibrinolítico?

Vocês percebem que realmente existe uma divergência em relação a indicação de tratamento e em relação a dose de fibrinolítico a se usar (isso se deve a não termos grandes estudos randomizados em relação ao assunto).

Mas uma dose que foi testada e sem mostrou interessante foi a infusão lenta de alteplase. Veja esse trabalho de OZKAN publicado no JACC em 2013.

Excelente sucesso com o menor risco de complicações.

Vocês estão vendo que ainda existe um longo caminho de evidências a se percorrer em relação a esse assunto? Mas o importante é sempre ter um norte quando tratamos um paciente.

Esse nosso paciente foi encaminhado para cirurgia com urgência após Ecocardiograma TT com complementação esofágica e ainda se apresenta em recuperação (trombo com diâmetros máximos de 19 mm x 12 mm), sendo realizado troca valvar mecânica por biológica devido a questão de adesão.



Dr. Halsted Gomes

  • Médido da UCO e de Unidade pós operatório
  • Especialista em Ecocardiografia Básica, Avançada e Ecocardiografia Transesofágica
  • Especialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.