Alterações cardíacas secundárias ao uso de Cloroquina

Confira nota abaixo da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC)

A cloroquina, agente anti-malárico e imunomodulador, tem sido amplamente utilizado para o tratamento de doenças reumatológicas e tem sido divulgada como tratamento promissor do COVID-19. Contudo, possíveis efeitos colaterais como retinopatia, neuropatia, miopatia e alterações cardíacas podem ocorrer.

À semelhança de medicamentos como amiodarona e clorpromazina, a cloroquina acumula-se nos lisossomos inibindo diretamente suas enzimas e elevando o pH lisossomal resultando na formação de corpúsculos de inclusões citoplasmáticas. Com isso, pode promover redução significativa na velocidade do potencial de ação das células do sistema excito-condutor do coração, prolongando sua duração e aumentando o período refratário das fibras de Purkinje. Por este motivo, a cloroquina tanto pode ter efeito antiarrítmico quanto provocar o surgimento de arritmias graves.

Não estão estabelecidas relações com a dose ou tempo de exposição à cloroquina para que ocorram alterações clínicas e histopatológicas e tampouco se predisposições individuais ou genéticas são necessárias para a sua ocorrência, mas a melhora da disfunção cardíaca após a suspensão do medicamento já foi descrito em pacientes que desenvolveram miocardiopatia.

A alteração eletrocardiográfica mais usualmente documentada é o bloqueio fascicular que pode evoluir para bloqueio atrioventricular total, potencialmente fatal. O prolongamento do intervalo QT também pode ocorrer, predispondo o indivíduo a taquicardia ventricular polimórfica, aumentando o risco de morte súbita.

O diagnóstico da toxicidade pela cloroquina é confirmado pela biópsia endomiocárdica com estudo ultraestrutural por microscopia eletrônica de transmissão. Os achados clássicos consistem em células vacuolizadas apresentando numerosos e grandes lisossomos secundários contendo um material denso de estrutura lamelar, corpos mielínicos e curvilíneos, com desorganização da estrutura miofibrilar.3 Necrose de células musculares cardíacas também pode ocorrer. Estas alterações, sendo preferencialmente encontradas no septo cardíaco, podem acometer o sistema excito-condutor.

O perfil farmacológico da cloroquina é bastante seguro e o seu uso, especialmente em doenças reumatológicas, confere muitos benefícios com raras complicações importantes. Entretanto, o uso indiscriminado e sem acompanhamento médico e também a exposição a possíveis interações com outros medicamentos, podem expor o indivíduo a efeitos adversos graves.

Fonte: Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC)

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