Betabloqueador e cocaína: mito ou realidade?

CardioAula - Betabloqueador e Cocaína

 No artigo anterior vimos todos os efeitos deletérios que o abuso de cocaína produz no corpo humano.

 Devido à alta prevalência deste problema de saúde pública atual, não é, e tampouco será incomum nos depararmos com pacientes com Dor Torácica na emergência após o consumo de cocaína.

 Nos últimos anos, sempre foi considerado “uma regra” a não utilização dos betabloqueadores nestes pacientes, devido a possibilidade de produzir um efeito paradoxal, causando hipertensão e vasoconstrição pelo estimulo dos receptores alfa-1 que estariam “livres” (POST anterior, efeitos cardiovasculares da cocaína).

 No entanto, conforme literatura recente, estudos reportam número considerável de pacientes tratados com betabloqueador a despeito de uso de cocaína (muitas vezes não relatado no momento do atendimento), demonstrando ausência de risco aumentado de morte ou infarto.

 Atualmente portanto, é recomendado considerar o uso de Betabloqueador Não Seletivo (exemplo labetalol) na Emergência principalmente naqueles pacientes hipertensos (PAS > 150mmHg), com taquicardia (FC > 100bpm) em associação a um vasodilatador como Nitroglicerina (IIb). Recordemos a alta descarga adrenérgica presente nestes pacientes (artigo anterior).

 Ao ingressar na emergência paciente com quadro de dor torácica e abuso de cocaína devemos então, realizar história clínica, eletrocardiograma, coletar marcadores de necrose miocárdica. Podemos fazer uso de benzodiazepínicos no contexto de agitação psicomotora, e no caso de apresentar supradesnivelamento do segmento ST, administrar inicialmente nitroglicerina endovenosa(EV)/sublingual (SL), ou bloqueador de canal de cálcio e reavaliar posteriormente (Figura 1).

 Se persistência do supradesnivelamento está indicada a cinecoronariografia, com preferência para angioplastia versus fibrinolíticos quando indicada. (Devemos lembrar à má aderência ao tratamento destes pacientes quando indicada angioplastia e conseguinte duração da dupla terapia antiplaquetária).

CardioAula - Artigo Betabloqueador e Cocaína

Figura 1 – Avaliação paciente com Dor Torácica e usuário de cocaína Adaptado de Havakuk, O. et al. J Am Coll Cardiol. 2017

No próximo artigo discutiremos o uso de Aspirina na prevenção primaria. A final há benefício????

Dr. Horacio Eduardo Veronesi

– Formado em Medicina pela Universidad Nacional de Rosario (Arg)
– Residência em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (SP)
– Residência em Ecocardiografia pelo Instituto Nacional de Cardiologia (RJ)

Referências:

1. Havakuk O, Rezkalla SH, Kloner RA. The Cardiovascular Effects of Cocaine. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2017 Jul 4;70(1):101 LP-113. Available from: http://www.onlinejacc.org/content/70/1/101.abstract
2. Shin D, Lee ES, Bohra C, Kongpakpaisarn K. In-Hospital and Long-Term Outcomes of Beta-Blocker Treatment in Cocaine Users: A Systematic Review and Meta-analysis. Cardiol Res. 2019 Feb;10(1):40-7.